RC - 35841 - Sessão: 04/11/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que julgou improcedente a denúncia oferecida em desfavor de ROSANE CAPELA VAZ por ausência de provas da autoria e da materialidade delitivas quanto à imputação de prática do crime de corrupção eleitoral passiva tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, em razão do seguinte fato, assim descrito na peça acusatória:

DO FATO DELITUOSO (fl. 02v.)

No dia 24 de setembro de 2016, por volta das 18h10min, em local incerto, na cidade de Taquari, a denunciada Rosane Capela Vaz solicitou, para si ou para outrem, uma bateria de carro ao candidato a vereador Clóvis Schenk Bavaresco em troca de votos.

Na ocasião, a denunciada entrou em contato com o candidato pela rede social facebook e solicitou-lhe a mencionada dádiva. A solicitação tinha intuito de troca de votos, considerando que ocorreu durante o período eleitoral, e a denunciada não tinha qualquer tipo de relação com o candidato. A oferta de votos não foi aceita pelo candidato (...)."

Após recusa da proposta de suspensão condicional do processo (fl. 41), a denúncia foi recebida em 21.11.2017 (fl. 47), citando-se a denunciada, que apresentou defesa (fls. 57-58).

Foi realizada audiência de instrução para oitiva da vítima, o candidato a vereador Clóvis Schenk Bavaresco, e coleta do interrogatório da acusada (fl. 73).

Nomeado defensor dativo à ré e apresentadas alegações finais, sobreveio a prolação de sentença absolutória, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP, porque “A prova produzida pela acusação, repise-se, não foi capaz de afastar a dúvida razoável sobre a existência do delito e sua autoria” (fls. 114-116v.).

Inconformado com a decisão, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso argumentando que “a conduta da ré encontra-se comprovada pela mensagem de celular enviada à vítima e juntada na fl. 11”, e que “a acusada não nega a solicitação, sustentando, tão somente, que por estar passando por dificuldades financeiras optou por solicitar a bateria de carro à vítima, uma vez que este foi patrão de seu padastro” (fls. 123-126).

Com as contrarrazões (fls. 134-142), os autos foram em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 146-147).

É o relatório.

VOTO

Em seu recurso, o Ministério Público Eleitoral afirma que a sentença merece reforma, porque o tipo penal do art. 299 do Código Eleitoral é crime formal, consumando-se independentemente do resultado naturalístico, defendendo ter sido comprovado que a ré solicitou, em período eleitoral, uma bateria de carro em troca de seu voto para o candidato a vereador Clóvis Schenk Bavaresco, por intermédio de envio de mensagem pela rede social Facebook.

Transcrevo o dispositivo legal que criminaliza a conduta de dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber qualquer espécie de vantagem em troca de voto. Transcrevo a norma legal:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Entretanto, examinados os autos, conclui-se que a finalidade eleitoral do pedido em questão não restou devidamente comprovada durante a instrução.

A mensagem enviada pela recorrida Rosane Capela Vaz em momento algum faz menção ao voto, à eleição ou à condição de candidato da suposta vítima, pois o pedido resume-se ao seguinte questionamento transcrito ipsis litteris da fl. 11 do processo: “boa noite. vc não.conseguia uma bateria carro.”.

Como se vê, a solicitação não foi vinculada ao voto da eleitora.

Em verdade, a relação desse pedido com o voto foi sugerida de forma incerta e hipotética pelo próprio candidato quando da apresentação dessa prova ao Ministério Público Eleitoral.

No termo de informação da fl. 10, está consignado o seguinte apontamento do noticiante: “Considerando que a eleitora pode ter sugerido a venda de votos, pois o informante é candidato, traz o fato a conhecimento do MPE para análise”.

Portanto, bem se vê que o candidato deduziu que o voto seria dado pela acusada em troca da entrega de uma bateria de automóvel.

Ao justificar o fato, Rosane Capela Vaz afirmou conhecer Clóvis Schenk Bavaresco há anos, pois seu padrasto trabalhara na chácara de Clóvis, e disse que o pedido foi feito porque ele possui uma boa condição financeira, negando qualquer intenção de vender o voto.

Além disso, ambos eram amigos na rede social Facebook, tudo a demonstrar que acusada e vítima não são pessoas totalmente desconhecidas.

Assim, tendo em conta que o próprio candidato não relatou que o pedido foi realizado em troca do voto, correta a sentença ao absolver a recorrida, sendo incabível a prolação de juízo condenatório com base nos argumentos da acusação: “sabe-se que em períodos eleitorais, infelizmente, em nosso país, existe o hábito tanto da população quanto de candidatos de trocarem votos por bens ou valores”, sendo esse o caso dos autos.

Dessa forma, as provas produzidas não demonstram, com a necessária segurança, que o comportamento da eleitora tenha se dado com a finalidade específica de prometer o voto no candidato, pois nada indica que Rosane tenha oferecido seu voto.

Ausente prova do dolo específico, não subsiste o crime sob comento, conforme pacífica jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.1. Se o Tribunal de origem, soberano na análise de fatos e provas, entendeu que não estava comprovada a intenção de obter o voto, a análise do elemento subjetivo do crime de corrupção eleitoral demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada em sede extraordinária.2. Segundo a jurisprudência do TSE, a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral depende da demonstração, por meio de provas robustas, do dolo específico.Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 428243230, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 31, Data: 09.02.2018, pp 132-133.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO. PREFEITO. PROMESSA. CARGO. VOTO. CABO ELEITORAL. CORRELIGIONÁRIO. COMUNHÃO DE MESMO PROJETO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONEXÃO ENTRE CRIME ELEITORAL E COMUM. AUSÊNCIA. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO.

1. O tratamento penal dispensado à prática do delito de corrupção eleitoral exige que se evidencie o dolo específico de obter o voto mediante oferecimento de vantagem indevida.

2. A promessa de cargo a correligionário em troca de voto não configura a hipótese do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ante a falta de elemento subjetivo do tipo. Precedente: HC nº 812-19/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 20.3.2013.

3. In casu, não é possível presumir que a nomeação do Agravado em cargo na Prefeitura implique, necessariamente, oferta de benefícios aos seus familiares.

4. A pretensa inversão do decisum regional, que concluiu pela atipicidade da conduta delitiva, demandaria o reexame de fatos e provas, óbice plasmado no Enunciado de Súmula nº 24 do TSE.

5. Ausente a conexão entre o crime eleitoral e o crime de concussão imputado (art. 316 do Código Penal), compete ao Tribunal de Justiça do Estado o julgamento do crime comum. Precedente: RHC nº 653/RJ, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJe de 16.8.2012.

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 3748, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 237, Data: 15.12.2016, pp 24.25.) (Grifei.)

 

Assim, correta a sentença absolutória, a qual deve ser mantida.

Por fim, verifico que a sentença foi omissa quanto à fixação dos honorários advocatícios ao defensor dativo que atuou no feito, sendo incabível o arbitramento de ofício por este Tribunal sob pena de configurar supressão de grau de jurisdição nos termos de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (Jurisprudência em Teses, Ed. 128).

Entretanto, por se tratar de matéria de ordem pública, a questão não preclui e pode ser requerida a qualquer tempo ao juízo a quo, inclusive após o trânsito em julgado da decisão, conforme estabelece o art. 85, § 18, do CPC: “Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança”.

Por todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.