RE - 2923 - Sessão: 22/01/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de TAPEJARA contra a sentença do Juízo da 100ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, determinou o recolhimento da importância de R$ 29.621,31 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 1%, e, ainda, a suspensão do recebimento de valores oriundos do Fundo Partidário pelo prazo de 1 (um) ano (fls. 136-140v.).

Em suas razões (fls. 145-148), o partido alega que os documentos exigidos pela legislação foram apresentados e juntados aos autos e que não houve “qualquer fonte de receita que não estivesse de acordo com a legislação vigente”. Entende excessiva a condenação e afirma não ter condições de arcar com tais despesas de recolhimento. Aponta que, acaso necessário, o valor correto a ser restituído é R$ 2.150,73. Requer o conhecimento e o provimento do apelo, ainda que parcial.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 163-167).

(Em sessão de julgamento, o Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Venzon, em manifestação oral, reiterou o seu entendimento no que tange às sanções de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada aplicadas por este Colegiado. Referiu que esta Corte preocupou-se, corretamente, em evitar a imposição de penalidade que se estenderia indefinidamente ao aplicar o art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos, que suspende o repasse de quotas do Fundo Partidário até que o esclarecimento da irregularidade seja aceito pela Justiça Eleitoral. Refere que o modo como vem sendo aplicado o princípio da proporcionalidade, com o intuito de evitar sanção indefinida, acaba por tornar totalmente inócuo esse dispositivo e esse sancionamento. Como não há casos de sanção liminar, o que ocorre é que o julgamento, momento de reconhecimento da irregularidade e aplicação da sanção, não pode ser, concomitantemente, aquele em que finda a sanção, pois nesse caso não haverá sanção alguma.

Assinalou que o recebimento de recursos de origem não identificada – em que, para evitar o sancionamento excessivamente severo, se está a não impor sanção alguma – é mais grave que os de fonte vedada, em que conhecido e declarado o doador. Opinou que, sendo a restituição da quantia irregular uma obrigação do partido, deve-se ir além, estabelecendo um período mínimo de suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário – ao menos equivalente àquele imposto aos casos de fonte vedada –, a ser observado desde que haja o recolhimento dos valores impugnados ao erário.)

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

O MDB de Tapejara teve suas contas partidárias relativas ao exercício de 2017 julgadas desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, no total de R$ 29.621,31, sob duas espécies, quais sejam:

1 – Despesas que jamais transitaram pela conta bancária da agremiação, no montante de R$ 13.735,29, de acordo com as fls. 19 e 49-65;

2 – Receitas que também não transitaram pela conta-corrente, na importância de R$ 15.886,02, e que sequer constaram na escrituração contábil, conforme demonstrativo da fl. 19.

A sentença, então, determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 29.621,31, valor correspondente à soma das duas irregularidades (R$ 13.735,29 + R$ 15.886,02), acrescida de multa no patamar mínimo de 1% estabelecido no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 (Lei n. 9.096/95, art. 37). Ainda, fixou a suspensão do recebimento de repasses oriundos do Fundo Partidário pelo período equivalente a 12 (doze) meses.

De início, esclareço que o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17 prevê, expressamente, que as contas relativas ao exercício de 2017 devem ser examinadas de acordo com a Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE n. 23.464, de 17 de dezembro de 2015;

(Grifei.)

Ou seja, para o exame, deve ser considerado o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2017, sem as posteriores alterações legislativas ou a aplicação do instituto da retroatividade normativa, em conformidade com os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Quanto às irregularidades constatadas, observa-se que a decisão recorrida acolheu integralmente a conclusão do órgão técnico.

Passo a compor breve panorama da prestação de contas do MDB de Tapejara, relativa ao exercício do ano de 2017, em quatro tópicos:

a) na própria escrituração, o partido apresentou receita financeira total, no valor de R$ 181,50;

b) os gastos alcançaram R$ 14.209,21, os quais não transitaram em conta-corrente;

c) há indicação de ingresso de receita de R$ 15.886,02 (“termo de confissão de dívida”), que igualmente não transitou por conta bancária;

d) constata-se a existência de despesas, via recolhimento de GRUs, no equivalente a R$ 13.735,29.

O partido sustenta, nas razões de recurso, que os documentos exigidos pela legislação foram todos apresentados e que não houve “qualquer fonte de receita que não estivesse de acordo com a legislação vigente”.

Ademais, entende excessiva a condenação, aduz que o partido não possui condições de arcar com tais despesas de recolhimento e, alternativamente, indica como correto o valor de R$ 2.150,73, a título de recolhimento.

Inviável.

Colho da sentença o seguinte trecho que, por si só, bem retrata a situação do recorrente, evitando-se, assim, desnecessária repetição:

Como bem observado no exame das contas de fls. 89/90, os extratos bancários relativos ao exercício de 2017 não demonstram toda movimentação financeira da agremiação. Isso porque, observa-se que apontam apenas duas receitas ingressadas em conta: R$ 37,00 (trinta e sete reais) e R$ 144,50 (cento e quarenta e quatro reais e cinquenta centavos).

Entretanto, a unidade técnica apontou documentação carreada aos autos, às fls. 19 e 49/65, que dá conta de existência de despesas no montante de R$ 13.735,29 (treze mil, setecentos e trinta e cinco reais e vinte e nove centavos), sem jamais ter transitado em conta bancária tal quantia. Não há nos autos qualquer indicação da fonte de recursos utilizada para quitação desse gasto.

A unidade técnica também aponta a existência dos documentos de fls. 70/73, denominados como "termo de confissão de dívida". Em ditos documentos, infere-se que a agremiação tenha auferido recursos no montante de R$15.886,02 (quinze mil, oitocentos e oitenta e seis reais e dois centavos), porquanto, reconhece que no exercício de 2017 contraiu junto àqueles particulares as dívidas ali mencionadas, notadamente, diante do recebimento daquele recurso, objeto de pactuação. Até porque, não se tem notícia nem informação de fato diverso, tampouco a defesa impugnou o parecer técnico nesse aspecto.

Como se constatou nos autos e resta clarividente nos extratos bancários de fls. 27/46, esse montante também não ingressou em conta corrente e sequer foi contabilizado pela escrituração contábil apesentada na presente prestação de contas, vide demonstrativo de fls. 19. 

Note-se que tal demonstrativo aponta apenas como receita a contribuição de filiados na importância de R$ 181,50 (cento e oitenta e um reais e cinquenta centavos), aliás, único valor movimentado em conta pela agremiação durante todo o exercício sob exame.

[...]

O exame do conteúdo dos autos não permite outra conclusão, senão que se trata de irregularidade insuperável que compromete em absoluto as contas apresentadas. Entendo que os termos de "confissão de dívida" denotam o recebimento do recurso ali declarado como “devido” por parte da agremiação, no exercício em exame, inclusive, com fixação de prazo para o pagamento do débito.

Trata-se, em última análise, de empréstimo contraído pela agremiação, oriundo de pessoa física. O recurso em questão soma o importe de R$15.886,02 (quinze mil, oitocentos e oitenta e seis reais e dois centavos) e nada disso foi contabilizado pela agremiação. Não só não ingressou em conta bancária existente e exigida por lei para tal fim, como também, não foi contabilizado na escrituração apresentada.

Além disso, incontroversamente o Partido quitou despesas no exercício financeiro em voga no montante de R$ 13.735,29, com quitação de multas devidas à própria Justiça Eleitoral, acostando as Guias de Recolhimento da União - GRU de fls. 49/65, contabilizadas no demonstrativo de fls. 19 como "despesas judiciais". Tais despesas, igualmente, não transitaram em conta-corrente, ressalte-se, cuja movimentação em todo exercício se resumiu a R$ 181,50 (cento e oitenta e um reais e cinquenta centavos).

Ao omitir o trâmite de tais despesas pela conta bancária a agremiação impede a fiscalização por parte da Justiça Eleitoral acerca da origem do recurso utilizado para tal quitação. E sequer nas manifestações apresentadas a agremiação apresentou qualquer justificativa para tal falha contábil.

Cumpre ressaltar, que a omissão do trânsito dos recursos na conta conduz à unilateralidade dos documentos apresentados às fls. 70/73 (instrumentos de "confissão de dívida"), impedindo a Justiça Eleitoral de conferir se a fonte do recurso é vedada ou não, o que conduz à não identificação da origem.

Note-se que instados a se manifestar, tanto o partido, quanto os responsáveis não trazem qualquer explanação plausível que justifique a contabilidade ora apresentada, a par de meras alegações genéricas, cujo direito alegado sequer guarda similitude com o suporte fático dos presentes autos. Além disso, sequer veio aos autos demonstração contundente de que os valores obtidos na confissão de dívida advieram dos alegados credores, apresentando extrato bancário das pessoas físicas com o saque da importância na data ou microfilmagem de cheque emitido, por exemplo, a fim de provar a efetiva origem do recurso.

As irregularidades afrontam o disposto nos artigos 4º, II, 5º, 6º, parágrafo 3º, 7º e 29, alínea V, da Resolução TSE 23.464/2015, pois os extratos bancários devem compreender o registro de toda movimentação financeira com identificação da contraparte. Ainda, fere-se o disposto no artigo 5º da Resolução TSE 23.464/2015, parágrafo 1ª, porquanto, é vedada a contratação de empréstimo de pessoa física por parte do Partido Político (vide termos de fls. 70/73).

Assim, não é possível atestar a real procedência de tais valores, configurando-se recursos de origem não identificada, no total de R$13.735,29 (treze mil setecentos e trinta e cinco reais e vinte e nove centavos) bem como, a quantia relativa aos termos de confissão de dívida de R$ 15.886,02 (quinze mil, oitocentos e oitenta e seis reais e dois centavos).

O recebimento de recurso sem origem demonstrada e até mesmo de fonte vedada compromete substancialmente a integralidade das demonstrações contábeis, uma vez que fere frontalmente os escopos maiores da norma eleitoral. Note-se que o montante envolvido na irregularidade totaliza o importe de R$ 29.621,31 (vinte e nove mil, seiscentos e vinte e um reais e trinta e um centavos), valor deveras representativo.

E o mesmo ocorre nas razões de recurso apresentadas pela sigla, no que diz respeito aos esclarecimentos prestados no 1º grau: alegações genéricas e sem base probatória, as quais não têm o condão de superar as graves irregularidades cometidas.

Ora, a legislação é clara ao estabelecer que compete ao partido manter em ordem a sua movimentação bancária, devendo receber recursos financeiros obrigatoriamente por intermédio de cheque cruzado ou depósito identificado pelo CPF do doador, nos termos dos arts. 5º, inc. IV; 7º; 8º, §§ 1º e 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15.

A responsabilidade pelo recebimento de depósitos identificados é do partido político, pois as legendas partidárias têm o dever de zelar pela transparência e confiabilidade das contas, aliás, determinação constitucional (art. 17 da Constituição Federal).

Ademais, o art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15 disciplina ser vedada a arrecadação, direta ou indireta, sob qualquer forma ou pretexto, de recursos de origem não identificada.

Esse é justamente o caso dos autos, não podendo deixar de causar espécie a circunstância de o recorrente ignorar, por completo, a legislação de regência da movimentação de recursos financeiros dos partidos políticos – afinal de contas, que serventia haveria na conta-corrente de partido político, não fosse retratar as receitas e despesas da agremiação?

Com frequência, este Tribunal considera grave a falta de demonstração da movimentação financeira de partidos e candidatos. O que se dirá, então, em uma situação em que a conta bancária sequer foi utilizada. Não escapa aos olhos deste relator a postura reiterada do recorrente que, como bem apontado na sentença, pratica condutas irregulares, de forma similar, desde o exercício do ano de 2014.

A título de desfecho, entendo apenas que há de ser afastada, de ofício, a determinação de suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 (um) ano. Explico.

Apesar de apontar a existência de recursos de origem não identificada, a sentença recorrida consigna a suspensão, com perda, dos repasses do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano, sanção prevista na hipótese de percebimento de valores de fontes vedadas.

E a norma que sanciona o recebimento de recursos de origem não identificada é o art. 47, II, da multicitada resolução:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12 desta resolução, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 desta resolução, o órgão partidário fica sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano (Lei nº 9.096/95, art. 36, II); e

II – no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei n. 9.096/95, art. 36, I). Grifei.

 

Nada obstante, a penalidade merece ser afastada, com o consequente provimento parcial do recurso, pois este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a disposição é aplicável “até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito” (RE 2357, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS de 23.11.2018), “sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno” (RE 2481, da relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, DEJERS de 26.11.2018).

Assim, tendo em vista que o mérito das contas já foi julgado, não há que se falar em suspensão do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos, pois essa justificativa foi apresentada e considerada insuficiente para afastar a falha das contas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso do MDB de Tapejara, apenas para afastar a determinação de suspensão do repasse de verbas oriundas do Fundo Partidário.