Ag/Rg - 3582 - Sessão: 17/09/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno (fls. 153-178) interposto em face de decisão monocrática (fls. 140-146), na qual se julgou improcedente a “ação anulatória de débito eleitoral”  veiculada por meio da classe processual “Pet”.

O agravante, ALCEU BARBOSA VELHO, foi candidato ao cargo de deputado federal nas eleições do ano de 2018, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) do Rio Grande do Sul, e a respectiva prestação de contas de campanha recebeu juízo de desaprovação, acompanhada de ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 103.624,60. Contra tal decisão, transitada em julgado, é que a ação anulatória fora ajuizada.

Aduz o agravante que o juízo de improcedência da ação anulatória merece reforma. Alega que a decisão exarada nos autos da prestação de contas é injusta, pois teria utilizado apenas recursos próprios, com origem esclarecida, em sua campanha eleitoral.

Efetua comparação com a prestação de contas do candidato a deputado federal Darci Pompeo de Mattos, também filiado ao PDT. Sustenta que o modo de agir de ambos foi semelhante e o desfecho decisório diverso, pois naquela demanda – Prestação de Contas 0602423-60.2018.6.21.0000 – o referido candidato recebeu juízo de aprovação das contas.

Argumenta que a conduta tida como desobediente à legislação possui caráter formal e que os tribunais superiores, notadamente o Supremo Tribunal Federal, admitem a “possibilidade de revisão até mesmo de ofício do valor da multa arbitrada, a qualquer tempo e inclusive após o trânsito em julgado”.

Questiona a natureza jurídica do “débito discutido” e invoca os verbetes n. 374 da Súmula do STJ e 473 da Súmula do STF, bem como afirma ter sido “multado pela Justiça Eleitoral” em razão de “não ter sido esclarecido na sua prestação de contas a forma de transferência dos recursos aplicados na sua campanha”.

Invoca doutrina que entende pertinente.

Requer o provimento do agravo, “com a reforma da decisão agravada que julgou improcedente liminarmente a demanda […] determinando o prosseguimento do feito”.

Vieram as contrarrazões da Advocacia-Geral da União (fls. 222-224).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

Nos termos do art. 115 do Regimento Interno desta Corte (RITRE), houve o respeito, de parte do agravante, ao prazo de interposição de 3 (três) dias, art. 115, § 2º, do RITRE, pois a decisão (fl. 150) fora publicada em 19.7.2019, sexta-feira, e a irresignação apresentada em 24.7.2019, uma quarta-feira.

Mérito

Inicio dizendo que os colegas bem conhecem minha posição quanto à preclusão em matéria de prestação de contas, no que tenho encontrado ressonância neste Colegiado.

O procedimento serve ao direito material, e o instrumentaliza, portanto os ritos, ainda que se revistam de caráter formal, devem ser observados em prestígio à segurança jurídica.

O agravo interno insurge-se contra decisão monocrática na qual a ação foi julgada improcedente, com fulcro no art. 332, incs. I a IV, do Código de Processo Civil, combinados com o art. 41, inc. XXII, do RITRE.

Nas razões, são reprisados os argumentos esgrimidos na petição inicial, os quais podem receber a seguinte síntese:

1) trata-se de multa aplicada pela Justiça Eleitoral em decisão de natureza administrativa, em razão do não esclarecimento pelo candidato da forma de transferência de valores para a conta de campanha eleitoral, o que torna possível invocar-se a Súmula 374 do STJ (“Compete à Justiça Eleitoral processar e julgar a ação para anular débito decorrente de multa eleitoral”);

2) o pleito do agravante não ofende a estabilidade e a segurança jurídica do processo eleitoral, nem o andamento das eleições, e a cobrança vitima-o pela “burocracia”, bem como “legitima um erro material”, não se podendo admitir que “a multa cobrada seja indiscutível”, de maneira que seria aplicável o enunciado n. 473 da Súmula do STF;

3) a prestação de contas constitui um “trabalho contábil complexo”, e as falhas apontadas constituem erros formais, de forma que “[…] mesmo que persista a irregularidade no bojo da prestação de contas (sanada ou não) […] devem ser apenas e tão somente julgadas regulares com ressalvas as contas prestadas”;

4) a cobrança é injusta, pois está comprovada a origem dos recursos, e uma comparação com a prestação de contas de Darci Pompeo de Mattos, também filiado ao PDT, demonstra desfecho decisório diverso, pois, naquela demanda (PC 0602423-60.2018.6.21.0000), o referido candidato recebera juízo de aprovação das contas.

A título introdutório, ressalto que trago ao Plenário, como razões de voto, fundamentação similar àquela apresentada na decisão agravada, por dois motivos principais.

O primeiro é que mantenho a posição exarada, não identificando motivos para reconsiderar, aqui no Colegiado, as razões pelas quais concluí pela improcedência dos pedidos, monocraticamente.

Em segundo lugar, o recurso, também, muito se identifica com as razões expostas na petição inicial e, por isso, qualquer inovação substancial na fundamentação de voto, relativamente à decisão monocrática, mostrar-se-ia desnecessária. Assim, penso mais adequado submeter ao crivo dos dignos pares as bases da fundamentação já exposta.

De qualquer sorte, o agravo não merece provimento.

Como indicado por ocasião da decisão monocrática, o autor nitidamente confunde tanto (1) a natureza jurídica da dívida que lhe é cobrada (não se trata de multa administrativa), quanto (2) o caráter (jurisdicional) do processo de Prestação de Contas n. 0603195-23.2018.6.21.0000.

Ora, a ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional não se trata de sanção, mas sim mero consectário da prática da irregularidade. Destaco as redações do art. 22, §§ 1º e 3º, e do art. 34, ambos da Resolução TSE n. 23.553/17:

Art. 22. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 34 desta resolução.

Art. 34. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento das informações à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

§ 3º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

§ 4º O disposto no § 3º não se aplica quando o candidato ou o partido político promove espontânea e imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.

§ 5º O candidato ou o partido político pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-la ao doador quando a não identificação decorra do erro de identificação de que trata o inciso III do § 1º e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

Ou seja, tanto não se trata de multa administrativa que a legislação de regência chega a prever, como preferencial (§ 5º do art. 34 da Resolução TSE n. 23.553/17) a retificação da doação, ou a devolução dos valores ao doador, quando as circunstâncias assim permitirem.

Dito de outro modo: o demandante recebeu ordem de devolução de valores ao Tesouro Nacional por não ter esclarecido, em ação de prestação de contas transitada em julgado, a origem de valores – R$ 103.000,00.

Não tendo se desincumbido do ônus, cabe o recolhimento.

O processo já foi decidido; foram julgadas as contas.

Gizo novamente: não se está diante de multa, mas de obrigação pecuniária, imposta por decisão judicial transitada em julgado, pela qual o agravante está compelido a recolher aos cofres da União o valor equivalente ao dos recursos que irregularmente recebeu na sua conta de campanha - e utilizou para esse fim.

E, aqui, é possível abordar o segundo aspecto pelo qual se impõe o desprovimento do recurso.

Os processos de prestações de contas têm natureza jurisdicional – neles, são assegurados o contraditório, a ampla defesa; eles são permeados pelo devido processo legal. Aliás, já há algum tempo o ponto deixou de ser polêmico: cerca de dez anos, pois a mudança se iniciou a partir do texto do art. 37, § 6º, da Lei n. 9.096/95, trazido pela Lei n. 12.034, de 2009.

A mudança ocorreu exatamente porque alguns dos atores das eleições não davam às prestações de contas a importância merecida, como instrumento de transparência dos candidatos e partidos políticos perante a sociedade: deixavam de prestar contas, não obedeciam aos prazos, etc.

E, não por acaso, o precedente (em sentido contrário) trazido pelo agravante foi publicado no Diário de Justiça em 29.6.2007, e a doutrina citada data do ano de 2008.

Portanto, os processos de prestação de contas são também acobertados pelo manto da coisa julgada, no caso, ocorrida em 22.01.2019, conforme certidão, ID 1804583, constante naqueles autos virtuais (Processo PC n. 0603195-23.2018.6.21.0000).

Dessarte, não se trata daquela espécie de atos aos quais o verbete n. 473 se endereça, os atos da administração pública. Consiste em decisão judicial.

Nessa linha, a jurisprudência recente do Tribunal Superior Eleitoral:

Eleições 2014. Agravo regimental. Preliminar de nulidade. Inércia. Jurisdição. Devido processo legal. Ofensa. Inexistência. Recurso especial. Prestação de contas de candidato. Eleições 2014. 1. A reconsideração de decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial para permitir a análise da matéria pelo Plenário não impede que nova decisão monocrática venha a ser proferida pelo relator, em virtude de o tema de fundo ter sido examinado pela Corte em outro feito, sem prejuízo de a matéria decidida ser levada ao conhecimento e análise do Plenário pela via do agravo regimental. 2. Nos processos de prestação de contas, cuja natureza é jurisdicional, impera a regra da preclusão. Dada oportunidade prévia para a parte apresentar documentos, não é possível suprir a falha em momento posterior ao do julgamento. 3. A situação dos autos revela que a Corte Regional entendeu presente situação excepcional, cuja explicitação não foi objeto de embargos de declaração na origem. A ausência da oposição do recurso de integração impede o reenquadramento da situação fática definida que entendeu presente exceção que afasta a regra geral [...]”.

(Ac de 19.4.2016 no AgR-REspe n. 539553, rel. Min. Henrique Neves da Silva.) (Grifei.)

As contrarrazões da AGU trazem, também, recente decisão do TSE, a PC n. 31449, Relator o Min. Admar Gonzaga, cujo acórdão é de 29.5.2019, no qual se entendeu preclusa determinada questão, ante a inércia da parte.

Nesse passo, inviável invocar o enunciado n. 473 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, o qual se refere à possibilidade de anulação de atos administrativos.

Apenas a título de argumentação: ainda que, em respeito ao princípio do máximo aproveitamento processual, ou da fungibilidade, esta demanda ganhasse contornos de ação rescisória – ação anulatória cujo rol (art. 966 do CPC) tem natureza taxativa, haveria circunstância extra de inviabilidade, nesta Justiça Especializada: conforme jurisprudência do TSE, o cabimento de ação rescisória se destina àqueles julgados do Tribunal Superior que tenham reconhecido, como causa de pedir, hipóteses de inelegibilidade:

“[...]. Cabimento de ação rescisória. [...]. 1. Embargos de declaração opostos à decisão monocrática são recebidos como agravo regimental. Precedentes do TSE e do STF. 2. Cabe rescisória no âmbito da Justiça Eleitoral de decisões do Tribunal Superior Eleitoral que tenham reconhecido, como causa de pedir, determinada causa de inelegibilidade. Precedentes do TSE. 3. Não cabe ação rescisória para desconstituir sentença de primeiro grau que desaprovou contas de campanha eleitoral. 4. Agravo regimental desprovido.”

(Ac. de 16.6.2014 no ED-AR n. 58325, rel. Min. Gilmar Mendes.)

Tal posição compõe, inclusive, a Súmula do TSE, enunciado n. 33:

Somente é cabível ação rescisória de decisões do Tribunal Superior Eleitoral que versem sobre a incidência de causa de inelegibilidade.

Em resumo, trata-se de rediscussão de mérito de causa encoberto, repito, pela coisa julgada. Tal afirmação é possível, sobretudo, pela comparação feita pelo agravante com a prestação de contas do candidato Darci Pompeo de Mattos, na PC n. 0602426-60.

No ponto, merece destaque, ainda que, en passant, o prestador de contas Darci Pompeo de Mattos recebeu pareceres favoráveis da Secretaria de Controle Interno e Auditoria (ID 852783) e da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 896433), não porque agiu da mesma forma que o requerente, mas sim porque logrou esclarecer de forma diligente, a tempo e no bojo dos autos judiciais da prestação de contas, as irregularidades que haviam sido precedentemente apontadas.

Não foi o que ocorreu com o peticionante, o qual poderia, aliás, ter apresentado recurso tempestivamente, contra o acórdão lavrado em 13.12.2018, para recolocar em discussão a justiça da decisão.

Não o fez. A circunstância que o agravante denomina de “burocracia”, nas razões de agravo, é fruto, na realidade, do transcurso do prazo para recorrer da decisão deste Tribunal, naquele processo de prestação de contas.

Há certa complexidade contábil, de fato, no processo de prestação de contas dos candidatos – circunstância indistintamente a todos imposta, e que de certa forma há de servir, também, como preâmbulo para o manejo de valores durante eventual exercício do cargo eletivo, acaso o candidato logre eleição.

E convém ter presente que nos autos em que a matéria foi processada e julgada, tornando-se definitiva e imutável a decisão posta em fase cognitiva – o ora peticionante está, inclusive, manejando os remédios processuais cabíveis, v.g., a impugnação ao cumprimento de sentença deflagrado pela AGU.

Em resumo, trata-se de situação com estampado trânsito em julgado e que, se tivesse a reversão admitida, violaria o valor da segurança jurídica e refletiria, nitidamente, no processo eleitoral, pois feriria a paridade de armas dos competidores, configurando em (a) desrespeito aos candidatos que cumpriram as regras e obedeceram aos prazos de prestação de contas, e (b) privilégio injustificável ao agravante.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do agravo interno.