RC - 3668 - Sessão: 15/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e por GERSON LUIZ DOS SANTOS contra a sentença que, julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou o segundo recorrente pela prática do crime previsto no art. 353 do Código Eleitoral à pena de 2 anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 15 dias-multa, na razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato, substituída a privação de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários, à razão de 1 hora de trabalho por dia de condenação, e em prestação pecuniária de 1 salário-mínimo (fls. 479-484).

Em suas razões recursais, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL argumenta que o réu é advogado e procurador do município de Sapucaia do Sul e utilizou-se, em mandado de segurança ajuizado perante o Tribunal Regional Eleitoral, de certidão adulterada acerca da intimação de decisão judicial, a fim de obter liminar favorável ao processamento de recurso interposto fora do prazo e, assim, afastar os efeitos do indeferimento do registro de candidatura ao cargo de vereador de Pablo André Alves. Dessa forma, o Parquet entende que a conduta, para além da esfera individual dos envolvidos, tinha também a pretensão de influenciar o pleito eleitoral, merecendo maior reprovação. Aduz que a repercussão da decisão liminar favorável foi ainda maior diante do fato de que o pretendente ao cargo de vereador é filho do então prefeito em exercício, Gilberto Antônio Alves. Assevera que esperado do réu um agir de maior retidão e probidade, uma vez que advogado e ocupante do cargo de Procurador Municipal. Afirma que a multa deve ser majorada em razão da boa condição financeira do réu. Em desfecho, postula o aumento das penas aplicadas (fls. 489-492).

Em seu recurso, GERSON LUIZ DOS SANTOS sustenta a atipicidade da conduta, considerando que uma cópia xerográfica simples de folha de processo judicial não pode ser considerada documento para os fins do art. 353 do CE. Defende que a jurisprudência invocada na decisão condenatória versa sobre falsificação de conta de luz para comprovação de domicílio eleitoral, não se aplicando ao caso dos autos. Assevera que, na verificação da prescrição, a sentença não poderia tomar em conta o recebimento da denúncia em 04.7.2011 e o período de suspensão de 07.11.2012 a 13.06.2015, pois proferidos pela Justiça Federal, que posteriormente  se declarou incompetente para a análise da matéria. Enuncia a não existência de prova segura de que o réu tinha ciência do vício sobre o documento e de que agira com dolo para obter finalidade eleitoral. Ao final, requer o provimento do recurso para absolver o réu com base na atipicidade do fato, ou, subsidiariamente, pela insuficiência de prova quanto à autoria delitiva. Além disso, roga pelo afastamento das decisões da Justiça Federal para a análise da prescrição e o prequestionamento expresso das questões suscitadas no recurso (fls. 505-521).

Em contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL afirma que o entendimento pela tipicidade do fato está embasado em jurisprudência inteiramente pertinente ao caso. Sustenta que a decisão de recebimento da denúncia pelo Juízo Federal é válida e merece ser mantida como marco interruptivo do prazo prescricional. Refere ser inverossímil a tese de que o réu desconhecia o falso, posto que se trata de certidão de sua intimação pessoal em feito da Justiça Eleitoral. Dessa forma, requer o desprovimento do recurso defensivo (fls. 526-531v.).

Por sua vez, GERSON LUIZ DOS SANTOS oferece contrarrazões, em que alega a ausência de veracidade e de prova de que o fato tenha repercutido no processo eleitoral como um todo, impossibilitando o aumento da pena mínima fixada. Sustenta, ainda, que o exercício do cargo de Procurador Municipal não tem relação com o delito narrado, o que impossibilita a sua utilização como justificativa ao aumento das sanções aplicadas. Ao final, pugna pelo desprovimento do recurso ministerial (fls. 533-549).

Em parecer, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL opinou pelo desprovimento do recurso aviado por GERSON LUIZ DOS SANTOS e pelo provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 547-553v.).

É o relatório.

Dr. Gerson Luiz dos Santos (advogado):

Sr. Presidente, eminentes julgadores, em homenagem ao princípio da lealdade processual, suscito questão, em caráter preliminar. Ocorre que este processo foi, inicialmente, distribuído ao Des. El. Rafael Da Cás Maffini, na data de 02.10.2020, quando o Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes já não integrava esta Corte Eleitoral por ter vencido seu mandato. Quase 8 meses depois, quando o processo se encontrava sob a relatoria do Des. El. Maffini – e isso pode ser verificado pela movimentação constante no sistema – o Des. El. Silvio voltou a integrar o Tribunal, e o processo foi a ele remetido, sem nenhuma fundamentação – e, no meu entender, violando o princípio do juiz natural e a regra do art. 40 do Regimento Interno deste Tribunal, que diz que a distribuição será feita por ocasião do sorteio, e não prevê que posteriormente o processo possa ser remetido para outro relator. Assim que, com o maior respeito pelo conhecimento do Des. El. Silvio de Moraes, mas por entender que esta situação fere o princípio do juiz natural, insculpido no art. 5º, inc. LIII, da Constituição Federal, e viola também a regra contida no art. 40 do Regimento Interno deste Tribunal Regional Eleitoral, este recorrente considera que este processo deve retornar à relatoria do Des. El. Rafael Da Cás Maffini, sob pena de nulidade. Importa destacar que só tomei conhecimento desta modificação da relatoria em 02.10.2020, quando o processo foi incluído em pauta de julgamento, pois não fui intimado antes dessa remessa do Des. El. Maffini para o Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes. Por essas razões, preliminarmente, suscito a nulidade do ato processual descrito, para que seja o processo remetido ao relator originário.

Des. André Luiz Planella Villarinho (Presidente):

Vou destacar esta preliminar de nulidade trazida da tribuna, pois é prejudicial de mérito e, se acolhida, o julgamento poderá ser suspenso. Só alerto que a questão regimental disciplina que, quando ocorre a distribuição para os juristas, o processo é destinado à Classe, não havendo a distinção nominal. De qualquer forma, a questão torna-se agora jurisdicional, e passo, então, a palavra ao eminente Des. El. Silvio Ronaldo Santos de Moraes para se manifestar sobre a preliminar.

Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Eminente Presidente, parece-me que a solução é simples. Consta que este processo foi, originariamente, distribuído a mim, na condição de titular na Classe dos Juristas, ou ao Des. Maffini, na condição de substituto. Com a minha retomada à condição de titular, o processo naturalmente retornou a minha relatoria, independente de sorteio ou redistribuição. Então, a competência estaria definida em função da titularidade no exercício da relatoria.

Dr. Gerson Luiz dos Santos (advogado):

Uma questão de ordem, Sr. Presidente:

O Des. El. Silvio foi o relator do processo anterior, que voltou à origem em razão de declaração de nulidade da sentença. Proferida nova sentença, o processo, com recursos, voltou a esta instância quando o Des. El. Silvio não mais integrava a Corte, sendo então distribuído ao Des. El. Maffini, que, no meu entender, é quem deve continuar a conduzir o processo.

Des. Eleitoral. Rafael Da Cás Maffini:

Gostaria de fazer alguns esclarecimentos ao Dr. Gerson, até porque esta dinâmica é peculiar ao Tribunal Regional Eleitoral. Como Vossa Excelência sabe, replicando a formação do Tribunal Superior Eleitoral, este Regional é composto por dois desembargadores, dois juízes de direito, um juiz federal e dois membros da advocacia, que são escolhidos na formatação que a Constituição estabelece. Para cada uma das vagas de efetivo, replica-se esta estrutura em quantidade de substitutos. Nós, o Des. El. Miguel Antônio Silveira Ramos e eu, somos substitutos, de modo que, mal comparando, não temos uma “classificação” e, seguindo-se a antiguidade, podemos assumir a substituição tanto da figura do Jurista 1 como do Jurista 2. Por essa razão é que eu ora substituía o Des. El. Silvio Ronaldo, ora substituía o Des. El. Gerson Fischmann, quando ainda vigente o seu mandato. Estou desenvolvendo esta explicação por tratar-se de composição peculiar, diferente de outros tribunais, assim como pelo fato de que, quando oficiei, despachando neste processo, só o fiz em razão de estar substituindo aquela cadeira de Jurista 1, hoje ocupada pelo Des. El. Silvio de Moraes. A sistemática é equivalente ao que acontece no Tribunal de Justiça e no Tribunal Regional Federal, mais acentuadamente neste último, que se aproxima do Supremo Tribunal Federal, onde há uma espécie de herança de acervo de gabinete, e não de processos. Nisso, o TRF é mais próximo ao Supremo do que o Tribunal de Justiça, por exemplo.

Ainda que essa explicação não fosse suficiente, chamo a atenção – não ao art. 40 ao qual Vossa Excelência se referiu, mas ao art. 37 do Regimento Interno do TRE-RS, que diz o seguinte: “Os processos e as petições serão recepcionados no mesmo dia do recebimento, na seção própria, para autuação e distribuição por classes, mediante sorteio, alternadamente entre os membros do Tribunal, segundo a ordem decrescente de antiguidade, por meio do sistema de computação de dados.” E este dispositivo, em seu § 3º, na minha opinião, resolve esta questão de ordem pelo não acolhimento: “Ocorrendo afastamento definitivo do juiz, os processos que lhe haviam sido distribuídos passarão automaticamente a seu sucessor ou, enquanto não entrar em exercício o juiz efetivo que o sucederá, a seu substituto.” No caso, eu estava substituindo a cadeira hoje ocupada pela posição do Des. El. Silvio de Moraes. Por essas considerações, rejeito a questão de ordem suscitada.

(Colhidos os votos dos demais membros, foi rejeitada a preliminar de nulidade suscitada da tribuna.)

 

Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

 

VOTO

DAS DEMAIS PRELIMINARES

Da Tempestividade

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 07.02.2019 (fl. 488), e o recurso foi apresentado com as respectivas razões no dia 11.02.2019 (fl. 258).

Por seu turno, o réu Gerson foi intimado da sentença em 06.02.2019 (fl. 487v.), em face da qual opôs embargos declaratórios em 08.02.2019 (fl. 494). A decisão de rejeição dos aclaratórios foi publicada em 19.02.2019 (fl. 504), sobrevindo o recurso eleitoral no dia 22.02.2019 (fl. 505).

Portanto, ambos os recursos devem ser conhecidos, uma vez que observados o tempo e a forma exigidos pelos arts. 266 e 362 do CE.

Da Prescrição

Ainda, preliminarmente, cumpre examinar a alegação do recorrente Gerson de que, na análise do prazo prescricional, não deve ser tomada como marco interruptivo a data do recebimento da denúncia pela Justiça Federal, posto que esta foi considerada absolutamente incompetente para o julgamento do feito.

De fato, inicialmente, a denúncia foi recebida pelo Juízo Federal, em 04.7.2011 (fls. 110-111), o qual determinou a suspensão do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP, pelo período de 07.11.2012 a 13.6.2015 (fls. 146v. e 176v.-177), havendo o posterior declínio de competência à Justiça Eleitoral em razão da matéria (fls. 330-334).

Desse modo, devido à incompetência absoluta para o julgamento da ação penal, a decisão de recebimento da denúncia emanada da Justiça Federal é nula e não produz efeitos sobre a contagem do prazo prescricional, em harmonia com o entendimento sedimentado do STF:

Recurso Ordinário Criminal. Penal e Processual Penal. Crime político. Material militar privativo das Forças Armadas. Artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 7.170/83. Tipificação. Não ocorrência. (...). 8. Considerando-se que, por se tratar de contravenção penal, a Justiça Federal era absolutamente incompetente para processar e julgar a ação penal (art. 109, IV, CF), descabe adentrar-se, desde logo, em seu mérito. Hipótese em que os autos deveriam ser remetidos à Justiça Comum estadual. 9. A incompetência constitucional da Justiça Federal para processar e julgar a ação penal gera a nulidade, ab initio, do processo. 10. Dessa feita, o recebimento da denúncia não tem o condão de interromper o prazo prescricional. Precedente. Extinção da punibilidade decretada. 11. Recurso provido.

(RC 1472, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 25.05.2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016.) (Grifei.)

 

HABEAS CORPUS IMPETRAÇÃO FUNDADA, EM PARTE, EM RAZÃO NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL APONTADO COMO COATOR. INCOGNOSCIBILIDADE, NO PONTO, DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA POR ÓRGÃO JUDICIÁRIO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. INOCORRÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONSUMAÇÃO DO LAPSO PRESCRICIONAL. PEDIDO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS COM APOIO EM FUNDAMENTO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL APONTADO COMO COATOR: HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE DO WRIT CONSTITUCIONAL. (...). O recebimento da denúncia, quando efetuado por órgão judiciário absolutamente incompetente, não se reveste de eficácia interruptiva da prescrição penal, eis que decisão nula não pode gerar a consequência jurídica a que se refere o art. 117, I, do Código Penal. Precedentes. Doutrina.

(STF - HC: 104907 PE, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 10.05.2011, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014.) (Grifei.)

 

 

Na mesma senda, está a jurisprudência do TSE:

Eleições 2004. Recurso Especial. Crime eleitoral. Recebimento de denúncia. Juízo incompetente. Consequências. Prazo prescricional. Precedentes. Prescrição da pretensão punitiva. Acórdão regional conclusivo sobre a matéria de fato. Art. 299 do Código Eleitoral. Impossibilidade de reexame de fatos e provas. Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça. Recurso ao qual se nega provimento.

1. O recebimento da denúncia realizado por juiz incompetente é nulo e, por conseguinte, não interrompe o prazo prescricional. Precedentes.

2. O reexame dos fatos demarcados pelo Tribunal Regional Eleitoral e o reconhecimento da eventual ausência de elementos cognitivos conclusivos para a condenação são tarefas que exigem o revolvimento de provas, atividade incompatível com os limites do recurso especial. Súmulas 269 do Supremo Tribunal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

3. Recurso improvido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 685214904, Acórdão, Relator(a) Min. Cármen Lúcia, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 108, Data 11.06.2012, Página 58.) (Grifei.)

 

Do mesmo modo, a suspensão do processo e do curso da prescrição em decorrência da citação por edital, nos termos do art. 366 do CPP, decretada pela Justiça Federal, não produz qualquer efeito, tendo em vista, inclusive, que o ato de citação do acusado é dependente do recebimento válido de peça acusatória – e a ele subordinado, apresentando-se, portanto, igualmente nulo na hipótese, em conformidade com o disposto no art. 573, § 1º, do CPP, pelo qual, “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência”.

Portanto, considero que o primeiro marco válido prejudicial ao decurso da prescrição adveio do recebimento da denúncia pela Justiça Eleitoral, em 29.6.2017 (fl. 358).

Desse modo, o art. 109, inc. III, do CP prevê a prescrição em 12 anos, quando a pena máxima abstratamente cominada ao crime é superior a 4 e não excede 8 anos. Verifica-se, então, que entre a data do fato (13.8.2008) e o recebimento da denúncia pela Justiça Eleitoral (29.6.2017), ou entre este último e a publicação da sentença condenatória de primeiro grau, em 05.02.2019 (fl. 485), não se completou o prazo extintivo da pretensão punitiva.

Tendo em vista que não houve o trânsito em julgado para a acusação, pois o recurso ministerial busca o aumento das sanções impostas na sentença, inviável a aferição do prazo prescricional pela pena in concreto, na linha enunciada pela Súmula n. 146 do STF: A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.

Portanto, não há prescrição penal a ser reconhecida.

Não havendo outras prefaciais, passo ao exame do mérito.

DO MÉRITO

A denúncia imputa ao réu o seguinte fato (fls. 04v.-05v.):

No dia 13 de agosto de 2008, GERSON LUIZ DOS SANTOS falsificou certidão de intimação realizada pela Justiça Eleitoral, tendo alterado documento público verdadeiro. Na mesma ocasião, fez uso do documento alterado (ou adulterado). O denunciado ajuizou mandado de segurança perante a Justiça Eleitoral (no TRE-RS, ver INQ5 - pág. 52 a INQ6 - pág. 46) instruído com cópia de certidão de intimação (documento público) por ele adulterada (INQ10 - pág. 05), com o fim de comprovar a tempestividade de recurso que ele anteriormente havia interposto, o que não havia sido conhecido, porque intempestivo (INQ4 - páginas 39/46).

 

Os fatos tiveram início no ano de 2008, nas eleições municipais de Sapucaia do Sul/RS, no âmbito do procedimento de registro da candidatura a vereador de Pablo André Alves, pertencente à coligação DEM-PSDC. Conforme a decisão judicial de páginas 34/36 - INQ4, o referido candidato foi considerado inelegível e o registro da candidatura, indeferido.

 

Na ocasião, a coligação DEM-PSDC foi intimada dessa decisão, na data de 04.08.2008, via fac-símule (ver INQ10 - pág. 03), e o advogado Gerson fez carga dos autos em 05.08.2008 (INQ 10 - pág. 04). Gerson atacou a decisão mediante recurso, protocolado em 08.08.2008 (INQ4 - pgs. 39/46), o qual não foi acolhido pelo d. Juízo por intempestivo (deveria ter sido protocolado até 07.08.2008).

 

Diante disso, Gerson impetrou o mencionado mandado de segurança no TRE-RS (INQ5 - pág. 52 a INQ6 - pág. 46) sustentando que o prazo recursal havia iniciado em 05.08.2008, instruindo a ação com uma versão adulterada (vide laudo pericial - LAU11 - especificamente itens “b” e “c”) da intimação de pág, 03 - INQ10. Desta forma, omitindo-suprimindo na cópia obtida do documento original a intimação da coligação, ocorrida em 04.08.2008 (via fax), o advogado induziu em erro a Desembargadora relatora do mandado de segurança, a qual concedeu liminar, em 14.08.2008, determinando a subida do recurso antes inadmitido (INQ4 - pg. 49 a INQ5 - pg. 01).

(Grifos do original)

 

A descrição envolve a infração penal insculpida no art. 353 do Código Eleitoral, cujo preceito secundário remete ao art. 348 do mesmo Estatuto:

Art. 348. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro, para fins eleitorais:

Pena - reclusão de dois a seis anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa.

 

[...].

 

Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os artigos. 348 a 352:

Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

 

Conforme explica Rodrigo López Zilio, o tipo penal em comento possui descrição típica muito semelhante ao seu correlato da legislação penal comum, diferenciado apenas no tocante à exigência da “finalidade eleitoral” da conduta:

O art. 353 do Código Eleitoral tipifica o crime de uso de documento falso eleitoral – cujos elementos normativos são coincidentes com o art. 304 do Código Penal, apenas acrescido da expressão “para fins eleitorais”; não havendo prova da finalidade eleitoral, o crime subsiste e é punido na forma do Código Penal. (Crimes eleitorais. 4. ed. Juspodivm, 2020, p. 163).

 

Passo, então, à análise individualizada das razões ventiladas em cada um dos recursos interpostos.

DO RECURSO DE GERSON LUIZ DOS SANTOS

Da Tipicidade do Fato

O recorrente Gerson alega que a imputação envolve a mera utilização de cópia xerográfica de documento sem autenticação, o qual não se caracteriza como documento público, elemento objetivo exigido pelo tipo legal do crime, decorrendo, portanto, a atipicidade da conduta.

Sobre o ponto, José Jairo Gomes leciona que “documento público é o documento formado por agente público ou estatal, no exercício de suas funções legais e regulamentares”. Prossegue o doutrinador:

São públicos os documentos emanados da administração direta do Estado, i.e., dos agentes e serviços integrantes da própria estrutura do ente de direito público interno – a exemplo de ministérios, secretarias, repartições, gabinetes, tribunais, juizados etc.” (Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 191).

 

Indubitável que a certidão acerca da data de intimação da parte em processo judicial representa um documento público, pois confeccionada por servidor público no exercício de suas funções e de acordo com a legislação pertinente ao ato sobre fato juridicamente relevante no contexto em que lançado.

Por sua vez, em suas razões, o recorrente Gerson refere precedentes jurisprudenciais no sentido de que simples fotocópias não autenticadas, caso sejam falsificadas ou adulteradas, em princípio, não se amoldam ao conceito de documento público para a tipificação do crime de falso, pois carentes da fé pública necessária à configuração do elemento objetivo exigido pelo tipo penal.

Referido posicionamento tem esteio na concepção de que a mera reprodução de documento público não tem aptidão para a prova da situação jurídica versada pelo original, a qual somente seria alcançada por meio da autenticação em tabelionado de notas ou após a confrontação com o original. Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. FOTOCÓPIA NÃO AUTENTICADA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A utilização de fotocópia não autenticada afasta a tipicidade do crime de uso de documento falso, por não possuir potencialidade lesiva apta a causar dano à fé pública. 2. Precedentes deste Superior Tribunal de Justiça. 3. Habeas corpus concedido.

(STJ - HC: 127820 AL 2009/0020760-0, Relator: Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), Data de Julgamento: 25.5.2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28.6.2010.)

 

Entretanto, o caso em análise é bastante distinto daqueles tratados nos precedentes trazidos no recurso da defesa.

Com efeito, a conduta descrita na denúncia tem potencialidade para afetar o bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a fé pública, uma vez que representa a cópia de documento público constante em processo judicial e extraída por advogado a fim de produzir prova sobre evento processual ocorrido em outra demanda, presumindo-se fiel à origem.

Neste tocante, o art. 425 do vigente CPC dispõe que a mera reprodução de documentos apresentados pelo advogado em processo judicial possui o mesmo valor probante que os respectivos originais:

Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:

(...).

IV – as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade;

VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração.

 

O teor das disposições não é inaugurado pela nova codificação processual, que apenas ratificou as disposições já previstas no anterior Código de 1973, a partir das alterações conferidas pela Lei n. 11.382/06, então vigentes ao tempo do fato em análise, verbis:

Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais:

(...).

IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

(...).

VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).

 

Assim, a admissão de fotocópia de documentos juntados em processo judicial, dispensada a autenticação ou conferência, resulta justamente da confiança legal e da fé pública dada aos advogados, de que se estão valendo de cópias verdadeiras e fidedignas dos autos originais.

Nessa senda, em circunstâncias fáticas como as extraídas destes autos, a jurisprudência tem compreendido que a juntada de cópia de documento público adulterado por advogado em feito judicial, ainda que não autenticada em tabelionado, mas desde que capaz de influir no convencimento do julgador, caracteriza o crime de uso de documento falso.

Nessa linha, colaciono elucidativo julgado do TRF da 4ª Região:

PENAL E PROCESSO PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. FOTOCÓPIA JUNTADA EM PROCESSO PENAL. EVOLUÇÃO INTERPRETATIVA. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. DOLO. COMPROVAÇÃO. FALSO TESTEMUNHO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. 1. Com a admissão pelo Código de Processo Civil da juntada de cópias de documentos não autenticadas, que são presumidamente verídicas, deve dar-se evolução no exame da tipicidade do falso. 2. Sendo por lei dado em princípio iguais efeitos ao documento original e à cópia juntada ao processo (porque não se pode legislar para a exceção, constituída pelas raras impugnações especificadas da cópia), também igual deve ser a proteção à fé pública, servindo a falsificação de qualquer delas ao aperfeiçoamento do tipo penal de falsidade. 3. Devidamente comprovada a autoria e o dolo do crime de uso de documento falso, impõe-se a manutenção da sentença condenatória quanto a esse delito. 4. Materialidade e autoria do delito de falso testemunho devidamente comprovadas pelas provas dos autos, em especial pela prova testemunhal, que confirma a ciência do réu acerca das falsidades das informações prestadas.

(TRF-4 - ACR: 71018 PR 2002.70.00.071018-0, Relator: NÉFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 30.3.2010, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15.4.2010.) (Grifei.)

 

Com o mesmo posicionamento, trago precedente do STJ:

CRIMINAL. HC. USO DE DOCUMENTO FALSO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. CÓPIA DOCUMENTAL SEM AUTENTICAÇÃO. FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO DESCARACTERIZA O TIPO PENAL. DOCUMENTO COM POTENCIALIDADE LESIVA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ORDEM DENEGADA. I. Hipótese na qual se alega a atipicidade da conduta praticada pela paciente, que foi denunciada pelo delito de uso de documento falso, pois a mesma teria utilizado cópia de documento sem autenticação e sem aparência de original. II. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, ou, ainda, a extinção da punibilidade. III. Se o documento montado foi utilizado perante o Poder Judiciário para fundamentar pedido, tendo os denunciados obtido êxito em demanda judicial, não há que se falar em ausência de potencialidade lesiva do documento para causar dando à fé pública, o que afasta a aplicação, à hipótese dos autos, do entendimento de que o uso de cópia não autenticada de documento resulta na atipicidade da conduta. IV. Prematuro o trancamento da ação penal, bem como a profunda análise da argumentação do writ, o que somente poderá ser permitido após a correta instrução criminal, com a devida análise dos fatos e provas, oportunidade em que se procederá à oitiva das testemunhas, bem como de todos os acusados, concluindo-se pela ocorrência ou não do delito de uso de documento falso. V. Ordem denegada.

(STJ - HC: 169626 RS 2010/0070586-9, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 09.11.2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22.11.2010.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. COMPROVANTES DE ENDEREÇO CONTRAFEITOS UTILIZADOS EM AÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL. POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA. POSSIBILIDADE DAS FOTOCÓPIAS DIGITALIZADAS SEREM CONSIDERADAS DOCUMENTO PARA FINS PENAIS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não se desconhece que a jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou-se no sentido de que cópias xerográficas ou reprográficas, sem a respectiva autenticação, em princípio não configuram documento para fins penais. 2. No entanto, há que se distinguir a falsificação de uma fotocópia, que não possui relevância penal, da falsificação por meio de uma fotocópia, já que nesta segunda hipótese o documento, ao invés de ser adulterado por meio da impressão de um novo, é fotocopiado, resultando numa peça distinta do original, e que pode ser apta a produzir resultado penalmente relevante. 3. Na espécie, os documentos falsificados foram eficazes para a produção de resultado penalmente relevante, já que, muito embora as pessoas assistidas pelo advogado tenham negado possuir domicílio na capital catarinense, as ações ajuizadas em nome delas foram julgadas pelo Juizado Especial Federal local. 4. Tratando-se de fotocópia com potencialidade lesiva concreta, produzida por advogado e utilizada em processo judicial eletrônico, que efetivamente foi capaz de ludibriar uma magistrada no exercício de sua atividade jurisdicional, não há que se falar na atipicidade da conduta do recorrente. Precedentes. 5. Como bem ressaltado pela Corte regional, "o processo eletrônico é um importante veículo tecnológico para viabilização da prestação jurisdicional, no qual a Justiça e demais operadores do direito necessariamente devem confiar no comportamento da contraparte, no sentido que documentos 'escaneados', indisponíveis à pronta conferência física, representem a correta imagem de documentos efetivamente existentes. A abertura de permissões para manipulação de imagens que não correspondem a documentos reais tem o potencial efeito de levar a prática a níveis insuportáveis de insegurança, trazendo intranquilidade na apreciação, por todos os envolvidos, de processos dessa natureza". 6. Em obiter dictum cumpre acrescentar que, à luz do art. 365 do CPC/1973, reproduzido no art. 425 do CPC/2015, fazem a mesma prova que os originais "as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade" (inc. IV) e "as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas (...) por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração" (inc. VI), sendo certo, ainda, que "os originais dos documentos digitalizados mencionados no inciso VI deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para a propositura de ação rescisória" (§ 1º), o que vem em reforço ao raciocínio aqui desenhado quanto à impertinência da pretendida exigência de autenticação para que se repute típica a conduta assestada ao advogado agravante. 7. Recurso não provido.

(STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 929123 SC 2016/0151561-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 25.9.2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05.10.2018.) (Grifei.)

 

Na espécie, o réu consignou, na peça inicial do mandado de segurança, que “concorda com a dispensa da notificação da autoridade coatora para prestar informações, se Vossa Excelência assim entender, tendo em vista que o presente WRIT foi instruído com a cópia integral do processo de primeiro grau” (fl. 60v.).

Tal afirmação, por si, tem o condão de atestar ao relator do feito que os documentos acostados seriam expressão integral e verdadeira do conteúdo original do processo de registro de candidatura.

Ainda em relação à lesividade da conduta, é flagrante que o documento adulterado serviu de base para o deferimento do pedido liminar deduzido no mandado de segurança n. 18 (404175-03.2008.6.21.0000), cuja fundamentação da relatora à época, Desa. Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, foi vertida nos seguintes termos (fls. 83-84, sem grifos no original):

Não obstante previsão no art. 51 da Resolução TSE n. 22.717/08 no sentido de que “o pedido de registro, com ou sem impugnação, será julgado no prazo de 3 dias após a conclusão dos autos ao juiz eleitoral, passando a correr deste momento o prazo de 3 dias para a interposição de recurso para o Tribunal Regional Eleitoral" , o fato é que restou comprovado que o pré-candidato foi intimado da sentença em 05/08/08, conforme nota de intimação aposta à fl. 37, assinada pelo seu procurador.

 

Ora, a intimação do candidato, para tomar ciência da sentença indeferitória de seu pedido de registro de candidatura, a meu ver, resultou na fixação do início da contagem do prazo para interposição de eventual recurso, ou, no mínimo, induziu a parte ao erro, fazendo-a acreditar que o cômputo do prazo recursal seria a partir da ciência da referida intimação, segundo a norma do Direito Processual Civil.

 

Com efeito, os prazos recursais integram as garantias processuais das partes e efetivamente não são alteráveis ad libitum do juízo, mas não devem ser havidos por preclusos quando há registro documental de fenômeno dilatório ocasionado pelo aparelho judiciário, capaz de provocar incerteza quanto ao seu cômputo.

 

Desse modo, entendo que não cabe atribuir à parte o ônus do erro procedimental, alijando-a de utilizar os instrumentos jurídico-processuais para defesa de seu direito e sustentação de sua pretensão.

 

Ante o exposto, concedo a liminar postulada, para o fim de determinar a subida dos autos do processo de registro de candidatura de Pablo André Alves para análise do recurso interposto.

 

Posteriormente, por ocasião do julgamento definitivo, na sessão de 03.9.2008, no qual o Tribunal, por unanimidade, denegou a ordem, constou no voto condutor proferido pela relatora o seguinte:

Estranhamente, na cópia de fl. 30 do RCand 446, que está sendo submetido a julgamento simultâneo, e que constitui fl. 37 destes autos, o carimbo do cartório, com a correspondente assinatura do responsável, certificando a realização da intimação via fax, que aparece no original, não foi reproduzido.

 

Portanto, muito embora a falsidade tenha sido desvelada no curso do processamento do mandado de segurança, resultando na denegação da ordem sem que fosse atribuída fé ao documento inautêntico, em um primeiro momento, a supressão da certidão cartorária teve potencialidade para ludibriar o julgador processante.

A circunstância é suficiente para o afastamento da alegação de que a adulteração seria inidônea ao resultado pretendido, ou mesmo de que dificilmente passaria despercebida pelo relator no juízo de admissibilidade do recurso nos autos originais, caracterizando-se, assim, a figura do crime impossível.

Ora, na hipótese fática, a lesividade à fé pública está concretamente demonstrada, uma vez que o documento falso serviu de base para o deferimento da medida liminar, afastando, ainda que provisoriamente, os efeitos do trânsito em julgado da sentença que indeferiu o registro de candidatura de Pablo André Alves.

Ademais, não se pode olvidar que se está tratando da prática do crime formal, que se consuma com a simples utilização do documento contrafeito, com aptidão para iludir, ciente o agente de sua falsidade, independentemente de qualquer resultado material por ele obtido.

Nesse sentido, a doutrina vaticina que “o crime se consuma com a efetiva apresentação ou entrega do documento falsificado, ainda que não reste comprovado eventual prejuízo concreto” (ZILIO, Rodrigo López, op. cit., p. 164), assim como, “basta que o documento saia da esfera do agente, em face da prática de ato deliberado nesse sentido” (GOMES, Suzana de Camargo. Crimes eleitorais. 4. ed. São Paulo: RT, p. 287).

Outrossim, a finalidade eleitoral da ação está estampada no próprio objeto da ação mandamental impetrada, ou seja, o recebimento e processamento de recurso contra a sentença que indeferiu o registro do candidato Pablo André Alves e, consequentemente, a indevida dilação dos efeitos do trânsito em julgado da decisão, com a continuidade de sua campanha, ainda que em situação sub judice.

Destarte, com tais fundamentos, afasto a alegação de atipicidade da conduta, tendo em vista a perfeita subsunção da conduta aos elementos contidos na descrição típica do crime de uso de documento falso para fins eleitorais, inclusive em relação ao elemento normativo “documento público” contido nos arts. 348 e 353 do Código Eleitoral.

Da Materialidade e Autoria

A materialidade do crime está sobejamente demonstrada a partir da confrontação da certidão original (fl. 98v.) com a certidão adulterada (fls. 76 e 99v.), bem como pelo laudo pericial de autenticidade documental elaborado pelo Setor Técnico Científico da Polícia Federal (fls. 100v.-104), em que os peritos concluem:

(...) o documento questionado é cópia reprográfica de parte do documento padrão, tendo sido constatada a ausência da impressão do carimbo intitulado “INTIMAÇÃO”, indicando que houve a supressão dessa imagem na confecção da cópia do documento da folha 37 em questão.

 

Em relação à autoria, a defesa sustenta que não há como se afirmar de modo inequívoco e seguro que o réu Gerson tinha conhecimento da divergência entre o processo original e a cópia que instruiu a ação mandamental. Alega, ainda, que teria recebido a cópia integral do processo dos líderes do partido, Paulo Borges e Márcio Thomaz, para as medidas judiciais cabíveis, ignorando a adulteração do documento.

Transcrevo, neste ponto, a síntese da prova oral produzida, como bem constou exposta na sentença (fls. 481v.-482v.):

O réu disse que a questão atinente ao encaminhamento da documentação de registro de candidatura ficava afeta a determinadas pessoas cadastradas para representar as pessoas que eram intimadas para tomar as providências. No caso do candidato Pablo o responsável era Paulo Borges, sendo que, segundo o depoente, quando houve o indeferimento do registro da candidatura ele trouxe as cópias dos processos. Explicou que as intimações eram realizadas por e-mail ou fax e a defesa técnica não era intimada, porém confirmou que no caso específico, o advogado, que era ele próprio, foi intimado. Negou que tenha extraído cópia e que tenha adulterado o documento. Salientou que não sabia que as cópias eram falsas.

 

Pablo André Alves explicou que havia mais de um advogado da coligação que trabalhava nos diretórios. Frisou que quem tratava da documentação na época era o Presidente do Partido. Confirmou ter assinado procuração outorgando poderes para o réu, sendo que fora o Presidente do Partido quem pedira para assinar a procuração. Enfatizou ter ficado sabendo que sua candidatura restou indeferida, mas o depoente não pediu diretamente para recorrer da decisão. O depoente foi orientado pelo Presidente do Partido de que iria cuidar da parte jurídica e o depoente tinha que se preocupar da parte legal. Ficou sabendo que a situação não tinha volta depois do término das eleições, ou seja, de que seus votos não seriam computados e teve ciência sobre o documento falso quando foi intimado pela polícia.

 

Alexandre D'Ornelas de Souza Lima referiu que o réu lhe informou que estava sendo acusado de um fato relacionado com a produção de um documento falso decorrente de um procedimento judicial. O depoente não teve contato com os documentos, mas o réu lhe relatou que não teria praticado tais fatos e alguém teria cometido um erro por ocasião da produção de cópias. Esclareceu que na campanha política de 2012 quando ocorria um determinado fato relevante, a coligação era comunicada que providenciava os documentos judiciais, como cópias de certidões, declarações, vídeos, fotografias, filmagens. Disse que cabia aos representantes das coligações levar as provas até o advogado.

 

Claudia Soares salientou ter trabalhado para a coligações em que o candidato Pablo era candidato. Destacou que a praxe era de que os representantes dos partidos coligados é que buscavam cópias e as entregavam para os advogados que estavam de plantão para realizar as peças jurídicas. Segundo a depoente, havia rodízio de plantão e o que chegava de trabalho jurídico o advogado de plantão ficava responsável, mas as cópias de documentos eram providenciadas pelos representantes da coligação. No caso de candidatos a vereadores, esclareceu, que não era coligação que tinha essa incumbência, sendo que cada partido era responsável pelos seus candidatos. Explicou que no caso do caso do candidato Pablo quem entregou a documentação foi Paulo Borges que era representante do DEM, mas disse não estar lembrada sobre o fato.

 

Jorge Soares narrou que havia um grupo de advogados que trabalhava para uma coligação, sendo que a função era a defesa de candidatos. Ficavam em regime de plantão e recebiam do representante da coligação as cópias dos documentos. Salientou que com base nos documentos entregues era realizada a defesa.

 

Zolmira Gonçalves explicou que fazia parte da equipe que realizava as defesas da coligação. Frisou que quem levava os documentos geralmente era Paulo Borges e o Guto. Esclareceu que os documentos chegavam e era designado um dos componentes da equipe para fazer a ação ou a defesa da coligação. Segundo a depoente os documentos vinham até os advogados.

 

Marco Antônio da Rosa explicou que os candidatos entregavam a documentação para os representantes dos Partidos. E Paulo Borges era representante de partido e os representantes eram encarregados de entregar os documentos para os advogados. Paulo Borges era o representante do DEM, mas não pode afirmar que ele tenha entregue os documentos.

 

Com base nos depoimentos prestados em juízo, o julgador sentenciante decidiu pela não existência de elementos probatórios no sentido de que o próprio recorrente produzira a falsificação, absolvendo-o do crime previsto no art. 348 do Código Eleitoral, tópico sobre o qual o Ministério Público não recorreu.

Desse modo, a condenação em primeiro grau abrange apenas o uso do documento falso, nos termos previstos no art. 353 do mesmo diploma legal, sobre o qual entendo que os documentos coligidos aos autos são suficientes à prova de que Gerson não desconhecia a supressão da certidão cartorária.

Com efeito, nos autos do processo original, verifica-se que foi o próprio réu que registrou a data em que se considerava intimado, em 05.8.2008, logo abaixo da certidão do Chefe de Cartório, que registra a intimação da parte interessada, por fac-símile, na data anterior, ou seja, 04.8.2008 (fl. 25v.). Além disso, na folha seguinte, o réu subscreve o termo de carga dos autos no mesmo dia 05.8.2008 (fl. 26).

Diante disso, é certo que o recorrente Gerson tinha conhecimento da dissonância entre a data na qual se considerou intimado, que registrou nos autos, e aquela anteriormente certificada pelo Chefe de Cartório como realizada, o ato de comunicação por mensagem de fax.

Este foi, justamente, o objeto do mandado de segurança por ele ajuizado, ou seja, a tempestividade do recurso interposto contra o indeferimento do registro de candidatura, cuja admissibilidade à instância superior foi negada pelo magistrado a quo.

Insta ressaltar que não se está diante de espécie de documento produzido pela parte representada pelo causídico ou a ela pertencente, o qual poderia ter sido simplesmente recebido pelo advogado de boa-fé, sem induzi-lo à suspeita mínima quanto à falsidade realizada por terceiros, como seriam, por exemplo, em tese, as hipóteses de apresentação de declarações de bens, de certidões de nascimento ou casamento ou matrículas de registro de imóveis, etc.

Diversamente desses casos, o objeto da ação mandamental envolvia questão estritamente processual na qual o advogado interveio pessoalmente. Nesse contexto, a seleção e extração de elementos constantes no processo de registro de candidatura para instrução da impetração constitui aspecto técnico da atividade advocatícia, não sendo razoável se admitir o distanciamento do réu deste mister, especialmente se tratando a certidão em questão do ponto fulcral da pretensão deduzida perante o Tribunal.

A própria narrativa veiculada na petição inicial do mandado de segurança ignora absolutamente a existência do conteúdo suprimido, conforme se depreende dos trechos: Não consta nos autos a data de publicação da sentença, nem ao menos certidão ou carimbo de quando a sentença que indeferiu o pedido de registro de sua candidatura foi entregue em cartório”, bem como “no caso dos autos, a sentença não foi entregue no dia 04.08, como se constata pela absoluta inexistência de certidão cartorária nesse sentido (fls. 58-60v.).

Logo, a meu sentir, existem provas suficientes do dolo em relação à prática do crime, pois o agente usou o documento público adulterado, ciente de sua falsificação, utilizando-o como prova de fato juridicamente relevante em mandado de segurança, a fim de obter a continuidade da candidatura de Pablo à Câmara de Vereadores.

Diante disso, não merece acolhimento o pedido de absolvição manejado pela defesa, devendo ser mantida a condenação de Gerson pela prática do crime previsto no art. 353 do Código Eleitoral.

DO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Por seu turno, o Ministério Público Eleitoral pretende a majoração da pena-base e da multa estabelecidas na sentença, ao argumento de que as sanções foram fixadas sem considerar as circunstâncias judiciais desfavoráveis relacionadas ao art. 59 do CP, quais sejam: (a) que o réu, advogado e procurador do município de Sapucaia do Sul, tinha pleno conhecimento do ilícito que praticou; (b) que a conduta teve repercussão sobre todo o processo político/eleitoral, em favor de candidato a vereador e de seu grupo político; (c) que, na condição de advogado e Procurador Municipal, o réu influenciou ardilosamente no pleito, causando desgaste à imagem do Poder Judiciário perante o eleitorado sapucaiense; e (d) que o réu “misturou a sua atuação pública de Procurador Municipal com interesses obscuros da política”, utilizando-se de “subterfúgios ilícitos para alcançar o poder”.

Quanto ao ponto, confira-se a dosimetria realizada pelo magistrado a quo:

A culpabilidade merece censura normal à espécie, tendo em vista a natureza do delito. O réu não registra maus antecedentes, pois não possui sentença penal condenatória (fl. 291-v, 292/294, 325). A conduta social foi abonada pelas testemunhas da defesa. Quanto à personalidade, não há nos autos elementos que demonstrem ser dissociada da normalidade. Os motivos do crime são compositores da natureza do fato, ou seja, a finalidade eleitoral. As circunstâncias do crime encontram-se previstas na configuração do delito, pois que na atividade executiva o réu não excedeu a média da atuação criminosa. Não há conduta da vítima a ser valorada. Diante dessas circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, fixo a pena base em 2 (dois) anos de reclusão.

 

Passando ao enfrentamento das razões ministeriais, tenho que as circunstâncias relativas à pretensão de influenciar no pleito eleitoral que então ocorria, de repercussão em todo o processo político/eleitoral relativo às eleições municipais daquele ano e de causar fato político/eleitoral em favor de candidato a vereador e de seu grupo político não justificam, no caso concreto, a majoração da reprimenda.

Isso porque tais aspectos estão insertos na própria finalidade eleitoral exigida pelo elemento subjetivo específico do crime do art. 353 do CE, expresso na locução “para fins eleitorais”, sem o qual sequer haveria a adequação típica especial para a fixação de competência desta Justiça Eleitoral.

Conforme bem elucida Rodrigo López Zilio: A finalidade eleitoral aqui exigida guarda pertinência com a intenção de causar interferência na disputa das eleições, apresentando relevo o contexto em que a ação delituosa é perpetrada (Op. cit., p. 154).

Outrossim, não há elementos concretos e objetivos relativos ao caso que permitam a conclusão de que as circunstâncias, motivações ou consequências do fato tenham desbordado dos elementos contidos no próprio tipo penal, sem os quais é inviável a majoração da reprimenda.

Ilustrativo, nesse sentido, o seguinte julgado do STJ:

[…] 1. O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. 2. Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base fundando-se, tão somente, em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a exasperação, como ocorrido, na hipótese, com relação às circunstâncias do delito. Precedentes. 3. Conquanto o grau de reprovabilidade da conduta constitua fator idôneo a ser sopesado no exame da culpabilidade do agente, o juiz não se vê livre da tarefa de indicar elementos concretamente aferíveis e distintos dos elementos do tipo penal, que dêem suporte à sua consideração, o que não ocorreu no caso. Precedentes. […].

(HC 229260/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25.6.2013, DJe 01.8.2013.) (Grifei.)

 

No mais, a permanência de concorrentes sub judice e de eventuais substituições de candidatos no curso da campanha não são eventos anômalos no contencioso judicial do registro de candidaturas. Assim, à míngua de maiores evidências nos autos acerca da maior gravidade da repercussão e das consequências concretas do fato na estabilidade das eleições, inviável a majoração da pena com base neste argumento.

Em relação à condição de Procurador Municipal, a instrução do processo igualmente não revela que o cargo público tenha sido utilizado como meio, condição ou facilitador da prática do crime. Ao contrário, a conduta foi perpetrada exclusivamente no exercício profissional da advocacia privada, não tendo o agente se utilizado da função pública exercida em fase alguma da ação criminosa.

Dessa forma, inviável o aumento da pena em razão do cargo público ocupado pelo condenado, se esta circunstância evidencia-se absolutamente alheia e irrelevante à perpetração do crime.

No que concerne ao suposto desgaste à imagem do Poder Judiciário perante o eleitorado sapucaiense, não vislumbro, novamente, elementos concretos que justifiquem o agravamento da sanção, mormente tendo em conta que não houve participação de seus membros ou serventuários na conduta, bem como que a Justiça Eleitoral logrou identificar e fazer cessar de forma célere e adequada os efeitos da ação delitiva, por ocasião do julgamento definitivo de mérito do mandado de segurança.

Em realidade, o ilícito penal resultou em agressão à confiabilidade e à fé pública conferidas pelo Poder Judiciário em relação aos documentos oferecidos e declarados autênticos pela Advocacia, cuja imagem e reputação, sim, seriam passíveis de afetação negativa frente ao fato em análise.

Nesse trilhar, o fato de haver sido o crime perpetrado no exercício da advocacia, função essencial à administração da Justiça (art. 133 da CF/88), com violação dos deveres profissionais de ética e abuso das prerrogativas legais asseguradas aos advogados, justifica a majoração da pena em razão da maior reprovabilidade da conduta.

Em verdade, o uso de documento falso na atuação profissional de advogado acarretaria, em tese, a incidência da agravante genérica prevista no art. 61, inc. II, al. “g”, do CP, ou seja, ter o agente cometido o crime com violação de dever inerente ao cargo, ofício ou profissão, com o consequente acréscimo nas reprimendas, em regra, da fração de 1/6 (um sexto).

Contudo, na hipótese, a insurgência ministerial ateve-se aos critérios de valoração previstos para a primeira fase de dosimetria da pena, delimitando a matéria passível de reanálise pela Corte em prejuízo ao réu. Assim, em virtude do efeito devolutivo do recurso, que “encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio” (STJ; AgRg no HC 508241/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe de 20.8.2019), entendo que o fator negativo deve ser considerado exclusivamente na avaliação da primeira fase da dosimetria da pena.

Com estes contornos, mutatis mutandis, colaciono julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DOSIMETRIA DA PENA. CULPABILIDADE ACENTUADA. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. GUIA DE RECOLHIMENTO. COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. (...). 2. A Advocacia, enquanto instituição, foi erigida pela Constituição Federal de 1988 à categoria de elemento indispensável à administração da Justiça (art. 133). Assim, tendo o agravante instrução universitária e sendo advogado militante, dúvidas não há de que, com muito mais rigor, deveria respeitar o ordenamento jurídico e proceder com ética no exercício da advocacia, de maneira que se revela de todo reprovável - a ponto de justificar o aumento da pena-base - o fato de, na qualidade de patrono, utilizar-se das visitas a um dos seus clientes (chefe da associação criminosa), em penitenciária, para levar-lhe informações e dele levar ordens aos demais membros do grupo. 3. Embora o recorrente haja sido definitivamente condenado a pena superior a 4 e inferior a 8 anos de reclusão, possui circunstância judicial desfavorável (tanto que a sua pena-base ficou estabelecida acima do mínimo legal). 4. (...).

(STJ - AgInt no AREsp: 445578 RJ 2013/0402941-1, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 22.3.2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03.4.2018.) (Grifei.)

 

Portanto, em virtude da maior culpabilidade, “compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu” (STJ; AgRg no HC 505938/SC, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 18.5.2020), devido à perpetração criminosa perante o Poder Judiciário e no exercício da advocacia, fixo a pena-base no patamar superior ao mínimo estabelecido para o delito previsto no art. 353 do Código Eleitoral, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Não havendo circunstâncias agravantes ou atenuantes a ser ponderadas, bem como ausentes causas de aumento ou diminuição, a pena definitiva fica no mesmo patamar da pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto.

Pena de Multa

Por sua vez, a aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no art. 49, caput, do CP, que estabelece que a sanção será calculada por meio de mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Diante da premissa legal, a determinação do número de dias-multa deve ocorrer  de forma proporcional à pena privativa de liberdade, de modo a privilegiar os princípios da razoabilidade e da individualização da pena (art. 5º, inc. XLVI, da CF), promovendo a adequação da sanção penal pecuniária à gravidade do crime praticado pelo agente.

Nesse passo, a doutrina vaticina que “a constatação de serem favoráveis todas as circunstâncias do art. 59 acarreta a fixação da pena de multa no mínimo legal (10 dias-multa)”. Outrossim, “o mesmo se diga do réu que ostente condições judiciais desfavoráveis, devendo o magistrado fixar o número de dias-multa em quantidade mais elevada” (NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 168).

Tendo em conta que, na origem, a pena de multa foi aplicada no patamar de 15 (quinze) dias-multa, ou seja, acima do mínimo legal, entendo que a quantidade é suficiente e adequada para censurar o desvalor da conduta praticada, não havendo razões para a modificação da sentença quanto ao ponto.

De outra banda, o recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral pretende também a elevação do valor do dia-multa, fixado na sentença em 1/30 do salário-mínimo, “em razão da boa condição financeira que o réu sempre ostentou, seja como advogado, seja como Procurador Municipal (um dos cargos melhor remunerados na estrutura de pessoa do Município de Sapucaia do Sul)”.

Decerto, evidencia-se a boa situação econômica do réu, por ser advogado militante e, à época dos fatos, cumular o patrocínio particular de clientes com o cargo de Procurador Municipal. Desse modo, tenho que impositiva a majoração do valor unitário do dia-multa para 1/2 (meio) salário-mínimo então vigente, consoante os elementos contidos nos autos.

Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade

Presentes os requisitos dos incs. I a III do art. 44 do CP, a pena privativa de liberdade aplicada foi substituída na sentença por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser definida pelo Juízo da Execução, à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, e pena de prestação pecuniária consistente no pagamento de 1 (um) salário-mínimo, em favor de entidade ou programa também a ser designado pelo Juízo das Execuções Penais, o que deve ser mantido, à míngua de recurso quanto a este ponto específico.

Nesses termos, dou parcial provimento ao recurso ministerial, resultando a pena definitiva imposta a Gerson Luiz dos Santos, pela prática do crime descrito no art. 353 do Código Eleitoral, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/2 (meio) salário-mínimo vigente na época dos fatos, substituída a pena corporal por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária, nos termos estabelecidos na sentença.

De resto, devem ser preservadas as disposições da sentença, pois adequadas ao caso concreto e aos ditames legais, inclusive quanto ao condicionamento do início da execução penal ao trânsito em julgado da condenação, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade ns. 43, 44 e 54.

Por fim, tenho que pertinente o envio de cópia da presente decisão à Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de que sejam apuradas eventuais responsabilidades disciplinares do advogado.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por GERSON LUIZ DOS SANTOS, para confirmar a condenação pelo crime previsto no art. 353 do Código Eleitoral, e pelo parcial provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para majorar a pena a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/2 (meio) salário-mínimo vigente na época dos fatos, monetariamente atualizado, mantidas as demais disposições da sentença.

Oficie-se à Ordem dos Advogados do Brasil, com cópia da presente decisão, para eventual apuração ético-profissional da conduta do advogado.

É como voto, Senhor Presidente.