RE - 1068 - Sessão: 23/01/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Nova Boa Vista contra a sentença da Juíza Eleitoral da 83ª Zona – Sarandi que desaprovou suas contas relativas ao exercício de 2017, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, da omissão de registro de conta-corrente no SPCA e da não apresentação dos respectivos extratos bancários, além da ausência de comprovação de despesas, culminando com a determinação do recolhimento de R$ 253,33 ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa de 20%, bem como a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que ocorra o recolhimento desse valor ou até que seja aceito pela Justiça Eleitoral o esclarecimento quanto à origem dos recursos (fls. 84-86).

Nas razões do apelo, a agremiação busca esclarecer a fonte dos recursos considerados de origem não identificada, por meio da juntada de declaração subscrita pela gerente da instituição bancária e de demonstrativo de doações financeiras recebidas. Postula que as contas sejam aprovadas, afastando-se os comandos de recolhimento de valores ao erário e de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, ante a documentação acostada e a ausência de má-fé ou prejuízo à sociedade (fls. 89-93).

A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, opina pelo provimento parcial do recurso, tão somente para afastar a irregularidade de recebimento de recursos de origem não identificada e, em consequência, as sanções de recolhimento de valores aos cofres públicos, de multa e de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário (fls. 100-102).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o ajuste contábil foi desaprovado pelo juízo eleitoral a quo, em virtude de irregularidades que comprometeram a confiabilidade e a transparência das contas, consistentes (1) no recebimento de R$ 253,33 de origem não identificada; (2) na falta de registro, no sistema SPCA, da conta-corrente n. 17984-1, agência 0258, do SICREDI, e da não apresentação dos respectivos extratos bancários; e (3) na falta de comprovação de 93,72% das despesas realizadas e de outras omitidas no curso das contas.

No tocante ao primeiro fato ensejador da desaprovação da contabilidade, o recorrente acostou declaração (fl. 90) emitida pela gerência da agência bancária n. 0258, do SICREDI, informando os créditos lançados na conta-corrente n. 11501-0, os quais se deram nas formas “CRÉD. TRANSF. ENTRE CONTAS, TRANSF. ENTRE CONTAS OU DEPÓSITO EM DINHEIRO”, com a data, o nome, o CPF e o valor das transações, além de “Demonstrativo de Doações Financeiras Recebidas”, este supostamente extraído do sistema SPCA.

Ora, o que pretende o recorrente, com a juntada da documentação, é um novo exame técnico das contas, o que é inviável em sede de recurso. Mesmo que se entendesse restarem os depósitos identificados, haveria de ser apurado se os doadores declinados não ostentam a condição de fonte vedada.

Além disso, impende ressaltar que nem o recurso nem o documento subscrito pela gerente apontam o modo como a instituição bancária teria identificado os depositantes dos valores glosados, considerando que os extratos bancários coligidos aos autos não revelam os doadores. Na declaração apresentada, não foi enunciada a origem dos dados informados, afastando, dessa maneira, a plena fiscalização da Justiça Eleitoral.

Não desconheço que a jurisprudência desta Corte tem se consolidado no sentido de não haver óbice ao conhecimento de novos documentos trazidos aos autos pelo recurso, em respeito ao que dispõe o art. 266, caput, do Código Eleitoral.

Contudo, para tanto, é essencial que se trate de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

Nesse sentido, colaciono arestos deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. ADMITIDA A JUNTADA DE DOCUMENTOS EM FASE RECURSAL. MÉRITO. SUPERADAS DIVERSAS IMPROPRIEDADES QUE ENSEJAM APENAS A APOSIÇÃO DE RESSALVAS NAS CONTAS. AFASTADA A SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Preliminar. Conhecidos os documentos apresentados em fase recursal. A jurisprudência deste Tribunal autoriza o conhecimento e a análise da documentação apresentada com o recurso, quando simples, capaz de esclarecer as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

(...)

(TRE-RS, RE 699-36, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 18.12.2018.) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Eleições 2016.

Matéria preliminar. 1. Embora a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não admita a juntada de documentação nova ao processo quando já transcorrida oportunidade prévia de saneamento das irregularidades, a previsão do art. 266 do Código Eleitoral autoriza a sua apresentação com a interposição do recurso, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer os apontamentos sem a necessidade de nova análise técnica ou diligência complementar.

(...)

(RE PC n. 282-92.2016.6.21.0128, relator o Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 16.5.17.) (Grifei.)

Logo, não obstante o entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, que considerou sanada a falha, entendo que, nas circunstâncias, mister nova análise técnica das contas para apurar se os doadores identificados constituem ou não fonte vedada, o que inviabilizaria, por completo, o conhecimento do documento para o fim de arredar a irregularidade.

No entanto, com os novos elementos de prova acostados que se relacionam ao segundo fato gerador da desaprovação, consubstanciado na ausência de registro, no sistema SPCA, da conta-corrente n. 17984-1, agência 0258, do SICREDI, e da não apresentação dos respectivos extratos bancários, entendo que a irregularidade mereça ser afastada.

A uma, porque, contrariamente ao constante do parecer técnico, houve o registro da referida conta-corrente no sistema SPCA, conforme se verifica da “Relação de Contas Bancárias Abertas”, de fls. 12-13.

A duas, porque há declaração assinada pelo presidente e pelo tesoureiro do órgão partidário de que não houve movimentação financeira relativa a recursos do Fundo Partidário (fl. 32), que restou corroborada pela gerente do banco por meio de sua declaração acostada à fl. 15 destes autos.

Por derradeiro, relativamente à terceira falha que levou a magistrada de piso a desaprovar as contas, consistente na não comprovação de 93,72% das despesas realizadas e de outras omitidas, nada foi produzido no recurso que seja apto a afastar a irregularidade, que sequer foi objeto de impugnação específica.

Assim, impõe-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas, com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 253,33.

Entrementes, considerando as circunstâncias do caso vertente, tais como tratar-se de órgão partidário de diminuto município, com modesta movimentação de recursos financeiros, e a ausência de má-fé, demonstrada por sua colaboração ao longo do processamento do feito, entendo que a multa, estabelecida no patamar máximo de 20%, deva ser reduzida equitativamente para 5%, sanção que se afigura mais consentânea com as falhas constatadas.

O valor a ser recolhido aos cofres públicos, portanto, passa a ser de R$ 253,33, de origem não esclarecida, somados a R$ 12,66, de multa, resultando em R$ 265,99.

Ainda, merece ser revista a penalidade aplicada pelo juízo monocrático, fixada nos termos do art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, consistente na suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário “até o recolhimento do valor determinado acima ou, em caso de não recolhimento, do esclarecimento da origem do recurso aceito pela Justiça Eleitoral”.

Primeiro, porque a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, até que ocorra o efetivo recolhimento de valores ao erário, não encontra amparo normativo.

Segundo, porque está sendo mantida, em grau recursal, a conclusão sentencial no sentido de que os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Terceiro, porque, da análise sistemática da regulamentação das contas partidárias, verifica-se que a suspensão de quotas até que a origem dos recursos seja informada somente tem sentido durante a tramitação do feito, e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos.

Interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que, após a prolação da sentença, sequer teria lugar o exame de novos esclarecimentos.

Reproduzo o dispositivo em questão:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

(…)

II – no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei n. 9.096/95, art. 36, I).

Logo, há de ser afastada tal sanção, porquanto a interpretação teleológica do texto do art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15 evidencia que seu campo de aplicação confina-se à tramitação do feito até o julgamento final, não se podendo estender após esse marco.

Trago à baila aresto desta Corte sufragando tal tese:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

(…). 5. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas até que a origem do recurso seja informada. A interpretação teleológica do texto do art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.432/14 evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito. Reduzido prazo de suspensão do Fundo Partidário para seis meses. Recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia impugnada, oriunda de origem não identificada e de fonte vedada.

6. Parcial provimento.

(TRE; PC 35-92.2016.6.21.0005; Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann; julgado em 01.07.2019, DJE de 23.08.2019.) Grifei.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do valor de R$ 253,33 ao Tesouro Nacional, reduzir a multa aplicada para 5% do montante irregular e afastar a sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário.