RE - 3129 - Sessão: 05/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso oposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de PELOTAS em face da decisão da 164ª Zona Eleitoral, a qual desaprovou as contas da agremiação relativas ao exercício de 2016, em decorrência da constatação de auferimento de recursos de origem não identificada, bem como de receitas de fontes vedadas. A decisão guerreada determinou a suspensão do repasse dos recursos do fundo partidário pelo prazo de 1 (um) ano, bem como o recolhimento do valor de R$ 9.230,0, acrescido de multa de 15% (fls. 202-204).

Em suas razões (fls. 211-214), a agremiação afirma que o cargo ocupado de Chefe da Assessoria Jurídica da Câmara Municipal de Pelotas não deve ser considerado como de “autoridade”, para fins de enquadramento do doador como fonte vedada. Defendeu a retroatividade da Lei n. 13.488/17, para que sejam excluídas aquelas doações realizadas pelos filiados do partido. Requer o conhecimento e o provimento do apelo.

Com as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral (fl. 217 e v.) os autos vieram à presente instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 220-227).

É o relatório.

VOTO

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

A desaprovação das contas foi fundamentada, em sentença, aos argumentos de ocorrência de recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e de origem não identificada; contudo, o PT de Pelotas recorre tão somente no que toca às fontes vedadas, como bem pontuado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que correspondem a R$ 8.879,24 daqueles R$ 9.230,01, total glosado.

À análise dos pontos suscitados em recurso.

1. Conceito de autoridade. Chefe de Assessoria Jurídica.

Em resumo, o PT de Pelotas entende que o cargo de “Chefe da Assessoria Jurídica” não é de ser considerado como “de autoridade”, ao argumento central de que o nome “chefe” se deve, no caso, unicamente pela tarefa “burocrática de coordenar os serviços do corpo de assessores jurídicos”.

As razões de recurso não merecem guarida.

Desde o advento da Resolução TSE n. 22.585/07, a amplitude e o alcance do termo “autoridades públicas”, para fins de doações eleitorais, restou pacificado, e é aplicável ao exercício de 2016 das prestações de contas partidárias.

Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à Resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, p. 172.)

O conceito de autoridade para fins de doações eleitorais prescinde de delimitações doutrinárias típicas da seara do direito administrativo, ou, ainda, não há de ser vinculado a determinado ato (ordenação de despesas).

Note-se que tal exegese foi mantida no texto da Resolução TSE n. 23.464/15, aplicável ao feito sob exame, que determina, no art. 12, inc. IV e § 1º, ser vedado o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(Grifei.)

De acordo com o teor do texto normativo, o cargo do caso posto insere-se na vedação, pois consubstancia nítida função de chefia.

Gizo que esta Corte não vê obstáculos para excluir da caracterização de fonte vedada o simples cargo de assessor (RE n. 60-88, Guaporé, Rel. Des. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez) ou mesmo aquele unicamente de assessor jurídico (RE n. 52-14, Serafina Corrêa, Rel. Des. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez).

Contudo, no caso sob exame, não há como concordar que a posição de chefe de assessoria jurídica seja apenas burocrática, porquanto eminentemente estratégica quando, v.g., orienta os demais assessores jurídicos relativamente à conduta do Poder Executivo Municipal em questões de contencioso judicial, ou na emanação de pareceres internos.

Dito de outro modo, o cargo exercido por Pedro Jaime Bittencourt Jr. trata-se de função eminentemente de chefia, de coordenação (para utilizar o termo constante nas próprias razões de recurso).

Dessarte, o recurso não merece provimento, no ponto.

2. Retroatividade da Lei n. 13.488/17. Doação de filiados.

Tendo por base o princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta. Aduz que, tendo-se em vista o caráter penal da norma administrativa que veda a doação, impor-se-ia benigna retroação.

Contudo, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que fora apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo”.

Deve, então, ser aplicado à solução do caso concreto o texto legal vigente ao tempo dos fatos em análise, de forma que segundo tópico recursal, portanto, também não merece provimento.

No que diz respeito às sanções fixadas em sentença, entendo ser possível, via ponderação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, minorar os patamares fixados. Senão, vejamos.

Conforme se depreende do minucioso parecer conclusivo (fl. 115), o total de receitas auferidas pela agremiação, no ano de 2016, foi de R$ 32.114,89.

À agremiação, foi determinado o recolhimento de R$ 9.230,01, ou 28,74% do total arrecadado.

Dessa forma, restam mais proporcionais as fixações (1) da multa em 6% (seis por cento), e (2) a suspensão do repasse de verbas oriundas do Fundo Partidário pelo prazo de 4 (quatro) meses.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial ao recurso do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de PELOTAS, relativas ao exercício de 2016, notadamente para reduzir:

a) a multa, para o patamar de 6% (seis por cento);

b) a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário, para o período de 4 (quatro) meses.