RC - 10641 - Sessão: 03/10/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso criminal (fls. 225-229) interposto por LUCAS HENRIQUE ESTEVES MACHADO e CAMILA DE OLIVEIRA ROSA em face da sentença (fls. 199-210) do Juízo Eleitoral da 173ª Zona Eleitoral – Gravataí, a qual julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para condená-los, respectivamente, às penas de seis meses e quinze dias de detenção (convertida em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período), além de multa equivalente a 5.000 UFIR (LUCAS); e de seis meses de detenção (convertida em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período), além de multa equivalente a 5.000 UFIR (CAMILA), conforme o art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, pela prática dos delitos de arregimentação de eleitores e de boca de urna.

De acordo com a denúncia (fl. 02v.):

No dia 12 de março de 2017, por volta das 10h10min, na Rua Gaspar Lemos, 82, Gravataí/RS, os denunciados LUCAS HENRIQUE ESTEVES MACHADO e CAMILA DE OLIVEIRA ROSA, em comunhão de esforços e vontades, arregimentaram eleitor e efetuaram boca de urna no dia da eleição suplementar para Prefeito Municipal de Gravataí.

Na ocasião, os denunciados, nas proximidades da Escola Estadual de Ensino Médio Ponche Verde, local onde estavam instaladas diversas seções eleitorais, aproveitando-se da intensa precipitação pluviométrica que acometeu a região, foram flagrados conduzindo eleitores com um guarda-chuva até o local de votação, com o objetivo de influir no voto de tais eleitores.

Assim agindo, os denunciados incorreram nas sanções do artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei n. 9.504/1997, razão pela qual o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo o seu recebimento e processamento, nos termos do art. 395 e seguintes do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/1965).

A denúncia foi recebida em 13.6.2017 (fl. 33).

Os réus não aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo oferecida na audiência de 04.7.2017 (fl. 44), e apresentaram defesa escrita (fls. 48-49).

O feito passou a receber instrução, com a audiência para a oitiva da testemunha de acusação (fl. 86) e a realização dos interrogatórios (fls. 87-88). Após, foi aberta a fase de alegações finais, da qual apenas o Ministério Público Eleitoral logrou proveito (fls. 93-96), pois, conforme certidão (fl. 99), a defesa deixou transcorrer in albis o prazo.

Sobreveio uma primeira sentença condenatória (fls. 111-113v.).

Após recurso (fls. 123-129), esta Corte entendeu, por unanimidade (fls. 151-154), pela nulidade parcial da ação penal e pelo retorno dos autos à origem, para que fosse oportunizada a oitiva de testemunha arrolada pela defesa e repetidos os atos subsequentes – nomeadamente o interrogatório dos réus, as alegações finais e a sentença.

No juízo de origem, houve nova audiência em 22.11.2018, na qual foi tomado o testemunho indicado pela defesa e interrogados outra vez os réus, em conteúdo presente na mídia juntada à fl. 186.

Vieram novas alegações finais do Ministério Público Eleitoral (fls. 188-192) e, desta feita, também as alegações finais dos acusados (fls. 195-197).

Foi prolatada nova sentença condenatória (fls. 199-210), exatamente da qual recorrem, nesta oportunidade, os réus.

Foram oferecidas contrarrazões pelo Parquet de origem (fls. 232-235).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 241-244).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo via aplicação, por analogia, do art. 218, § 4º, do Código de Processo Civil, pois a apresentação recursal ocorreu antes mesmo do retorno, aos autos, dos mandados de intimação pessoal dos réus devidamente cumpridos, como bem observado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (fl. 242).

Ademais, presentes todos os pressupostos de admissibilidade, de maneira que a irresignação está a merecer conhecimento.

Gizo, introdutoriamente: trata-se da segunda manifestação do Plenário do TRE-RS no bojo desta ação penal. Em julgamento anterior, de forma unânime, decidiu-se pela nulidade parcial da ação e pelo retorno dos autos à origem, para que se procedesse à oitiva de testemunha arrolada pela defesa, originalmente indeferida no 1º grau. A situação acarretou, para além da citada oitiva, a realização de novos interrogatórios, oferecimentos de alegações finais e a segunda sentença, contra a qual se insurgem os acusados.

No mérito, o Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra LUCAS HENRIQUE ESTEVES MACHADO e CAMILA DE OLIVEIRA ROSA, pela prática dos delitos previstos no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006) (Grifei.)

Transcrevo trechos da decisão, pertinentes por estamparem as circunstâncias, fáticas e jurídicas, nas quais se alicerça a condenação (fls. 204-207):

[...]

Perceba-se que o Sr. Oficial de Justiça informou a esse Juízo que os réus Lucas e Camila estavam utilizando um guarda-sol para acompanhar os eleitores até o local de votação, pois no dia caía uma forte chuva. Asseverou ainda que os acusados se encontravam acompanhados de diversas pessoas e que, juntos, eles faziam "bandeiraço", e que o réu levava as pessoas no local de votação com um guarda-sol.

[...]

Gize-se, no ponto, que a eficácia probatória do testemunho do Oficial de Justiça não pode ser desqualificada pelo simples fato de emanar de agentes estatais incumbidos, no caso concreto, da repressão penal, até porque desprovida de qualquer espírito de emulação que pudesse motivar uma inverídica acusação em desfavor dos réus. 

Outrossim, além de retilíneo, o relato da testemunha Jeferson, servidor da justiça, goza de presunção de fé pública, legitimidade e legalidade - sobretudo no caso concreto, em que compromissado, cabendo a prova em contrário a quem lança dúvida sobre a veracidade do depoimento.

E nesse contexto, entendo que os acusados não se desincumbiram de comprovar a tese defensiva por eles trazida ao processo.

No seu interrogatório, Lucas Henrique Esteves Machado afirmou não ter praticado o delito, atribuindo a sua prisão ao fato de ter sido confundido, junto com a corré Camila de Oliveira Rosa, com outro casal que efetivamente realizava crime eleitoral naquele dia.

¿O réu referiu que foi votar na EEEM Ponche Verde e que sua esposa, a corré Camila, lhe aguardou na rua, já que ela não vota naquele local. Salientou que não possuía bandeiras na ocasião de sua detenção. O réu afirmou que o Oficial de Justiça Jeferson Pereira dos Reis lhe abordou após ter sido flagrado fazendo boca de urna acompanhado da ré Camila de Oliveira Rosa. Informou que estava ciente de que não poderia retornar ao local à tarde, mas havia firmado compromisso com o partido em fazer "boca de urna" , não recordando o valor que lhe foi pago para fazer a propaganda ilegal.

A ré Camila de Oliveira Rosa, por sua vez, alegou que, na ocasião dos fatos, estava aguardando seu marido votar, embaixo de um toldo e que, após o retorno dele, foram abordados pelo Oficial de Justiça Jeferson Pereira dos Reis sob a alegação de estarem realizando "boca de urna". A denunciada frisou que não cometeu qualquer crime eleitoral no momento dos fatos, referindo que foram confundidos com um outro casal que estava praticando o crime de "boca de urna" . 

Ainda, merece transcrição o depoimento (fl. 86) do Sr. Oficial de Justiça Jeferson Pereira dos Reis, indicado na sentença como fundamental para o juízo condenatório:

[...]

declarou que não eram apenas os réus que estavam lá, mas diversas pessoas, sendo que pediu que se retirassem, porém não obedeceram. Pediu para o Cartório que enviasse uma viatura. Eram os réus que estavam lá. O rapaz estava com um guarda-sol e acompanhava os eleitores até a urna de votação e, inclusive foram ao local a pedido do Cartório. Chovia muito. Pela Promotora: os réus estavam embaixo de uma aba, quando chegavam os carros os réus levavam os eleitores até o portão de entrada da escola, local onde existia uma aba. A ré ficava junto com as demais pessoas embaixo da aba. Os réus portavam bandeiras partidárias. A testemunha acredita que quem fez a denúncia provavelmente tenha filmado. Só fez a prisão de quem estava em flagrante delito. O fato ocorreu de manhã e no período da tarde o réu voltou ao local, estando novamente com várias bandeiras. Até falou para o réu que uma bandeira poderia, mas haviam várias bandeiras e o réu ficou brabo e saiu com uma bandeira enrolada. Pela defesa: Foi perguntado qual a escola. Não se recorda o nome da escola que ocorreu o fato, deve estar na ocorrência. Disse que cuidavam de várias escolas. Haviam muitas pessoas nessa escola em que houve o flagrante do réu. Esclarece que à tarde quando retornou no local, pediu que se retirassem e obedeceram, retirando as bandeiras que estavam na calçada, embora tenham dito que as bandeiras não eram deles. Acredita que de manhã eram várias bandeiras, PSB, PMDB e PDT e estavam em outra esquina embaixo da aba. À tarde, eram só bandeiras do PDT e estavam na esquina, do lado oposto. Não recebem as denúncias diretamente, e sim por intermédio do Cartório. Reitera que pediu para o réu se retirar do local e ele não atendeu, sendo que pediu mais de uma vez. O mesmo em relação à ré. Acredita que eles foram influenciados por uma terceira pessoa, a qual saiu quando chegou a Brigada Militar. Os réus estavam no local fazendo bandeiraço e o réu levava as pessoas no local de votação com um guarda-sol. (Grifei.)

A testemunha da defesa Rosângela Félix Munhoz declarou que estava trabalhando como fiscal partidária dentro de uma seção na Escola onde aconteceram os fatos descritos na denúncia e, ao sair para comprar um lanche, avistou um casal, do qual tirou fotos em seu celular, realizando "boca de urna". Relatou que não conhece os réus e que, na ocasião dos fatos, quando da abordagem de Lucas Henrique Esteves Machado e posterior encaminhamento ao fórum, ofereceu carona à corré Camila de Oliveira Rosa ao fórum, tendo em vista que a testemunha estava sendo conduzida para testemunhar a abordagem de outros presos.

Ao ser questionada pela defesa quanto às fotos apresentadas de outro casal que estava embaixo de um guarda-sol colorido, confirmou terem sido essas as pessoas que realizavam "boca de urna" no local e que, por isso, as fotografou. Destacou que não foram os denunciados Lucas e a Camila as pessoas por ela fotografadas realizado propaganda eleitoral no dia da eleição suplementar.

Ora, o fato de a testemunha Rosângela Félix Munhoz, fiscal partidária no dia da eleição suplementar para Prefeito de Gravataí, ter afirmado em juízo que, ao sair para comprar um lanche, percebeu a prática da infração penal de "boca de urna" pelas pessoas que aparecem nas fotos das fls. 57/58, não elide a prática criminosa pelos acusados, na medida em que o Oficial de Justiça foi claro ao relatar que não eram apenas os réus que estavam lá, mas diversas pessoas, sendo que pediu que se retirassem, porém não obedeceram.

Deve ser destacado, por oportuno, que o acusado Lucas, mesmo tendo sido preso pela manhã, retornou ao local dos fatos na parte da tarde, admitindo ele, em seu reinterrogatório, que para lá retornou à tarde para realizar "'boca de urna".

Convenhamos, se o réu Lucas, conforme por ele mesmo admitido, "assumiu um compromisso" de arregimentar eleitores e realizar propaganda de "boca de urna" com alguém do partido (não identificado), entregando "santinhos" na parte da tarde, seria ingênuo crer na sua versão - e não na do Oficial de Justiça - de que, na parte da manhã, ele estava no local, acompanhado de sua esposa - a qual sequer vota naquela seção -, tão somente para "votar".

Ainda, o depoimento da corré Camila é igualmente inconsistente, uma vez que ela nega a sua participação no evento criminoso e nega que seu companheiro Lucas tenha estado na parte da tarde na Escola realizando "boca de urna", fato que foi por ele admitido.

Fica evidente, portanto, que a negativa dos acusados tem a evidente finalidade de os eximirem da responsabilidade pelos fatos descritos na denúncia.

Certa é a autoria de Lucas e de Camila no fato delituoso, uma vez que ambos estiveram, pela parte da manhã, no local de votação, portando bandeiras e conduzindo eleitores em um guarda-sol, com a clara intenção de influenciar no resultado da votação.

Ante o exposto, a condenação dos réus nas sanções do artigo 39, §5º, inciso II, da Lei 9.504/1997, é medida impositiva. (Grifei.)

Antecipo que o recurso merece provimento. Os fatos, ao menos aqueles comprovados, não são capazes de atrair a subsunção ao art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Parece ter se operado, na condenação, inviável inversão do ônus da prova a partir do depoimento de acusação (Oficial de Justiça).

Contudo, ainda que se considere como verdade o testemunho do servidor público – embora não lembre, por exemplo, o nome da Escola (Ponche Verde) onde os fatos se desenrolaram – é certo que do depoimento não se extrai, por si só, evidência da prática dos crimes de arregimentação de eleitores, ou de boca de urna.

Dito de outro modo – portar bandeiras, entregar santinhos ou acompanhar eleitores com um guarda-chuva, sob chuva torrencial, não são, por si sós, fatos típicos. Para a construção de um juízo condenatório é necessário demonstrar, de forma objetiva e com provas consistentes, a ação delituosa dos réus, o que não ocorreu nestes autos.

Não há a demonstração do dolo específico que integra os tipos penais sob exame. Explico.

O atual art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 tem redação dada pela Lei n. 11.300/06 – e limita-se a indicar que “constituem crimes […] a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna”.

Antes de 2006, a redação revogada do mesmo dispositivo determinava que constituía crime “a distribuição de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendentes a influir na vontade do eleitor”, e é por isso, nitidamente, que permanece a impressão (em senso comum) de que a pura e simples distribuição de propaganda tipificaria a conduta – nesse sentido, note-se o depoimento do Sr. Oficial de Justiça e o (segundo) interrogatório do réu LUCAS, que confessara a prática, pois distribuíra “santinhos”.

Contudo, a redação é vaga: refere arregimentação e prática de boca de urna sem, contudo, definir em que consistem tais condutas. Na doutrina, Rodrigo López Zilio (in Crimes Eleitorais, Jus Podium, p. 230), refere que o conceito de boca de urna é

indeterminado e excessivamente genérico, além de adotar nomenclatura que não observa o vernáculo adequado. Na verdade a expressão boca de urna evoca uma época em que a propaganda eleitoral sofria determinadas limitações em face à proximidade da seção eleitoral (ou seja, quando a propaganda era realizada na 'boca da urna'). Neste contexto, constata-se que a criminalização da propaganda de boca de urna, em uma ponta, é inócua – porque toda e qualquer divulgação de propaganda eleitoral é punida na forma do inciso III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97 – e, em outra ponta, é vazia – porque se houver abordagem nessa 'propaganda de boca de urna' o tipo passa a ser o do inciso II do § 5º do art. 39 da Lei 9.504/97.

Por isso, a jurisprudência passou a visitar o tema. No que diz respeito a “santinhos”, desde antes de 2006 o TSE entende como atípico o fato se houver solicitação do material de campanha pelo próprio eleitor e, para configurar a arregimentação, considera necessária a prova de aliciamento tendente a influir na vontade do eleitor, em uma abordagem direcionada, que objetivamente sugira uma opção eleitoral.

Situação que a prova dos autos sequer sugere, como indício, tenha ocorrido. Não está esclarecido, por exemplo, se os eleitores pediam “carona” no guarda-chuva do réu LUCAS ou se aceitavam de bom grado a oferta, situações que não configuram crime.

Indico precedentes:

Consulta. ‘Boca-de-urna’ e ‘captação de sufrágio’. Distinção.

1. A ‘boca-de-urna’ é caracterizada pela coação, que inibe a livre escolha do eleitor (Lei nº 9.504/97, art. 39, § 5º).

2. A ‘captação de sufrágio’ constitui oferecimento ou promessa de vantagem ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto (Lei nº 9.504/97, art. 41-A, acrescido pela Lei nº 9.840/99).

Consulta respondida negativamente.

(Resolução TSE n. 20.531, de 14.12.99, rel. Min. Maurício Corrêa.) (Grifei.)

 

Habeas corpus. Trancamento da ação penal. Crime.

Art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/97. Distribuição de propaganda política no dia da eleição. Boca-de-urna. Inexistência. Atipicidade.

1. A entrega de material de campanha a cabos eleitorais, no interior de residência, não se enquadra no crime capitulado no art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/97, delito que pune a distribuição de propaganda a eleitor, no dia da votação, com o intuito de influir na formação de sua vontade.

2. Na Res.-TSE nº 21.235, este Tribunal Superior esclareceu que a proibição constante do art. 6º da Res.-TSE nº 21.224 não se aplica à entrega ou à distribuição a quem o solicite, de material de propaganda eleitoral no interior das sedes dos partidos políticos e dos comitês eleitorais.

Concessão da ordem.

(Ac. n. 474, de 20.11.2003, rel. Min. Fernando Neves.) (Grifei.)

 

[...]. Penal. Crime eleitoral.

Art. 39, § 5º, III, da Lei nº 9.504/97. Propaganda no dia da eleição.

Dolo específico. [...]. Tipicidade material. Bem jurídico tutelado. Livre exercício do voto. […]

1. A matéria referente à suposta atipicidade por ausência do dolo específico de influenciar eleitores na conduta de arremessar santinhos em via pública não foi examinada pela Corte a quo, carecendo, assim, do indispensável prequestionamento. Incidência das Súmulas nos 282 e 356 do STF.

[…]

(Ac. de 3.9.2014 no AgR-AI n. 498122, rel. Min. Luciana Lóssio.) (Grifei.)

Ou seja, nem toda manifestação eleitoral no dia do pleito é vedada pelo art. 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97, o qual deve ser interpretado de forma restrita; ademais, em interpretação sistemática, convém destacar que o art. 39-A da mesma lei permite a manifestação individual e silenciosa por meio de bandeiras (no plural), broches, dísticos e adesivos, ao passo que o § 1º proíbe a aglomeração de pessoas em vestimentas padronizadas, bem como instrumentos de propaganda aptos a caracterizar manifestação coletiva:

Art. 39-A. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1º É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

[...]

E não há, nos autos, a abordagem dos pormenores indicados na legislação.

É caso de atipicidade delitiva, portanto, como destacado pelos tribunais:

Habeas corpus com pedido de liminar. Alegada divulgação ilegal de propaganda política efetuada por eleitores na data do pleito, mediante uso de bandeira. Impetração objetivando trancamento de procedimento investigatório por ausência de justa causa. Liminar deferida, suspendendo o processamento do feito e a realização de audiência designada para proposta de transação penal.

Existência de permissivo legal para a prática da conduta impugnada, a teor do disposto no artigo 39-A, caput, da Lei n. 9.504/97. Atipicidade dos fatos narrados. Reconhecimento da falta de justa causa para a persecução criminal. Ordem concedida.

(TRE-RS, HC n. 6181, Acórdão de 24.5.2011, Rel. DES. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Publicação DEJERS Tomo 090, Data 31.5.2011, Página 2.) (Grifei.)

 

Recurso criminal. Crime eleitoral. Propaganda eleitoral. Dia das eleições. Necessidade de divulgação da candidatura. Circulação do candidato e duas pessoas com vestimentas parecidas. Aglomeração. Não configuração. Cumprimento a eleitores. Irrelevante penal. 

(TRE-RO, RC n. 7539, Acórdão n 363/2013 de 27.11.2013, Rel. SANSÃO SALDANHA, Publicação: DJE/TRE-RO Tomo 224, Data 04.12.2013, Páginas 16-17.) (Grifei.)

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA OCORRIDO NO DIA DA ELEIÇÃO. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AGLOMERAÇÃO DE PESSOAS. FATO ATÍPICO. CONCESSÃO DA ORDEM.

A consumação do crime de desobediência previsto no artigo 347 do CE exige que o agente recuse cumprimento a diligências, ordens ou instruções emanadas pela Justiça Eleitoral, as quais, sequer, a denúncia fez referência.

Ademais, o simples fato de o impetrante ter participado de aglomerado de pessoas no dia do pleito não constitui crime eleitoral, a teor do artigo 39- A, §1º da Lei n. 9.504/97.

[…] (TRE-PB, HC n. 69625, Acórdão n. 1185 de 25.9.2014, Rel. EDUARDO JOSÉ DE CARVALHO SOARES, Publicação: DJE, Data 29.9.2014.) (Grifei.)

Outrossim, elaboro apanhado do contexto probatório:

1. A aglomeração indicada pela testemunha de acusação era composta por simpatizantes de vários partidos políticos;

2. As fotos constantes nas fls. 57 e 58, fato incontroverso, são de outro casal, e não dos réus CAMILA e LUCAS, além de não retratarem prática de delito;

3. CAMILA encontrava-se no local de votação do esposo, o que, por si só, não caracteriza indício de prática de delito – aliás, trata-se de situação comum em dia de eleição, a de que os nubentes acompanhem um ao outro nas respectivas seções eleitorais;

4. Em relação à CAMILA, não há indicação de um ato sequer que consista em arregimentação de eleitores ou prática de boca de urna, a não ser ter se posicionado embaixo de uma marquise, em momento de chuva torrencial;

4. Não há um elemento material de prova, v.g., um santinho apreendido, ou o referido guarda-chuva que LUCAS teria utilizado como meio de prática dos crimes;

5. Não há indicação de um eleitor sequer que tenha sido abordado pelos réus, para, afinal de contas, esclarecer o teor de eventual conversa ocorrida;

6. Dos autos, não é possível se apurar em benefício de qual candidatura teriam os réus praticado os ilícitos.

A título de fecho dialético, cito precedente desta Corte que se amolda à perfeição como paradigma ao caso posto, uma vez que a condenação na origem igualmente tivera suporte em testemunho de servidor público – naquele caso, um policial militar:

Recurso Criminal. Delito de boca de urna. Art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Irresignação contra sentença que julgou procedente a denúncia e condenou o réu pela prática do delito descrito no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Porte de bandeira no dia do pleito. O art. 39-A, caput, da Lei n. 9.504/97 permite, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por meio de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. Conduta impugnada subsumida na exceção legal, expressamente ressalvada pela lei.

Absolvição do acusado, com fulcro no art. 386, inc. III do Código de Processo Penal. Provimento.

(RC n. 8-91, Rel. Des. Eleitoral Paulo Afonso Brum Vaz. Julgado em 08.11.2016.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, para ABSOLVER os acusados LUCAS HENRIQUE ESTEVES MACHADO e CAMILA DE OLIVEIRA ROSA, com fulcro no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.