INQ - 2070 - Sessão: 25/11/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado pela Superintendência Regional da Polícia Federal de Passo Fundo, por requisição da Procuradoria Regional Eleitoral, visando à apuração de eventual prática do crime de corrupção eleitoral, art. 299 do Código Eleitoral.

Em tese, o crime teria ocorrido durante o pleito de 2016, nos termos do relato de novembro daquele ano, no qual o representante municipal do DEM, José Carlos Marolli, noticiou que, entre os meses de agosto e outubro de 2016, em Cruzaltense, o prefeito e o vice-prefeito, candidatos à reeleição, KELY JOSÉ LONGO e NELSON JONES FRANKLIN DA SILVA, teriam doado dinheiro, auxílio-funeral e vantagens relacionadas à saúde (v.g. consultas, exames, tratamentos médicos e odontológicos) a eleitores em troca dos seus votos e dos votos de seus familiares na sua candidatura (CE, art. 299).

O relato inicial foi protocolizado como expediente Recebimento Diverso n. 00762.01466/2016, do Ministério Público Eleitoral (fl. 07), que resultou na Notícia de Fato NF n. 1.04.100.000488/2016-18 na PRR/4ª Região – Porto Alegre (fl. 05). Com base nos documentos, houve a instauração do Inquérito Policial n. 20-70.2018.6.21.0000 - IPL n. 0108/2018-4 – DPF/PFO/RS.

Na sequência, diante do relato de fatos que envolviam o prefeito de Cruzaltense, sobreveio manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral confirmando a manutenção da competência em segunda instância da Justiça Eleitoral, após a mudança de paradigma interpretativo quanto ao foro por prerrogativa de função ante a decisão do STF, na APO n. 937, julgada em maio de 2018 (fls. 641-643).

A investigação foi concluída pela Polícia Federal de Passo Fundo sem que houvesse indiciamentos (fls. 680-683), e a promoção ministerial, agora, entende pelo arquivamento do inquérito policial, com as ressalvas contidas no art. 18 do Código de Processo Penal (fls. 686-691).

É o relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Inicialmente, anoto que, em decisão ocorrida no mês de maio de 2018, por maioria, o Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação a respeito da competência originária para processamento e julgamento de ação penal por prerrogativa de função, na Ação Penal Originária n. 937, para restringir sua aplicação apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas, salvo se o feito encontrar-se em fase de alegações finais.

No caso dos autos, KELY JOSÉ LONGO e NELSON JONES FRANKLIN DA SILVA, respectivamente, prefeito e vice-prefeito do município de Cruzaltense, têm contra si atribuídos fatos que caracterizariam, em tese, ilícito eleitoral cuja prescrição em abstrato ainda não ocorreu – artigo 299 do Código Eleitoral.

Foram reeleitos no pleito de 2016, de forma que se consolidou a competência deste Regional para o inquérito, porquanto os fatos, em tese, configuram crime eleitoral, e um dos investigados ostenta a condição de prefeito. Ademais, há pertinência entre tais fatos e as funções desempenhadas pelo mandatário, prefeito reeleito.

Ao mérito.

O inquérito policial, segundo o art. 4º do Código de Processo Penal, consiste no conjunto de diligências realizadas com a finalidade de apurar as infrações penais, bem como a respectiva autoria. Constitui, dessa forma, fase investigatória pré-processual, instaurada com o objetivo de fundamentar a decisão do órgão acusatório sobre a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do delito, em oferecimento de denúncia.

No caso em exame, o representante do Ministério Público Eleitoral concluiu pela ausência de especificação mínima dos dados a serem apurados, razão pela qual requer o arquivamento das peças de informação por falta de justa causa para a persecução penal.

A alegada conduta consistiria em doação de dinheiro, auxílio-funeral e vantagens relacionadas à saúde (v.g. consultas, exames, tratamentos médicos e odontológicos) a eleitores, supostamente com o intuito de angariar votos em prol das candidaturas à reeleição dos investigados.

Com razão o Parquet, que sublinha, em sua promoção, a fragilidade probatória de todos os relatos. Vejamos:

(…) Dos depoimentos dos referidos eleitores, contudo, não é possível concluir pela ocorrência de concessão de benesse em troca dos seus votos, senão vejamos.

NEUZA FATIMA CECATO (fls. 654-655) “nega ter recebido qualquer tipo de oferta ou de exigência de quem quer que fosse, no sentido de votar em determinado candidato ou sigla partidária em 2016”, bem como “afirma que foi a própria declarante quem procurou, inicialmente, o postinho de saúde em Cruzaltense/RS, sendo que nega ter havido qualquer troca de favores com fins eleitorais”.

TATIANE ZANGRANDE (fls. 657-658) alegou que “em nenhum momento a consulta médica e o exame de endoscopia realizado no ano de 2016 foi custeado pelo município de Cruzaltense/RS em troca de voto ou de qualquer tipo de apoiamento político-eleitoral”.

ALANA TRAMONTINA MOSCHEN (fls. 663-664) aduziu que “não houve qualquer oferta, insinuação, exigência ou qualquer tipo de manifestação pelo pessoal do posto de saúde de Cruzaltense/RS dirigidos à declarante, no sentido dela votar ou deixar de votar nas eleições de 2016, em razão do atendimento de saúde recebido ou do encaminhamento para atendimento em

Erechim/RS”.

LIAMARA BARUFFI (fls. 666-667) declarou que “não houve qualquer tipo de solicitação, exigência, insinuação ou qualquer tipo de manifestação por parte dos profissionais e funcionários da prefeitura de Cruzaltense/RS, dirigidos à declarante, no sentido de votar ou deixar de votar nas eleições de 2016, em razão do auxílio social que recebeu”. No mesmo sentido foi a informação passada via contato telefônico, nos termos da fl. 635 e v..

LANE MARIA CASTANHO DE MATTOS (fl. 669) alegou que “nada ouviu no sentido de o pessoal da Prefeitura Municipal de Cruzaltense/RS ter solicitado, exigido, insinuado ou manifestado, de qualquer forma, pedido para votar ou deixar de votar nas eleições municipais de 2016”.

NEOMAR CESAR TRENTIN (fls. 671-672) sustentou que “não houve qualquer tipo de solicitação, exigência, insinuação ou qualquer tipo de

manifestação por parte dos profissionais e funcionários da prefeitura de

Cruzaltense/RS, dirigidos ao declarante, no sentido de votar ou deixar de votar nas eleições de 2016, em razão dos auxílios sociais que recebeu”.

JULIANO GIACHINI, pai e responsável por KETTLYN GIACHINI, relatou (fls. 674-675) que “não houve qualquer tipo de solicitação, exigência, insinuação ou qualquer tipo de manifestação por parte dos profissionais e funcionários da prefeitura de Cruzaltense/RS, dirigidos ao declarante, no sentido de votar ou deixar de votar nas eleições de 2016, em razão do pedido de auxílio para realização do exame diagnóstico de sua filha”. No mesmo sentido foi a informação passada via contato telefônico, nos termos da fl. 635.

EMA JUBA, via contato telefônico, genitora de RENATO BRADLER JUBA, informou que recebeu o benefício para pagamento de exames por parte da Secretaria de Saúde do Município de Cruzaltense, “(...) não tendo sido solicitado nada nem momento do recebimento do benefício, nem em data posterior. Que tão pouco seu filho foi demandado neste sentido” (fl. 635).

DANIEL FERREIRA MATTOS, irmão de PEDRO FERREIRA DE MATTOS, sustentou, via contato telefônico, que o trâmite do sepultamento do seu irmão foi intermediado pelo Asilo Recanto do Vovô em Campinas do Sul/RS, não sabendo o quanto a Prefeitura de Cruzaltense/RS teria fornecido de auxílio e afirmando que não mais reside no referido município há anos (fl. 636). Tal informação encontra-se em consonância com os documentos apresentados pelo Município às fls. 430-434.

VILMA DASSOLER, RAQUEL SCHMIDT DALA ROSA, WALDIR MENIN, IVANI MARIA FAGUNDES ZENI e IVONE TEREZINHA DALLAGNOL não compareceram às oitivas agendadas (fls. 677-678).

Não foi localizada MARCELINA PERRUZZO PERIN e nem CLÉLIO SILVINO EITUTIS (fl. 662).

Analisando o teor de todos os depoimentos em conjunto com os documentos anexados aos autos, principalmente as informações levantadas pelos Policiais Federais e pela perícia desta PRE-RS, bem como as prestadas pela Prefeitura de Cruzaltense/RS, o ilustre Delegado da Polícia Federal condutor da investigação concluiu que “(...) os fatos investigados parecem ter repercussão somente na seara administrativa e eleitoral, podendo, no máximo, autorizar e projetar a ocorrência de eventual abuso de poder político e de eventual cometimento de conduta vedada em âmbito eleitoral (…). Diante das informações ora apresentadas, a manutenção deste inquérito policial carece de justa causa (...)” (fls. 680-683).

Ao par disso, a prova da suposta corrupção limita-se, exclusivamente, à palavra de RENATO BRADLER JUBA à fl.679 e v., a qual, à míngua de qualquer outro elemento de informação que lhe dê minimamente suporte – ao contrário, restou infirmada pelo depoimento de sua genitora (fl. 635)-, afigura-se insuficiente para subsidiar o oferecimento de denúncia.

Tem-se, portanto, que os elementos de informação coletados são insuficientes para subsidiar o oferecimento de denúncia e não há outras diligências a serem realizadas, razões pelas quais o presente expediente deve ser arquivado.

Assim, ausente justa causa para o oferecimento de denúncia, e não havendo outras provas a serem produzidas, impõem-se o arquivamento da presente investigação, ressalvado o surgimento de novas provas, nos termos do art. 18 do CPP.

Os depoimentos tomados não trazem elementos seguros para que se tenha, ainda que hipotética, a prática ou participação dos investigados no delito capitulado.

Dessarte, gizo que, uma vez ausentes informações que constituam subsídios mínimos para a investigação sobre o fato, tenho que o pleito de arquivamento por ausência de justa causa para a denúncia, tal como requerido pelo próprio dominus litis da persecução criminal, deva ser atendido.

ANTE O EXPOSTO, acolho integralmente a promoção ministerial e VOTO no sentido de determinar o arquivamento do expediente, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal e no art. 11 da Resolução TSE n. 23.363/11.

É como voto, senhora Presidente.