RC - 2717 - Sessão: 03/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da decisão que rejeitou a denúncia promovida contra DAYANA FIGUEIREDO BOTELHO e VALMI TEIXEIRA DE SOUZA pela prática do crime do art. 350 do CE, por inserção de declaração falsa em seus registros de candidatura ao cargo de vereador nas eleições de 2016, pois teriam assim agido apenas para preencher a cota de gênero, prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, sem a intenção de realizar campanha e disputar o pleito.

O juízo a quo entendeu que a conduta das denunciadas, ao registrarem suas candidaturas, com o preenchimento dos requisitos legais e da documentação exigida para tanto, mesmo que com o fim último de apenas preencher a cota mínima de gênero, sem a real intenção de fazer campanha, não se conforma à moldura típica trazida pelo delito de falsidade ideológica.

Em suas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral sustenta que a conduta descrita na denúncia caracteriza o delito de fraude eleitoral, tendo em vista que as denunciadas nunca tiveram a verdadeira pretensão de candidatar-se.

Com contrarrazões, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

Não há preliminares ou nulidades processuais a serem analisadas.

No mérito, o presente recurso envolve o delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, a saber:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Como se percebe, o tipo penal eleitoral estabelece o crime de falsidade eleitoral, à semelhança da falsidade prevista no Código Penal, apenas com a presença específica de propósito eleitoral, consistente em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa, para fins eleitorais.

Na espécie, as recorridas foram denunciadas porque teriam inserido declaração falsa em documento público, qual seja, o registro de suas candidaturas, na medida em que a única intenção era a de que os partidos políticos (PP e PMDB) atingissem a cota de gênero mínima exigida pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504-1997.

Contudo, ainda que a conduta descrita fosse suficientemente demonstrada, ela não é típica, não se amolda ao delito previsto no art. 350 do CE, pois não há violação à fé pública nem a inserção de declaração falsa ou diversa da que deveria constar.

A matéria já foi examinada pelo Tribunal Superior Eleitoral, que adotou o mesmo entendimento:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

1. Não se vislumbra falsidade ideológica eleitoral quando são verdadeiros os elementos inseridos no registro de candidatura.

2. É atípica a conduta de candidata que, com a única intenção de satisfazer o percentual legal de 30% de inscrição do sexo feminino, registra a candidatura, mas não promove campanha.

3. Recurso provido para conceder a ordem de trancamento da ação penal, com extensão às corrés.

(Recurso em Habeas Corpus n. 2848, Acórdão, Relator Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 229, Data: 04.12.2014, pp 11-12.)

Nessa mesma linha de intelecção, o julgado do TRE de Minas Gerais, colacionado pela douta Procuradoria Eleitoral:

Recurso criminal. Recurso em sentido estrito. Art. 350 do Código Eleitoral. Denúncia rejeitada. Os indícios apontados na denúncia são frágeis, tendo em vista a ausência de dispositivo legal que imponha a obrigatoriedade de que os candidatos, após o registro de suas candidaturas, realizem atos típicos de campanha eleitoral. O mero fato de a candidata não ter feito campanha e não buscar angariar votos dos eleitores, não constituem indícios suficientes de crime de falsidade a ensejar o prosseguimento da persecução penal. Ausência de justa causa para a deflagração de ação penal em razão da atipicidade dos fatos narrados. A denúncia deve ser rejeitada por ausência de justa causa. Os recorridos não ofereceram contrarrazões, circunstância que, em princípio, inviabilizaria o julgamento desse recurso. Contudo, verifico ser consentânea com a economia processual e mais benéfica aos denunciados a concessão do habeas corpus de ofício para trancar a ação penal. Concessão da ordem, de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal para trancar a ação penal por ausência de justa causa, nos termos do art. 395 do Código de Processo Penal.

(RECURSO CRIMINAL n 675, ACÓRDÃO de 07.02.2019, Relatora THEREZA CRISTINA DE CASTRO MARTINS TEIXEIRA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 034, Data: 21.02.2019.)

Com essas considerações, em face da atipicidade da conduta, deve ser mantida a decisão que rejeitou a denúncia.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.