RC - 5951 - Sessão: 26/11/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por CRISTOFER FELIPE CARVALHO LARRALVI em face da sentença do Juízo Eleitoral da 49ª Zona (São Gabriel), que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para o fim de condená-lo à pena de 6 (seis) meses de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, devido à prática do delito de boca de urna tipificado no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97 (fls. 56-57v.), em razão do seguinte fato, assim descrito na peça acusatória:

FATO DELITUOSO

No dia 02 de outubro de 2016, por volta das 16h15min, na Avenida Francisco Chagas, s/nº (proximidades, da escola João Pedro Nunes-Polivalente), em São Gabriel, o denunciado CRISTOFER FELIPE CARVALHO LARRALVI, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com os autores Valdoir Prestes Pires e Deividi Simões Ávila, realizou propaganda de boca de urna, prática vedada pela Lei nº 9.504/97.

Na oportunidade, no dia da eleição municipal, o denunciado se aglomerou, juntamente com os demais autores, no local, onde há seções de votação, realizando manifestação coletiva, com bandeiras vermelhas com nº 12, remetendo à candidatura de Rossano Gonçalves à Prefeitura Municipal.

A denúncia foi recebida em 06.10.2017 (fl. 19), citando-se o acusado.

Intimado da audiência para oferta da suspensão condicional do processo, o réu não compareceu e foi decretada a sua revelia (fls. 19 e 25).

Após, o denunciado foi intimado para apresentação de defesa prévia (fl. 25), sendo-lhe nomeado defensor dativo (fl. 31), que ofereceu defesa (fl. 34).

Foi realizada audiência de instrução para oitiva de uma testemunha de acusação, restando prejudicada a coleta do interrogatório por falta de comparecimento do réu (fl. 47).

Apresentadas as alegações finais, sobreveio a prolação de sentença condenatória, na qual o magistrado assentou que o fato foi comprovado pelo depoimento do policial militar, o qual, em juízo, referiu claramente que o acusado estava fazendo “bandeiraço”, ou seja, balançando bandeiras partidárias próximo ao meio-fio da calçada, juntamente com um grupo de pessoas, na data da eleição (fls. 56-57v.).

Em suas razões, CRISTOFER FELIPE CARVALHO LARRALVI alega que o auto de apreensão não aponta quem estaria com as bandeiras na data dos fatos e que, no momento da abordagem, estava apenas indo comprar um refrigerante com os amigos. Afirma não haver individualização da conduta, seja na ocorrência policial, baseada no depoimento do policial militar que realizou a abordagem, seja na denúncia ofertada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, pois a acusação limita-se a apontar a presença de diversas pessoas praticando o delito. Postula a reforma da sentença e a consequente absolvição, com fulcro no art. 386, inc. V, do CPP, em razão da ausência de provas (fls. 60-61v.).

Com as contrarrazões pela manutenção da sentença recorrida (fls. 67-69v.), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso e pela execução provisória da pena (fls. 74-76).

Intimado para manifestar-se sobre o parecer ministerial de segundo grau (fls. 78 e 82), o recorrente nada acrescentou (fl. 83).

É o relatório.

VOTO

A denúncia imputou ao acusado a prática do seguinte fato (fls. 2-3):

No dia 02 de outubro de 2016, por volta das 16h15min, na Avenida Francisco Chagas, s/nº (proximidades, da escola João Pedro Nunes - Polivalente), em São Gabriel, o denunciado CRISTOFER FELIPE CARVALHO LARRALVI, em comunhão de esforços e conjugação de vontades com os autores Valdoir Prestes Pires e Deividi Simões Ávila, realizou propaganda de boca de urna, prática vedada pela Lei nº 9.504/97.

Na oportunidade, no dia da eleição municipal, o denunciado se aglomerou, juntamente com os demais autores, no local, onde há seções de votação, realizando manifestação coletiva, com bandeiras vermelhas com nº 12, remetendo à candidatura de Rossano Gonçalves à Prefeitura Municipal.

De acordo com a acusação, a conduta está tipificada no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

O delito imputado ao réu exige a distribuição de material de propaganda a eleitores ou a manifestação eleitoral que não seja realizada de forma individual e silenciosa, comportamento ressalvado no caput do art. 39-A da Lei das Eleições.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a propaganda de boca de urna é crime de mera conduta, consumando-se com a simples distribuição de material de propaganda política (RHC n. 45, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 06.6.2003).

No caso dos autos, o recorrente afirma que o Ministério Público Eleitoral não se desincumbiu do ônus de provar o fato delituoso ou de individualizar a conduta que lhe foi atribuída.

Contudo, essa não é a conclusão que se extrai do caderno probatório.

Em juízo, o policial militar Bruno Machado Macedo, que realizou a prisão em flagrante, foi ouvido como testemunha e confirmou em juízo que o réu estava fazendo propaganda irregular no dia da eleição, utilizando bandeira vermelha da Coligação 12, perto de seções de votação, em aglomeração, junto a outros dois indivíduos, sendo todos conduzidos para a lavratura de Termo Circunstanciado, nos termos referidos pela sentença recorrida:

Receberam uma denúncia, e ao chegar no local dos fatos, avistou um grupo de pessoas fazendo “bandeiraço”, momento em que conduziram todos para fazer o termo circunstanciado, inclusive o acusado. Esclareceu que “bandeiraço” seria sacudir as bandeiras na beira da avenida. Afirmou que o fato ocorreu próximo à escola Polivalente, onde ocorriam sessões de votação. Que tinham várias pessoas no local.

Na data do fato, o réu Cristofer foi ouvido pela autoridade policial e narrou que estava apenas acompanhando os amigos Valdoir Prester Pires e Deividi Simões Ávila na compra de um refrigerante (fl. 8).

Entretanto, embora devidamente intimado, não compareceu à audiência para coleta do seu interrogatório (fl. 47).

Dessa forma, considerando a ocorrência de prisão em flagrante e a coerência entre o conteúdo da prova testemunhal e os elementos colhidos na fase inquisitiva, a materialidade do delito e a sua autoria restaram suficientemente demonstradas, na forma concluída pela magistrada a quo (fl. 57):

Nestes termos, a prova anexada, consubstanciada no depoimento do policial militar Bruno, assentou que o réu estava, no dia da votação, ao lado de outras pessoas, portando bandeira partidária que estava sendo balançada, nas proximidades da escola Polivalente, local, então, reservado à realização das votações.

Assim, frente a referidas declarações, não restou dúvidas de que o réu estava, realizando propaganda eleitoral e pedindo votos durante o pleito, mediante ostentação de bandeiras, juntamente de um grupo, próximo a sessão eleitoral situada na escola Polivalente, o que é suficiente para configuração do tipo penal em testilha.

E, no ponto, a tese defensiva no sentido de não ter sido individualizada a conduta do acusado, não merece acolhida, já que o policial militar quando ouvido, referiu claramente que o acusado estava fazendo “bandeiraço”, ou seja, balançando bandeiras partidárias próximo ao meio-fio da calçada, juntamente de um grupo de pessoas. Sendo assim, a condenação do denunciado é medida que se impõe.

A prática do delito afronta o livre exercício do voto, pois o que o tipo penal busca coibir é o aliciamento do eleitor, nas palavras de Suzana de Camargo Gomes:

Assim, o que a norma penal veda é a divulgação de propaganda eleitoral, na data do pleito, que afete a esfera de outrem, ou seja, aquela que se revele pela ação consubstanciada na abordagem, no aliciamento, na arregimentação dirigida ao eleitor, ou que denote aglomeração de pessoas, portando vestuário padronizado ou instrumentos, que caracterizem manifestação coletiva de divulgação de nomes de candidatos e partidos políticos.

É que, nessas condições, estão sendo atingido o eleitor em seu direito de liberdade de, no dia da eleição, votar, sem sofrer qualquer ordem de pressão, de influência, de constrangimento.

[…]

destarte o que é vedado, inclusive, constitui crime, é a conduta daquele que, no dia da eleição, divulga ou realiza propaganda eleitoral de molde a atingir a esfera do eleitor, através da abordagem, do aliciamento, da utilização de métodos de persuasão ou convencimento, e não daquele que sem incomodar, falar, ou tomar qualquer atitude que desdobre seu âmbito particular, demonstra silenciosa e individualmente sua preferência eleitoral. (Crimes Eleitorais. 4ª ed.. São Paulo: RT, 2010, p. 165.) (Grifei.)

A propaganda de boca de urna é vedada não somente nas proximidades das seções eleitorais, mas em qualquer lugar, o que equivale a dizer que, na data do pleito, o eleitor não pode sofrer qualquer forma de abordagem, pressão ou tentativa de persuasão no sentido de influir em seu voto, sob pena de restar caracterizada uma das condutas típicas previstas nos incs. I, II e III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97.

Logo, ausentes motivos para reforma da bem-lançada sentença, tenho por desprover o apelo interposto.

Por fim, rejeito a promoção da Procuradoria Regional Eleitoral pela execução imediata da pena restritiva de direitos, em virtude do recente julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54 pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 07.11.2019, no qual se assentou a constitucionalidade da regra prevista no art. 283 do Código de Processo Penal, que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso, ou seja, o trânsito em julgado da condenação, para o início do cumprimento da pena.

Dessa forma, por não vislumbrar, neste momento processual, a presença dos requisitos necessários para a determinação de prisão temporária ou preventiva, poderá o condenado aguardar o trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso criminal, assegurando ao recorrente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado de sua condenação.