RC - 243 - Sessão: 13/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que, julgando improcedente a denúncia, absolveu DARI DALLA CORTE da imputação de prática do crime previsto no art. 301 do CE, com fundamento na insuficiência de provas para a condenação, nos termos do art. 386, inc. VII, do CPP (fls. 232-256v.).

Em suas razões recursais, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL sustenta que a prova oral e documental amealhada aos autos demonstra a materialidade e a autoria do crime descrito na peça inicial. Assim, requer o conhecimento e o provimento do recurso a fim de julgar procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia (fls. 259-265v.).

O recorrido oferece contrarrazões, nas quais aduz que a prova é frágil e inconsistente. Ao final, pugna pela manutenção da sentença absolutória (fls. 269-284).

Em parecer, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL opinou pelo provimento do recurso (fls. 298-304).

É o relatório.

VOTO

Tempestividade

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 18.7.2019, e o recurso foi apresentado com as respectivas razões no dia 23.7.2019 (fl. 258), devendo, portanto, ser conhecido, uma vez que observados os requisitos de tempo e forma exigidos pelos arts. 266 e 362 do Código Eleitoral.

Mérito

No mérito, a denúncia imputa ao réu o seguinte fato (fls. 02-03):

Em datas e horários não suficientemente especificados, mas durante o período da campanha eleitoral do ano de 2016 (eleições municipais), nas dependências da empresa Nedel Dalla Corte e Cia Ltda., situada na Rua/Travessa Eufrásio Rolim, nº 69, em Catuípe/RS, o denunciado, Dari Dalla Corte, solicitou e, depois, usou de grave ameaça para coagir a sua empregada, a eleitora KAROLAYNE DE LIMA POERSCH, vítima, a votar em PAULO ROBERTO DALLA CORTE, seu filho, candidato (11) ao cargo de Prefeito de Catuípe pelo Partido Progressista (Progressistas) no pleito eleitoral que ocorreu no dia 2 de outubro de 2016.

 

Nas referidas ocasiões, o denunciado, que era pai do citado candidato, com o fim de angariar votos para o filho, na condição de superior hierárquico (empregador), exigiu da vítima, mediante grave ameaça, que ela destinasse seu voto ao candidato PAULO ROBERTO DALLA CORTE. Além disso, em diversas ocasiões solicitou à vítima que ela convencesse sua mãe, que simpatizava com a outra coligação (12), a votar em PAULO ROBERTO DALLA CORTE, ameaçando-a com a perda de seu emprego na empresa Nedel Dalla Corte e Cia Ltda. se assim não procedesse, dizendo “vocês tem obrigação de votar e fazer campanha para o meu filho, por causa do emprego que eu estou te dando”.

 

O candidato PAULO ROBERTO DALLA CORTE não foi eleito (fl. 67).

 

Após as eleições, a vítima foi demitida (fls. 70/73).

 

A descrição envolve a infração penal insculpida no art. 301 do CE, com o nomen iuris de coação eleitoral, conforme o seguinte tipo incriminador:

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze-dias-multa.

 

O exame do recurso impõe a apreciação da prova produzida nos autos, consubstanciada nos depoimentos de quatro testemunhas, no interrogatório do réu, no áudio de gravação da conversa entre o réu Dari e a eleitora Karolayne, bem como no termo de demissão desta última.

As declarações de Karolayne prestadas em juízo mantêm harmonia com a narrativa oferecida em sede policial, no sentido de que o réu, proprietário do supermercado em que trabalhava, exerceu coação por meio de ameaça de demissão e perseguição profissional para que a depoente e seus familiares votassem em Paulo Roberto, filho do acusado e candidato ao cargo de prefeito do município de Catuípe.

Karolayne afirma, ainda, que, após a eleição, utilizou a expressão “botar no 12” em sua página pessoal na rede social Facebook, referindo-se a uma gíria de bloco de carnaval, alusiva a um estado de comemoração, a qual o réu, porém, interpretou como uma manifestação política e como prova de que ela não havia votado conforme fora determinado.

Por conseguinte, o réu teria passado a chamá-la de traidora e intensificado as pressões e ameaças, o que a levou a realizar a gravação da última conversa entre ambos, como forma de comprovar as circunstâncias vivenciadas.

Transcrevo trechos do aludido depoimento judicial, uma vez que essenciais ao deslinde da demanda:

(…).

 

Vítima: Eu confirmo os fatos, então não foi mito, aconteceu várias vezes dentro da empresa, ah… quando o senhor Dari me chamava na área de trabalho e em local de trabalho, ele é dono do supermercado onde trabalhava no escritório, ele me pedia voto, cobrou voto da minha família, foi na minha casa, fizemos até um acordo, lembra senhor Dari?

 

Juiz: A senhora fala aqui comigo senhora…

 

Vítima: Sim, desculpas, fizemos um acordo que eu e meu pai e minha mãe votaríamos nele mas a minha mãe não aceitou porque quando entrei na empresa não fui perguntada de qual partido era, mas eu e meu pai concordamos com ele, porque até então não tinha porque ser contra ao referido partido dele, ah… passado as eleições, no dia 2 de outubro, foi o resultado no dia 3, eu tinha uma prova de tarde da carteira e eu não fui trabalhar, no dia 4 na terça-feira de 2016 o senhor Dari me chamou na sala dele e no escritório dele onde tivemos uma conversa das 6:30 as 7:30 da noite, onde me pediu voto, me cobrou falando que eu era mentirosa, que eu não tinha votado nele, que eu era falsa onde era a gravação e ai… continuou, depois disso uma série de ameaça e perseguição dentro do mercado com os funcionários, os funcionários não queriam me atender porque eu não tinha votado neles, ah… me excluindo e passado uma semana em atestado devido a pressão, depois eu fui demitida.

 

(…).

 

Ministério Público: Ele considerava que a senhora tinha traído ele?

 

Vítima: Isso, me chamou de traidora e que ele tinha uma prova que não tinha votado no… no referido candidato. Pediu também que eu devolvesse 40% depois, 40% do FGTS para que fossem abatidas as minhas prestações que eu tinha no mercado, que ainda não tinham vencidas, que não estavam vencidas.

 

(…).

 

Defesa: Ta… Nessa conversa se menciona bastante a gíria “Botar no 12”, Botar com B de bola, eu já vi a conversa, já vi a transcrição, é certo, independente do que aconteceu, é correto a senhora dizer que o seu Dari não sabia o que significava a expressão “Botar no 12” Botar com B de bola.

 

Vítima: O Seu Dari não sabia o que era “Botar no 12”?

 

Defesa: É.

 

Vítima: Tem até um bloco, fugindo até de assunto, tem um bloco de carnaval que era “Botar no 12” que o Paulo participei “Botar no 12” se pesquisar no Google, é uma expressão de festejar, comemorar…

 

Defesa: Isso.

 

Vítima: E eu usei essa expressão, acho que é importante destacar que eu usei a expressão quando eu passei na prova da minha CNH e eu “Botei no 12” alguma coisa assim, não me lembro diretamente, mas o que que isso influência?

 

Defesa: Ta, mas ele não sabia, a pergunta é essa, o seu Dari num momento da conversa gravada, outras eu não sei, ele não sabia o que significava essa expressão “Botar no 12”?

 

Vítima: Não é que ele não sabia, ele achava que era um argumento para usar contra mim pra ter como prova que eu não votei nele, não é que ele não sabia, diferente de sabia, errado. Ele achava que sabia que era uma coisa…

 

(…).

 

Defesa: Deve ter mostrado para a senhora algum documento, né?

 

Vítima: Ele me mostrou uma conversa com um desconhecido, ah… desconhecido que eu não sei quem é, no celular dele, falando que eu era… que eu tinha votado no partido contrário.

 

Defesa: Não era impressão de Facebook?

 

Vítima: Eu não me recordo, era uma conversa de Whatsapp.

 

Defesa: Não era do Facebook?

 

Vítima: Não, era uma conversa…

 

Juiz: Ele demonstrou direto no celular?

 

Vítima: Demonstrou direto no celular dele pessoal e continuo desconhecendo a prova porque não sei se uma conversa pode provar um voto.

 

(…).

 

A conversa gravada por Karolayne sem o conhecimento do réu, ocorrida em 04 de outubro de 2016, consta no pendrive à folha 42, tendo sido registrada na Ata Notarial n. 8 (fls. 18-19) e, posteriormente transcrita pela Polícia Federal, conforme Relatório de Diligências às folhas 44-46, cabendo destacar os seguintes trechos:

 

- Dari: Karol, senta um pouquinho, ai, vamos conversar um pouquinho bem legal…

 

- Karolayne: tá…

 

(…).

 

- Dari: tu me falou uma coisa do coração, e eu espero que do coração! Tá, então eu muito assim ó… te digo ó… tu disse bem assim para mim, não foi pra ninguém, foi para mim e ninguém está sabendo, só eu e você… “Eu e o pai vamos votar no Paulinho, ou a mãe vai votar nele”.

 

(…).

 

- Dari: … é disso que vamos falar, só que eu fui cercando, cercando e agora eu sei que tu me mentiu! Eu tenho prova pra te mostrar que tu me mentiu, então eu fiquei muito sentido. O que eu falei pra ti, e vou te mostrar, se tu quer… se não quer… tu sabe o que tu fez.

 

- Karolayne: não, eu não quero ver… porque, na verdade, o que a gente faz lá fora é uma coisa e o que a gente vota ninguém sabe.

 

- Dari: Não, não… Mas aqui eu tenho um documento teu, tenho um documento teu, que prova que tu me traiu.

 

- Karolayne: então me mostra um documento que prova que não votei.

 

- Dari: … isso me passaram… e eu fui ver…

 

- Karolayne: Botei no 12… botei no 12… é uma expressão da qual a gente expressa, que a gente tá ativo, que a gente tá em potência máxima.

 

- Dari:… botei no 12.

 

- Karolayne: botei não é votei. Até o senhor viu que é uma publicação da minha carteira.

 

(…).

 

Neste ponto, cumpre rememorar o decidido pelo STF no julgamento do RE n. 583.937/RJ, em sede de repercussão geral (Tema 237), no sentido de que “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro”.

Recentemente, o TSE harmonizou a sua jurisprudência com o entendimento da Suprema Corte, nos autos do Recurso Especial Eleitoral n. 40898, de relatoria do Min. Edson Fachin, DJE de 06.08.2019, fixando a compreensão, para as eleições de 2016 e seguintes, de que “a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, é, em regra, lícita”.

Na hipótese dos autos, a autenticidade e validade da gravação como meio de prova não foi objeto de questionamento por nenhuma das partes no curso do processo, não restando dúvidas quanto à sua validade.

Por sua vez, Nilce Aparecida de Lima, mãe de Karolayne, ouvida em juízo na condição de testemunha arrolada pela acusação, afirmou que Paulo Roberto foi até sua casa e realizou um “acordo” com sua filha e com seu esposo, a fim de que todos da família lhe dessem o voto como condição para que Karolayne fosse mantida no emprego. Afirmou, ainda, que, na oportunidade, não se encontrava em casa, pois estava trabalhando, e que não concordou com o pactuado porque achava que o voto deve ser consciente, mas deixou a filha livre para decidir.

Percebe-se, aqui, uma contradição quanto ao relato dado por Karolayne em relação a quem compareceu à reunião e propôs o aludido “acordo”: se o próprio recorrido Dari, segundo afirmou Karolayne, ou se o candidato Paulo Roberto, conforme disse Nilce.

Nada obstante, a testemunha asseverou que não presenciou os fatos. Seu depoimento está baseado tão somente naquilo que lhe foi narrado por seus familiares, ou seja, trata-se de uma reconstituição indireta de acontecimento presenciado por terceiros, ou um depoimento “por ouvir dizer”.

Assim, a prova em questão nada acrescenta às declarações de Karolayne, carecendo de força para a confirmação da tese acusatória.

Em sequência, das três testemunhas arroladas pela defesa, Fernando Franco e Anderson Pianesso foram ouvidos como informantes, tendo em vista manterem vínculo atual com a empresa Nedel Dalla Corte & Cia. Ltda.

Fernando Franco disse que existiam seis sócios na empresa, sendo o réu um dos majoritários. Afirmou que trabalha nos Recursos Humanos e que o réu não teria o poder para decidir sozinho sobre a demissão de qualquer funcionário. Narrou, ainda, que nunca soube de o acusado pedir voto para clientes ou funcionários, bem como não sabe informar as razões que levaram à demissão de Karolayne.

Da mesma forma, Anderson Pianesso relatou nunca ter presenciado o réu pedindo votos ou ameaçando de demissão qualquer funcionário por razões políticas. Também disse desconhecer os motivos da demissão da suposta vítima.

Richard Guilherme Maciel Kin, ex-funcionário da empresa, afirmou nunca ter visto o réu pedindo votos ou ameaçando funcionários em razão de voto. Referiu que Karolayne teria sido demitida porque atendia mal os clientes, circunstância por ele presenciada, pois trabalhavam próximos.

Tal depoimento desabonatório à conduta profissional de Karolayne não merece crédito.

Examinando-se o parecer do culto Procurador Regional Eleitoral, vê-se a transcrição da prova coletada em juízo, donde se extrai, do conjunto das declarações prestadas pela testemunha Richard Kin, as seguintes respostas dada ao juiz condutor do processo, verbis:

Disse que foi colega de trabalho da vítima. Perguntado se a vítima e o réu trabalhavam no mesmo setor, respondeu que não, que o réu trabalhava na parte comercial, compra e venda de grãos, administrativa, e a vítima, no financeiro.

 

Ora, dessas afirmações, é crível admitir que o setor financeiro em que trabalhava Karolayne ficava em local apartado da clientela, e em setor outro que não aquele em que se localizava o réu.

De outro lado, como o próprio depoente declarou, trabalhava na parte comercial, compra e venda de grãos, e a vítima no setor financeiro, portanto, em locais de trabalho diferentes e distantes entre si, e, por certo, não tratando ela com clientes, mas sim prestando serviços no setor interno da empresa.

Logo, Richard Kin, ao contrário do que afirmou em juízo, não tinha contato com Karolayne durante a atividade comercial e não poderia tê-la visto tratando mal os clientes.

Em sua condição de empregado, e à semelhança do que ocorreu com a vítima, é crível pensar que tenha sido induzido a afirmar que não só via a vítima em seu local de trabalho como presenciava o mau tratamento dispensado por ela aos clientes. Coincidentemente, harmoniza-se essa declaração com a afirmação feita pelo empregador do depoente, ao tentar explicar as razões da rescisão unilateral do contrato de trabalho com a demissão da vítima.

Tais constatações, extraídas do conjunto probatório contido nos autos, retiram a confiabilidade e afastam a afirmação desabonatória à conduta da vítima, nos termos declarados pela referida testemunha.

Por sua vez, em seu interrogatório judicial, o réu declarou que nunca coagiu alguém a votar no seu filho. Disse que alguns funcionários e clientes lhe falavam espontaneamente que apoiariam a candidatura de Paulo Roberto, inclusive Karolayne. Alegou que a demissão de Karolayne se deveu a reiteradas reclamações de clientes. Informou que assinava as rescisões trabalhistas, assim como seu irmão e sócio Dirceu. Reconheceu a conversa gravada sem o seu conhecimento e confirmou que se sentia traído pela conduta de Karolayne. Relatou que, posteriormente, viu Karolayne trabalhando na prefeitura, agora comandada pelo adversário político de seu filho.

Pois bem.

Da prova produzida, resulta bem evidenciado que Dari exerceu pressões e cobranças sobre a opção eleitoral de Karolayne, em razão de um “comprometimento” anterior de seu voto e de voto de sua família para “Paulinho”, inclusive qualificando o comportamento da eleitora como traição.

Veja-se que as declarações prestadas por Karolayne são coerentes, firmes e plausíveis e estão corroboradas pela gravação da conversa travada com o réu, deixando claro que sobre ela recaíram pressões e ameaças de seu empregador que lhe retiraram a liberdade de voto.

Ressalto que o contexto das tratativas torna ínsita, por implícita e inerente ao desajuste de ânimos entre empregador e empregado, a ameaça de perda financeira ou rescisão contratual, inclusive diante da ausência de qualquer outro tipo de vínculo que pudesse justificar a aventada “traição” de Karolayne pelo suposto voto em opção eleitoral diversa da defendida por Dari.

Assim, não resta verossímil que as veementes cobranças de explicações e a intensidade das acusações de deslealdade efetuadas por Dari tenham por base uma mera conversa informal e despretensiosa sobre política com sua funcionária, pois o réu buscou, ainda, a reprodução impressa da postagem na rede social a fim de confrontar Karolayne pela direção de seu voto.

Dessa forma, resulta claro que houve um momento anterior às eleições em que Dari obteve o condicionamento do voto de Karolayne, em tamanho grau de impositividade que lhe justificou “ir tirar satisfações” pela eventual “traição”, restando patente o cerceamento da liberdade de voto realizada pelo empregador.

Em desfecho, Karolayne foi efetivamente dispensada sem justa causa no dia 26 de outubro de 2016 (fls. 79-80).

O conjunto probatório contido nos autos conduz à conclusão de que Karolayne sofreu ‘grave ameaça’, que, na lição de Rodrigo López Zilio, “deve causar um mal injusto e grave ao eleitor, suprimindo-lhe a livre capacidade de escolha no pleito” e, ainda, “deve impor um temor real sobre o mal anunciado, devendo ser verossímil – o que não se coaduna com bravatas ou ameaças genéricas e vagas” (Crimes eleitorais. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 123).

No tocante ao elemento normativo “grave ameaça”, enquanto elemento caracterizador do tipo penal sob exame, cumpre ressaltar que, diante dos problemas do mercado de trabalho brasileiro, a possibilidade de perda do emprego é ameaça grave o bastante para intimidar qualquer pessoa, em especial trabalhadores em um pequeno município do interior, no qual as possibilidades de recolocação profissional são escassas.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal:

Recurso Criminal. Ação Penal. Art. 301 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

1. Matéria preliminar afastada. Inexistência de cerceamento de defesa no indeferimento da degravação de prova testemunhal e na concessão da dilação de prazo processual, medidas que, ou aproveitaram ou deixaram de beneficiar ambas as partes. Licitude da gravação ambiental realizada em local público, sem qualquer prejuízo ao princípio constitucional da intimidade.

2. Coação exercida pela autoridade máxima do executivo local aos agentes comunitários com o desiderato de angariar votos a candidatos da sua escolha, sob a ameaça da perda do emprego. Caderno probatório coerente e seguro a revelar a materialidade e a autoria do delito. Cisão do feito aos corréus que aceitaram a suspensão condicional do processo. Manutenção da condenação ao réu não beneficiado pelo sursis processual.

3. Inviabilidade do pedido ministerial de execução provisória da sentença penal condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado, sob pena de solapar o princípio constitucional da presunção de inocência.

Provimento negado.

(Recurso Criminal n 495, ACÓRDÃO de 23.9.2016, Relatora DRA. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)  (Grifei.)

 

Em contrarrazões, a defesa aponta incongruência entre os depoimentos de Karolayne e de sua genitora Nelci, ouvida como informante, tendo em vista que a primeira relatou que Dari compareceu em sua casa para oferecer um acordo e a segunda teria afirmado que o acordo foi proposto por Paulo Roberto.

Em realidade, conforme trecho antes transcrito, Karolayne relata o acordo com Dari, ajustado em sua casa, com o qual Nelci não concordou, mas não faz referência precisa quanto à presença ou não de sua mãe no momento do encontro.

Por sua vez, Nelci, em sua oitiva, confirma que não estava presente por  estar trabalhando e que o ajuste foi realizado com a sua filha e o seu marido.

Ora, o fato de Nelci apenas ter ouvido o relato acerca do ocorrido por meio de seus familiares justifica haver se confundido com a troca do nome da pessoa que teria comparecido em sua casa. Estivesse presente ao encontro, por certo que teria associado o nome correto à pessoa que então teria visualizado.

Esse argumento trazido pela defesa se esvai diante de mera discordância quanto a detalhes da narrativa de fato, contada por quem não o presenciou, e que, per si, não logra fragilizar o conjunto do depoimento de Karolayne contido nos autos.

Destarte, a demonstração de forma suficiente da autoria e materialidade do delito, mediante depoimento pessoal prestado pela vítima, de modo tranquilo, firme e coerente em seu conjunto, detalhando os fatos como se sucederam; gravação ambiental – cuja autenticidade e validade como meio de prova não foi objeto de questionamento por nenhuma das partes no curso do processo – registrada em pen-drive, ratificada em ata notarial e aditada em transcrição da policia federal, documento esse inserto nos autos; prova testemunhal isenta, segura e congruente com aquela obtida mediante a referida captação ambiental, conduz à convicção e conclusão de que deve ser reformada a sentença para julgar procedente a ação penal e condenar o recorrido às sanções previstas no art. 301 do CE.

Passo a dosar as penas.

Da Dosimetria das Penas

A pena prevista para a infração capitulada no art. 301 do Código Eleitoral é de reclusão de um até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Da Pena Privativa de Liberdade

A culpabilidade, considerada como a reprovação social da conduta do réu, não excede a normalidade do tipo penal. Não há informações de que possua maus antecedentes, entendidos como a existência de condenação criminal transitada em julgado que se amolde aos requisitos para a caracterização da reincidência. Não existem elementos para aferir negativamente a conduta social e a personalidade do acusado. O motivo, as circunstâncias e as consequências do crime não ostentam maior gravidade, sendo próprios ao tipo penal. Não houve contribuição do comportamento da vítima para a prática do crime.

Assim, diante da análise das circunstâncias do art. 59, caput, do Código Eleitoral, fixo a pena-base em 1 (um) ano de reclusão e pagamento de 5 (cinco) dias-multa.

Na segunda fase de dosimetria da pena, constata-se que o réu praticou o crime com abuso de sua condição de empregador da vítima, incindindo, portanto, a agravante do abuso de autoridade, prevista no art. 61, inc. II, al. "f", do CP, a qual, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt, “refere-se às relações privadas em que haja um vínculo de dependência ou subordinação, com exercício abusivo ou ilegítimo de autoridade no direito privado, como, por exemplo, empregador, tutor, curador, pais, etc” (Tratado de direito penal. 24. ed. São Paulo: Saiva Educação, 2018, p. 1.180).

Assim, por tal razão, agravo a sua pena em 1/6.

Diante da ausência de outras agravantes ou de atenuantes, fixo a sua pena provisória em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e pagamento de 6 (seis) dias-multa.

Não existindo causas de aumento ou de diminuição, fixo, definitivamente, a pena em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e pagamento de 6 (seis) dias-multa.

Da Multa

Observando a proporcionalidade com a pena definitivamente aplicada, a multa é fixada em 6 (seis) dias-multa.

Por sua vez, o valor da penalidade pecuniária será informado pela capacidade econômica do condenado. Assim, considerando as informações de que o recorrido é sócio-proprietário de estabelecimento comercial varejista de razoável porte, atribuo a cada dia-multa o valor de 1 (um) salário-mínimo nacional vigente na data do fato (outubro de 2016), a ser corrigido monetariamente até o efetivo adimplemento (art. 49, § 2º, do CP).

Do Regime Inicial de Cumprimento da Pena

O regime para cumprimento da penalidade, à vista do quantum da pena final, na esteira do que dispõe o art. 33, § 2º, al."c", do CP, é o inicial aberto.

Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade

Não cabível, no caso concreto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez que a “grave ameaça” é elementar do tipo penal inscrito no art. 301 do CE e, igualmente, requisito negativo para a substituição, conforme preceitua o art. 44, inc. I, do CP.

Quanto ao ponto, colho os fundamentos deduzidos pela eminente Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura em decisão que confirmou o acórdão deste Tribunal Regional envolvendo a prática de coação eleitoral por meio da ameaça a eleitores de perda de benefício assistencial (RESPE 820924, Decisão monocrática de 9.4.2015, DJE - 15.4.2015 - p. 6-10):

Nessa linha de raciocínio, seria contraditório que a sentença e o acórdão reconhecessem a grave ameaça e, ao mesmo tempo, concedessem a substituição da pena privativa de liberdade, tendo em conta que o artigo 44, I, do Código Penal veda expressamente esse benefício se o crime for cometido com violência ou grave ameaça.

 

Por outro lado, o artigo 44, I, do Código Penal veicula essa vedação independentemente da consideração de outras circunstâncias, como conduta social ou antecedentes criminais. Desse modo, a caracterização da grave ameaça é, por si só, suficiente para impedir a substituição da pena privativa de liberdade.

 

Destarte, não cabível ao caso a substituição por pena restritiva de direitos, por haver sido o crime praticado com grave ameaça à pessoa, fator que impede taxativamente a concessão deste benefício.

Da Suspensão Condicional da Pena

Outrossim, atendidos os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo art. 77 do CP, suspendo a execução da pena privativa de liberdade por 02 (dois) anos, ficando o réu obrigado a:

a) prestar serviços à comunidade, durante o primeiro ano, nos termos a serem estabelecidos pelo juízo da execução;

b) comparecer em juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades pelo prazo de suspensão da pena; e

c) não se ausentar por mais de oito dias da comarca onde reside, sem comunicação ao juízo da execução durante o prazo de suspensão da pena.

Por fim, considerando o decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade ns. 43, 44 e 54, o cumprimento da pena somente é cabível após o trânsito em julgado do presente acórdão.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, a fim de condenar DARI DALLA CORTE pela prática do crime previsto no art. 301 do CE à pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 6 (seis) dias-multa, à razão de 1 (um) salário-mínimo vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente até o efetivo recolhimento, sendo concedido o benefício da suspensão condicional da pena, nos termos do art. 77 do CP, pelo prazo de 2 (dois) anos, mediante as condições de: a) prestar serviços à comunidade, durante o primeiro ano, nos termos a serem estabelecidos pelo juízo da execução; b) comparecer em juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades pelo prazo de suspensão da pena; e c) não se ausentar da comarca onde reside por mais de oito dias sem comunicação ao juízo da execução durante o prazo de suspensão da pena.

Transitada em julgado a decisão, lance-se o nome do réu no rol dos culpados; encaminhem-se os documentos necessários à zona eleitoral competente para a execução penal e comunique-se ao juiz da zona eleitoral na qual se encontra cadastrado o condenado para que proceda às anotações para os fins do art. 15 da Constituição Federal.

É como voto, Senhor Presidente.