RE - 898 - Sessão: 09/03/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de NOVA BOA VISTA, PAULO RICARDO MERTEN e LEO JOSE SIMON contra a sentença que desaprovou a sua prestação de contas do exercício de 2017, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional de recursos de origem não identificada, no montante de R$ 1.060,00 (mil e sessenta reais), acrescido de multa, no patamar de 17%, e a suspensão da distribuição de novas quotas do Fundo Partidário até a restituição do valor ou o esclarecimento da origem dos recursos.

Em suas razões, afirmam que as contribuições consideradas irregulares foram efetuadas por intermédio de débito na conta bancária dos doadores e que a instituição financeira realizou o repasse para a conta-corrente do partido em um lançamento único. Sustentam que a origem dos recursos pode ser verificada pelos extratos das pessoas físicas e do partido político e que a falha foi causada exclusivamente pelo banco. Acrescentam ter informado nos autos os dados dos doadores. Requerem a reforma da sentença e a aprovação das contas, ainda que com ressalvas (fls. 115-119).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu parecer, referindo o entendimento desta Corte sobre a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/1995 e suscitando a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Alega que o exame técnico não verificou a existência de recursos provenientes de fontes vedadas entre as contribuições recebidas pelo partido e que não houve análise dos documentos juntados pela agremiação, pois a decisão apenas mencionou a sua presença, sem entrar no mérito do seu conteúdo. Requer o retorno dos autos à origem para que seja realizado novo exame técnico (fls. 124-132).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, analiso a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de nulidade da sentença por deficiência do exame técnico e falta de análise dos documentos juntados pela agremiação.

Verifica-se que as contas foram efetivamente instruídas com listagem de contribuintes elaborada pelo próprio partido e acostada às fls. 32-35, totalizando o recebimento de R$ 1.060,00.

Esses documentos foram devidamente considerados.

O parecer técnico de exame (fls. 73-76) e o parecer conclusivo (fls. 81-82) referem ter sido apreciada a documentação entregue pela legenda e realizadas consultas aos sites do TSE e do TRE-RS, sendo indevida a conclusão de que a análise foi deficitária.

Entretanto, o examinador apontou que nos extratos bancários consta o recebimento de 11 depósitos não identificados pelo CPF dos depositantes, registrados sob a operação “Cred. Conv. Fornecedores”, procedimento que viola os arts. 7° e 8° da Resolução TSE n. 23.464/2015:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

§ 1º Para arrecadar recursos pela internet, o partido político deve tornar disponível mecanismo em página eletrônica, observados os seguintes requisitos:

I – identificação do doador pelo nome e CPF;

II – emissão de recibo para cada doação auferida, dispensada a assinatura do doador; e

III – utilização de terminal de captura de transações para as doações por meio de cartão de crédito ou de cartão de débito.

§ 2º As doações por meio de cartão de crédito ou cartão de débito somente são admitidas quando realizadas pelo titular do cartão.

§ 3º Eventuais estornos, desistências ou não confirmação da despesa do cartão devem ser informados pela administradora deste ao beneficiário e à Justiça Eleitoral.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

(...)

Intimada, a agremiação informou que a operação foi resultado de um convênio aberto junto ao Banco Sicredi e que juntou documentos fornecidos pela instituição financeira apontando o nome de cadastro de associados, mas sem a indicação de CPF (fls. 87-99).

Ao examinar essa prova, a magistrada a quo consignou que a manifestação das fls. 87-99 seria considerada como defesa e que entendia não ser caso de novo pronunciamento da unidade técnica, abrindo o prazo para alegações finais (fl. 102).

Após a apresentação de alegações finais (fl. 104) e do parecer ofertado pelo Ministério Público Eleitoral (fl. 109), a sentença (fls. 110-111v.) foi expressa ao concluir que os documentos juntados aos autos não tinham o condão de sanar as falhas constatadas nas contas:

Referiu, ainda, existir irregularidade no item 3.1, caracterizada no recebimento de recursos sem a identificação do doador (R$ 1.060,00 de um total de R$ 1.245,83), considerados, assim, como recursos de origem não identificada, nos termos dos artigos 5º, IV e 7º, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15. Salienta-se, por oportuno que, como nos documentos das fls. 89/99 não há lançamento de CPFs, eles não se prestam a identificar os doadores na forma determinada pela Resolução que regula a prestação de contas em análise.

Logo, considerando a análise das contas pela unidade técnica e o parecer do Ministério Público Eleitoral, evidente a ocorrência de irregularidades que comprometem a confiabilidade e a transparência das contas.

Forçoso, portanto, o juízo de desaprovação fundado no recebimento do montante de R$ 1.060,00 a título de recursos de origem não identificada, que equivale a 85,08% das receitas recebidas no período em análise (R$ 1.245,83), inconsistência que macula as contas, cabendo o recolhimento ao Tesouro Nacional da totalidade dos valores indevidamente recebidos.

Assim, não se verifica nulidade alguma quanto à garantia da ampla defesa, ao procedimento técnico de exame e à fundamentação da sentença recorrida.

Ademais, durante toda a tramitação, o Ministério Público Eleitoral com atribuição junto à origem atuou no feito como fiscal da ordem jurídica e em nenhum momento apontou vício processual.

É cediço que eventual omissão no julgado é passível de aclaramento pela via dos embargos de declaração, e o Parquet Eleitoral, intimado, não interpôs recurso (fl. 112).

Some-se a isso o fato de que é inviável a tese de que um mesmo depósito pode ser compreendido como recurso de origem não identificada - por ter sido realizado sem registro do CPF do doador - e como contribuição de fonte vedada, a partir da análise de CPF indicado pelo prestador em documento unilateralmente produzido.

Com essas considerações, afasto a matéria preliminar.

No mérito, correta a sentença recorrida ao concluir que os documentos juntados não afastam a irregularidade verificada nas contas.

A listagem de nomes e CPF de contribuintes que teriam repassado os depósitos constatados na conta bancária da agremiação, contida nas fls. 32-35, é um indício de prova que não foi corroborado por nenhum outro documento dos autos.

Os documentos das fls. 89-99, oriundos do banco SICREDI, apontam o nome de pessoas e números de contas bancárias, mas não registram o CPF e nem confirmam sua relação com os depósitos sem identificação de origem efetuados na conta bancária do partido.

A Resolução TSE n. 23.464/2015 é clara ao estabelecer que o recebimento de recursos por depósitos bancários deve ser realizado de forma individualizada, com os dados de CPF do depositante, e que cabe ao partido diligenciar para que o aporte de recursos financeiros seja sempre efetuado na forma estabelecida na normatização legal.

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte, ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade.

Destarte, é a legenda que deve zelar pela observância das regras da legislação eleitoral quanto a sua conta bancária.

Assim, descabe imputar ao banco a responsabilidade pelo recebimento de depósitos em desacordo com a legislação aplicável, especialmente porque o art. 11, § 3º, bem como o art. 14, caput e § 1º, todos da Resolução TSE n. 23.464/2015, dispõem sobre o estorno ao doador e o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores indevidos ou provenientes de fonte vedada ou não identificada, que deve ocorrer até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito:

Art. 11. Os órgãos partidários, de qualquer esfera, deverão emitir, para cada doação recebida, o respectivo recibo de doação partidária, no prazo máximo de até quinze dias, contado do crédito na conta específica.

(...)

§ 3º Os partidos políticos poderão recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.

(...)

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeitará o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas, que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 3º do art. 11, os quais deverão, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

(...)

§ 3º O não recolhimento dos recursos no prazo estabelecido neste artigo ou a sua utilização constitui irregularidade grave a ser apreciada no julgamento das contas.

O art. 14 da Resolução TSE n. 23.464 determina que o recebimento direto ou indireto de recursos de origem não identificada sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito.

Sobre a questão, a jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave, que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência das declarações contábeis.

Colaciono o seguinte precedente com idêntico sentido:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DE DIRIGENTE PARTIDÁRIO. MÉRITO. LICITUDE DAS DOAÇÕES REALIZADAS POR DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. DEPUTADO ESTADUAL. FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO CPF DE CONTRIBUINTES NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. REPASSE DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO A ÓRGÃO IMPEDIDO DE RECEBER VALORES DESSA RUBRICA. INOBSERVÂNCIA DA APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE PROMOÇÃO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES. SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva. Incontroverso que o dirigente foi um dos responsáveis pelo controle e pela movimentação financeira da agremiação durante parcela do exercício financeiro em análise, sendo assim legitimado para integrar o presente processo. Aplicação das disposições processuais previstas na Resolução TSE n. 23.464/15.

2. Recebimento de valores advindos de deputado estadual e de vereadores. Licitude das doações. Cargos não enquadrados no conceito de autoridade pública a que se refere o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação vigente ao tempo dos atos em análise. O fundamento para vedar a doação de ocupantes de cargos de direção e chefia é evitar a distribuição de funções públicas com o intento de alimentar os cofres partidários. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, são alçados ao cargo pela vontade popular. Considerar tais doadores como autoridade pública significaria atribuir interpretação ampliativa de uma norma restritiva de direitos, o que não se coaduna com a ordem constitucional.

3. Emprego de verbas de origem não identificada. Valores depositados em espécie e na conta da agremiação, sem a identificação do CPF do contribuinte. Irregularidade que enseja o recolhimento do montante indevidamente utilizado ao Tesouro Nacional.

4. Configura irregularidade o repasse de recursos do Fundo Partidário ao Diretório Municipal durante o período em que cumpre suspensão de recebimento das quotas.

5. Inobservância da regra de destinação do percentual mínimo de 5% dos recursos oriundos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres. Imposição do acréscimo de 2,5% no ano seguinte ao trânsito em julgado, bem como o recolhimento do valor correspondente ao Erário, ante a proibição legal de utilização da quantia para outra finalidade, nos termos do art. 22 da Resolução TSE n. 23.432/14.

6. Sancionamento. Suspensão de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de um mês. Recolhimento ao Tesouro Nacional do valor da quantia irregularmente empregada.

7. Desaprovação.

(TRE-RS, PC n. 54-16, deste relator, julgado em 10.10.2018, publicado no DEJERS n. 187, de 15.10.2018, pp. 4-5.) (Grifei.)

Indiscutível, portanto, a caracterização de recurso de origem não identificada em relação aos valores percebidos pelo partido político, via depósito bancário, sem apontar o doador ou contribuinte.

Considerando que não há segurança sobre a origem dos valores recebidos pelo partido, a manutenção da sentença de desaprovação das contas é medida que se impõe.

Quanto às penalidades, foi determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 1.060,00, acrescida de multa de 17%, à razão de R$ 180,20, totalizando a condenação em R$ 1.340,20, pois a falha representa 85,08% da arrecadação, no montante de R$ 1.245,83.

O juízo a quo determinou, ainda, a suspensão da distribuição de novas quotas do Fundo Partidário até o recolhimento do valor ou o esclarecimento da origem dos recursos, nos termos do art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/2015 (art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995):

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

Especificamente quanto a essa hipótese de sanção, a Procuradoria Regional Eleitoral, em processos análogos ao dos autos, tem se manifestado pela revisão do posicionamento do Tribunal para que seja aplicada, no caso de recebimento de recursos de origem não identificada (RONI), a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, em analogia ao sancionamento previsto para a falha relativa ao recebimento de recursos de fonte vedada no inciso II do art. 36 da Lei n. 9.096/1995, “após o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao erário”.

Embora o parecer ministerial escrito não faça menção sobre essa proposição interpretativa, entendo importante ponderar que, nos julgados envolvendo a matéria, este Tribunal, objetivando evitar um sancionamento por prazo indefinido e tendo presente que após o trânsito em julgado é incabível a apreciação de novos documentos tendentes a sanar irregularidades nas contas, realmente adotou posição restritiva no sentido de que a suspensão é possível somente até o julgamento do feito, devido à previsão expressa de encerramento da análise probatória e de recolhimento dos recursos de origem não identificada aos cofres públicos.

Todavia, segundo recentes manifestações do Parquet, tal interpretação tornou inócua a previsão de suspensão de quotas estabelecida pelo legislador para as legendas que movimentam recursos sem informar a fonte de financiamento, uma vez ser inviável fixar a suspensão antes da decisão final que julga as contas.

Segundo tem defendido a Procuradoria Regional Eleitoral, como é impossível aplicar a suspensão durante a tramitação do processo, entender que esta somente pode ser fixada até o julgamento esvazia completamente o disposto no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995 e no art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/2015.

Após refletir sobre o tema, verifiquei ser também inviável a determinação de suspensão do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos, pois tal prova não poderá mais ser realizada após o julgamento, por força da preclusão prevista na regulamentação das contas anuais do exercício de 2017 (§§ 8º e 9º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.464/2015):

Art. 35. Constatada a conformidade da apresentação de conteúdos e peças, nos termos do caput do art. 34 desta resolução, as contas devem ser submetidas à análise técnica para exame:

(...)

§ 8º Os órgãos partidários podem apresentar documentos hábeis para esclarecer questionamentos da Justiça Eleitoral ou para sanear irregularidades a qualquer tempo, enquanto não transitada em julgado a decisão que julgar a prestação de contas (Lei nº 9.096/95, art. 37, § 11).

§ 9º O direito garantido no § 8º não se aplica na hipótese de não atendimento pelo órgão partidário das diligências determinadas pelo Juiz ou pelo Relator no prazo assinalado, o que implica a preclusão para apresentação do esclarecimento ou do documento solicitado.

Embora os ditames da legalidade tornem incabível a aplicação analógica de norma sancionatória proposta pelo Parquet ao sugerir a adoção da penalidade prevista para a hipótese de recebimento de recurso de fontes vedadas (um ano de suspensão do Fundo Partidário) também para o caso de recebimento de recursos de origem não identificada, e “após o recolhimento dos valores ao erário”, tenho que os princípios norteadores das prestações de contas, especificamente os postulados da publicidade, da lisura, da efetividade e da transparência das fontes de custeio, impõem que seja revisto o raciocínio adotado por este Tribunal.

Efetivamente, não se pode aceitar pena ad perpetuam e, tampouco, interpretar a norma de modo a torná-la ineficaz. O art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/2015 está topologicamente inserido na Seção II, que trata das “Sanções”; daí, penso, a melhor exegese deve buscar, no texto legal, as consequências e os efeitos que a tornem não só vigente mas eficaz, sem atentar contra qualquer norma ou princípio maior da Carta Magna como a vedação expressa no art. 5º, inc. XLVII, letra “b”, da C.F. A hipótese está regrada pelo inc. II do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15 que trata: “no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral”

A prestação de contas tem o escopo de verificar, via jurisdicional, a regularidade do uso dos recursos arrecadados na campanha. A não identificação da origem dos recursos coloca sob suspeita a licitude daqueles valores. A função do apenamento previsto tende ao esclarecimento. Mas como esse pode não ocorrer, ter-se-ia, no caso, ou manter indefinidamente a pena, ou, como o tribunal tem feito, simplesmente isentar o infrator da penalidade.

Daí, proponho que a solução seja direcionada para uma interpretação sistemática em sentido um pouco diverso. A pena é a suspensão de distribuição ou repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário. Isso porque se trata de recursos públicos. Esse repasse, quando do processo em sua última instância ordinária que é o julgamento pelo tribunal, se não pode ficar ad infinitum suspenso, de outro lado pode claramente ficar condicionada a sua liberação quando haja, por parte do interessado, o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional. Rodrigo Zílio ensina que a função da prestação de contas objetiva, acima de tudo, fiscalizar e controlar o uso dos recursos de campanha, verbis:

A prestação de contas consistem procedimento de caráter jurisdicional e através do qual os candidatos e partidos políticos apresentam à Justiça Eleitoral os valores arrecadados na campanha demonstrando as respectivas fontes e indicam o destino dos gastos eleitorais. Trata-se de instrumento de fiscalização e de controle, adotado pela Justiça Eleitoral, para conferir a regularidade e higidez dos valores arrecadados e dos recursos despendidos nas campanhas eleitorais.

(Direito Eleitoral, Ed. Verbo Jurídico, 6ª edição, p. 552)

Cria-se, dessa forma, uma viabilidade, disponibilizando-se para a parte, a solução do problema, ou seja, aplica-se a pena prevista (suspensão da distribuição ou repasse).

Todavia, como o dispositivo nitidamente propõe sanção visando ao esclarecimento da origem do recurso, poder-se-ia, não por aplicação analógica mas interpretação sistêmica da legislação eleitoral e da Resolução TSE 23.464/2015, estabelecer, sem ferir o espírito da norma ou adentrar em esfera legislativa, aplicar a sanção prevista no referido inc. II do art. 47 estabelecendo que a suspensão será aplicada, após o julgamento, até o efetivo recolhimento dos respectivos valores ao Tesouro Nacional.

Evidencia-se, portanto, a necessidade de alteração do posicionamento até então adotado para que o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995 seja interpretado no sentido da determinação da suspensão de novas quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Contudo, considerando que este Tribunal tem afastado o sancionamento em todos os processos julgados até o momento, sejam originários ou em grau recursal, relativos às contas dos exercícios financeiros dos anos de 2018 e anteriores, essa nova interpretação, que ora proponho, deve se dar de forma prospectiva em atenção aos princípios da isonomia e da segurança jurídica a fim de evitar uma desigualdade de tratamento jurídico para as agremiações partidárias.

Essa é, inclusive, a inteligência do art. 23 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Lei n. 4.657/1942), ao dispor que “A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”.

Dessa forma, para este caso concreto a condenação deve ser afastada na forma como vem reiteradamente decidindo esta Corte, até porque diante do princípio da non reformatio in pejus, não seria possível modificar o período de suspensão de quotas do Fundo Partidário para um ano em face de o recurso ter sido manejado apenas pelo partido político.

Com essas considerações, proponho que, a partir do julgamento das prestações de contas anuais do exercício financeiro de 2019 e posteriores, o Tribunal interprete o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/1995 no sentido da determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso e, de ofício, afasto a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário sob condição de que a sanção subsista até que os esclarecimentos sobre a origem dos recursos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral, mas proponho uma alteração deste entendimento para as contas do exercício financeiro de 2019 e posteriores, a fim de que seja determinada a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

 

(Após votar o Relator, pediu vista o Des. André Luiz Planella Villarinho).

 


PROCESSO: RE 8-98.2018.6.21.0083


PROCEDÊNCIA: NOVA BOA VISTA - 83ª ZONA ELEITORAL


RECORRENTES: PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de NOVA BOA VISTA, PAULO RICARDO MERTEN e LEO JOSE SIMON


RECORRIDO: JUSTIÇA ELEITORAL


SESSÃO DE 09-03-2020