RC - 6025 - Sessão: 05/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso (fls. 224-226v.) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo Eleitoral da 85ª Zona Eleitoral que absolveu o réu JEREMIAS SCHEFFER TEIXEIRA da prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral (fls. 217-219).

O Ministério Público Eleitoral denunciou JEREMIAS SCHEFFER TEIXEIRA pela suposta prática de fato delituoso, a saber, verbis:

Em data não precisamente apurada, no mês de setembro do ano de 2012, o denunciado JEREMIAS SCHEFFER TEIXEIRA ofereceu vantagem ao eleitor Altair Vargas da Silva, para obter seus votos.

Na ocasião, o denunciado JEREMIAS, então candidato a vereador nas eleições municipais de 2012, compareceu na residência do eleitor Altair e ofereceu-lhe a importância de R$ 1.000,00 (mil reais), na forma de 2 (dois) cheques do Banco Banrisul, em troca de seu voto no referido pleito eleitoral.

 

Recebida a denúncia (fl. 98), oferecida a defesa (fls. 113-122) e realizada a instrução do feito, sobreveio sentença absolutória (fls. 217-219), com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Eleitoral de piso interpôs recurso, alegando, em síntese, que a materialidade e autoria estariam comprovadas pelos elementos coligidos na fase policial e pela prova produzida em audiência. Acrescentou que os dois cheques da fl. 60, no total de R$ 1.000,00, e os termos de declarações de fls. 05, 39-40, 51, 54, 56 e 70 confirmam a compra de voto do eleitor Altair Vargas da Silva pelo recorrido.

Contrarrazões às fls. 235-238.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 243-245v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, pois interposto no prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

À luz do art. 109 do Código Penal, não há ocorrência de prescrição dos fatos com a capitulação delitiva contida na inicial.

Segundo consta na denúncia, na parte que interessa aos presentes autos, o recorrido JEREMIAS SCHEFFER TEIXEIRA, candidato a vereador, nas eleições de 2012, no município de Arroio do Sal, teria oferecido a quantia de R$ 1.000,00 ao eleitor Altair Vargas da Silva em troca do seu voto.

A sentença (fls. 217-219) julgou improcedente a ação penal e, em consequência, absolveu o acusado JEREMIAS das sanções previstas no art. 299 do Código Eleitoral, sob os seguintes fundamentos:

A presente ação penal não merece prosperar diante da insuficiência de provas da materialidade e da autoria.

Registre-se de pronto que o fato já chama a atenção pelo valor elevado supostamente oferecido pelo réu Jeremias para Altair em troca de um único voto, qual seja, de R$ 1.000,00, proposta que não me recordo de ter visto semelhante nas inúmeras denúncias desse mesmo tipo penal já analisadas, nas quais a vantagem pecuniária geralmente variou entre R$ 50,00 e R$ 100,00.

A par disso, o réu negou a acusação, afirmando que emitiu os cheques e os entregou para Altair em pagamento de mão-de-obra, e que, depois, como não conseguiu cobrir o valor dos títulos, a coligação que lhe fazia oposição em Arroio do Sal cooptou Altair e engendrou um plano para prejudicá-lo.

Por seu turno, a denunciante Cristina Cardoso de Vargas, filiada ao PMDB de Arroio do Sal, partido político que como é cediço há muito faz oposição ao PDT no referido município, a qual, gize-se, ouvida na Promotoria de Justiça e também na Delegacia de Polícia jamais afirmou ter presenciado o fato, não foi inquirida em Juízo, tendo o MPE desistido de sua oitiva em razão do conteúdo da certidão da fl. 170 que dá conta da sua instabilidade devido a doença mental.

Já Altair, que na fase inquisitorial (fls. 56 e 76) havia confirmado o teor da declaração por ele firmada em 22-10-2012 (fl. 05), ainda que por ocasião da sua reinquirição não tenha ratificado a íntegra do seu primeiro depoimento, em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, voltou atrás e corroborou a versão do réu para a origem dos cheques, dizendo que até então tudo o que falou era mentira, e se justificando sob o argumento de que havia ficado brabo com Jeremias pelo fato dos cheques não possuírem fundos, e que, ao comentar sobre isso, Cristina lhe fez uma proposta, comprou seus cheques e ele firmou a dita declaração.

Além disso, Temo Luciano dos Santos e Irani Fontana Teixeira, que também firmaram a declaração da fl. 05 na condição de testemunhas, resumiram-se a alegar tanto na Promotoria de Justiça (fls. 51 e 54) quanto em Juízo (fls. 176 e 190) que ouviram Altair narrar o fato, mas não o presenciaram. Por outro lado, ambos afirmaram nada saber em desabono à conduta do réu Jeremias. Nesse mesmo sentido foram ainda os depoimentos das testemunhas João Luiz, Jucilei, Nilton e Luciano, os quais a par de alegarem desconhecimento do fato, também abonaram o comportamento do acusado.

Por tudo isso, como já adiantado no início desta fundamentação, dada a insuficiência probatória da materialidade e da autoria do fato atribuído ao réu Jeremias, é de rigor a sua absolvição.

Irresignado, o Ministério Público Eleitoral afirma que a autoria e a materialidade estariam comprovadas pelos dois cheques da fl. 60, no total de R$ 1.000,00, e pelas declarações de fls. 05, 39-40, 51, 54, 56 e 70.

Com a devida vênia do órgão ministerial de origem, tenho que a sentença não merece reparo.

Primeiramente, como bem referido pelo juízo a quo, não é crível que um candidato a vereador oferecesse a elevada quantia de R$ 1.000,00 pela compra de um único voto.

De qualquer sorte, o eleitor Altair Vargas da Silva, conquanto tenha, na fase policial, declarado que JEREMIAS oferecera a quantia de um mil reais em troca do seu voto (fl. 56), quando ouvido em juízo, alterou a versão dizendo que os cheques se referiam a pagamento de serviço prestado.

De acordo com a versão apresentada em audiência, a testemunha teria ficado com raiva porque os cheques – que já haviam sido repassados a uma madeireira para pagamento de dívida – foram devolvidos pela instituição bancária por ausência de fundos.

Disse Altair que, irritado, comentou sobre o ocorrido com Cristina, uma pessoa da comunidade envolvida com política, a qual lhe propôs cobrir os cheques em troca da versão da compra de votos, proposta essa aceita porque a testemunha precisava pagar a dívida com a madeireira.

Além de não ter demonstrado firmeza nas suas respostas, Altair não soube esclarecer quem era Cristina. Referiu, ainda, não lembrar do seu depoimento no inquérito, porque, à época, “tomava muita cachaça”.

De qualquer sorte, ainda que esse desmentido revele uma história mal contada, foi feito em juízo, sob o crivo do contraditório, e mostra-se mais verossímil do que a compra de um voto por mil reais.

Como bem destacado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, não havendo a ratificação em juízo, não há como afirmar a ocorrência do ilícito.

Além disso, conforme salientado na sentença e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, as demais testemunhas ouvidas só sabiam do pretenso fato por ouvir dizer.

Assim, existindo dúvidas acerca da ocorrência dos fatos narrados na inicial, deve ser confirmada a sentença de improcedência.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal:

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PREFEITO. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA ACERCA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DO DELITO, BEM COMO DO DOLO ESPECÍFICO DO CANDIDATO. PROVIMENTO.

1. A condenação, no que tange à alegada transgressão ao art. 299 do Código Eleitoral, baseou-se em prova testemunhal frágil e discrepante.

2. A dúvida a respeito do que teria efetivamente ocorrido já seria bastante para conduzir à absolvição, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que "a condenação deve amparar-se em prova robusta pela qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática de todos os elementos do fato criminoso imputado aos réus" (AgR-REspe 52-13, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 14.3.2017).

3. Para a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, não basta desqualificar a versão defensiva sobre quem estaria dirigindo o veículo no momento do acidente, sendo necessário demonstrar que o pagamento do conserto teve por finalidade a corrupção eleitoral.

4. No caso, não houve a comprovação do dolo específico, isto é, que o pagamento do conserto do veículo teria por finalidade a compra dos votos, tendo a condenação sido baseada na presunção de que não haveria razão plausível para o então candidato a prefeito ter arcado com os custos do conserto.

5. A condenação merece ser revista, haja vista a ausência de prova robusta acerca da materialidade e da autoria do delito, bem como do dolo específico do candidato consistente na finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção mediante entrega ou promessa de benesse ou vantagem a eleitor , necessário para a configuração do crime de corrupção eleitoral.

6. O reconhecimento da deficiência nos fundamentos da condenação não implica o revolvimento da moldura fático-probatória, vedada pelo verbete sumular 24 desta Corte, mas, sim, o reenquadramento jurídico dos fatos, providência admitida na estreita via do recurso especial eleitoral. Precedentes.Agravos regimentais a que se dá provimento, a fim de, desde logo, prover os recursos especiais.

(Recurso Especial Eleitoral n. 47570, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 13.12.2018.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, mantendo a absolvição do réu JEREMIAS SCHEFFER TEIXEIRA, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

 

Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Senhor Presidente e eminentes pares, revisei os autos e estou acompanhando o criterioso voto lançado pelo douto Relator.

Conforme bem exposto, apenas o depoimento prestado por Altair Vargas da Silva em sede policial corrobora a narrativa vertida da denúncia, pois as demais testemunhas não presenciaram os fatos e apenas relataram o que “ouviram falar”.

Por outro lado, em juízo, Altair alterou a versão sobre os acontecimentos, de modo a confirmar a tese defensiva de negativa do fato.

Assim, sendo inviável amparar um decreto condenatório exclusivamente em depoimento prestado em sede policial e posteriormente retratado em juízo, nos exatos termos do art. 155 do CPP.

Assim, conclui-se pela fragilidade e insuficiência da prova carreada aos autos, impondo-se a manutenção da sentença absolutória, nos termos do bem lançado voto proferido pelo Des. Eleitoral Armínio José Abreu Lima da Rosa.