RC - 4859 - Sessão: 09/12/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 408-415) em face da sentença do Juízo da 90ª Zona Eleitoral – Guaíba – (fls. 405-406v.) que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia proposta contra LUCIANA BEATRIZ LOPES KUBIAKI, absolvendo-a da acusação de incursão na conduta prevista no art. 299 do CE, corrupção eleitoral.

À denunciada, foi imputado o seguinte fato delituoso:

No ano de 2016, no período eleitoral, compreendido entre os meses de julho a outubro, quando afastada de suas funções de Secretaria Municipal da Assistência Social para concorrer ao cargo de Vereadora, a denunciada LUCIANA BEATRIZ LOPES KUBIAKI, nas vilas Ipê e São Jorge, na Cidade de Guaíba, deu alimentos às pessoas carentes em troca de votos.

 

Na ocasião, a denunciada compareceu à Secretaria Municipal da Assistência Social e, após encher um veículo pertencente a tal Secretaria, assim como o seu carro particular, com alimentos que se encontravam armazenados na Secretaria, deslocou-se, juntamente com um motorista da Secretaria, a vilas de Guaíba e efetuou a distribuição dos mesmos, tendo, inclusive, efetuado o registro fotográfico de seus atos.

A denúncia foi recebida em 27.3.2017 (fl. 243).

Após regular instrução, o juízo de primeiro grau concluiu pela improcedência da denúncia, absolvendo a acusada com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP (fls. 405-406v.).

Da sentença absolutória, o Ministério Público Eleitoral de piso interpôs o presente apelo, sustentando haver provas suficientes da materialidade e autoria em relação aos fatos (fls. 408-415).

Com contrarrazões (fls. 418-424), nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso, a fim de que seja integralmente mantida a sentença absolutória (fls. 427-430v.).

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes Colegas,

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

De início, sublinho que não há prescrição a ser reconhecida ou nulidades processuais a serem declaradas. Foram obedecidos todos os intervalos temporais previstos na legislação penal – notadamente o art. 109, incs. III e IV, do CP - e, ademais, não se trata de situação que confira o oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo, uma vez que não se verifica o preenchimento dos requisitos constantes na legislação de regência, art. 89 da Lei n. 9.099/95, c/c art. 77 do CP.

No mérito, o presente recurso envolve o cometimento da conduta típica descrita no Código Eleitoral, art. 299, a saber:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

À análise.

O fato encontra-se assim narrado na inicial acusatória:

No ano de 2016, no período eleitoral, compreendido entre os meses de julho a outubro, quando afastada de suas funções de Secretaria Municipal da Assistência Social para concorrer ao cargo de Vereadora, a denunciada LUCIANA BEATRIZ LOPES KUBIAKI, nas vilas Ipê e São Jorge, na Cidade de Guaíba, deu alimentos às pessoas carentes em troca de votos.

Na ocasião, a denunciada compareceu à Secretaria Municipal da Assistência Social e, após encher um veículo pertencente a tal Secretaria, assim como o seu carro particular, com alimentos que se encontravam armazenados na Secretaria, deslocou-se, juntamente com um motorista da Secretaria, a vilas de Guaíba e efetuou a distribuição dos mesmos, tendo, inclusive, efetuado o registro fotográfico de seus atos.

O art. 299 do Código Eleitoral, também chamado de compra de votos, é o mais comum ilícito criminal reiteradamente praticado nas campanhas eleitorais.

Este tipo penal protege o livre exercício da liberdade de voto, envolvendo, a um só tempo, aquele que dá, oferece ou promete qualquer vantagem em troca do voto, e aquele que solicita, ou recebe, benesses em troca do exercício do sufrágio.

No tópico, o recurso não merece provimento. Do que se extrai da prova colhida aos autos, não foram comprovadas nem a autoria nem a materialidade do delito, conforme corretamente indicado pela juíza de primeiro grau e, já na presente instância, pelo Procurador Regional Eleitoral.

Observe-se o irretocável trecho da sentença, que adoto como fundamento desta decisão, o qual, como indicou a Procuradoria Regional Eleitoral, demonstra que o fato delituoso na inicial não restou comprovado pelo acervo probatório do processo:

De início, saliento que a denúncia é bem genérica, não apontando um período exato em que o ato teria sido praticado, tampouco o local e as pessoas para quem as quantias - alimentos, no caso - teriam sido oferecidas. As fotografias que instruíram o inquérito, nas quais é possível ver a autora distribuindo sacolas a populares, ilustram momento posterior ao período da campanha eleitoral, como confirmado pela autoridade policial à fl. 346, o que afasta a sua validade como prova da materialidade e autoria. Por outro lado, as testemunhas ouvidas em juízo não confirmaram em absoluto a narrativa da denúncia.

Se Fátima Aparecida dos Passos Xavier e Luis Ernani Ferreira Alves mencionaram que a ré teria desviado alimentos e outros objetos da secretaria - o que em tese poderia acarretar outros delitos - em momento algum afirmaram que tais alimentos foram utilizados para compra de votos. Aliás, neste ponto, Luis Ernani limitou-se a fazer referência a uma fotografia, o que em si só não é suficiente para a comprovação do agir ilícito imputado à ré. Por outro lado, eventual ameaça de perda de benefício (bolsa-família), além de desprovido de provas de que tenha partido da denunciada, não corresponde a qualquer das condutas descritas na denúncia. Veja-se que os depoimentos nos quais se baseia o Ministério Público para o fim de comprovar a hipótese acusatória provêm da fase pré-processual, não podendo os mesmos elementos de convicção sustentarem um decreto condenatório, sem que haja suporte probatório judicializado, submetido à apreciação judicial e ao contraditório das partes. Logo, em situações como a dos presentes autos, em que a prova inquisitória não é confirmada em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, deve o acusado permanecer com seu status de inocência garantido, por imposição constitucional (art. 5º, inciso LVII, da CF). (Grifei.)

No que toca a Djalma dos Santos Ribeiro, testemunho ressaltado no parecer emanado pela PRE, “seria pessoa que trabalhou como motorista na Secretaria de Assistência Social, disse que não sabia de alimentos levados para a casa da recorrida e não sabia da entrega de alimentos em troca de votos”, de forma que demonstra restar abalada a higidez da prova dos autos, tornando-a menos confiável.

E a jurisprudência exige prova inequívoca do cometimento do ilícito:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, VII, DO CPP.

1. A condenação pelo crime de corrupção eleitoral deve amparar-se em prova robusta na qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática do fato criminoso pelo réu.

2. No caso dos autos, não houve provas aptas a comprovar a autoria do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, pois os dois depoimentos prestados em juízo mostraram-se contraditórios.

3. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 569549, Acórdão de 17.03.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 68, Data 10.04.2015, Página 36.)

Assim, porque a prova judicializada não demonstrou sequer o oferecimento de vantagens, muito menos como moeda de compra de votos, é de ser mantida a sentença de improcedência.

Mais uma vez, valho-me de trecho da sentença, evitando-se desnecessária repetição de fundamentos:

Por fim, consigno que, em processo penal eleitoral - como de resto em qualquer tipo de processo criminal -, é necessária prova robusta acerca da ocorrência do fato, não podendo a condenação se basear em indícios não confirmados judicialmente. Assim, tendo-se em conta a insuficiência probatória e a impossibilidade de embasar um decreto condenatório com fundamento isolado na confissão e nos elementos da fase inquisitorial, não há outra solução senão a absolvição do acusado.

Ademais, registro que, segundo o art. 299 do Código Eleitoral, é imprescindível que a ação recaia sobre fato juridicamente relevante, com aptidão de ofender o bem jurídico protegido pela norma, qual seja, a lisura da fé pública eleitoral.

Dessa forma, é de ser ratificada a improcedência da denúncia.

Nesses termos, diante da insuficiência probatória, resta imperiosa a manutenção do decreto absolutório que julgou improcedente a Ação Penal proposta em face de LUCIANA BEATRIZ LOPES KUBIAKI, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos.

É como voto, senhora Presidente.