RC - 354 - Sessão: 16/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ANDIARA APARECIDA RIBEIRO em face da sentença que a condenou pela prática do crime de corrupção eleitoral passiva previsto no art. 299 do Código Eleitoral, impondo sanção de reclusão de 7 (sete) meses, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, e de multa, no montante de 15 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente, em razão do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 05 de Outubro de 2012, no Mercado Zardin, situado na Rua Coronel Antônio Soares de Barros, no Município de Augusto Pestana/RS, às 13h11min, a denunciada ANDIARA APARECIDA RIBEIRO (título de eleitor n.° 081894310477) recebeu, para si, vantagem ilícita (rancho), no valor de R$ 148,68 (cento e quarenta e oito reais e sessenta e oito centavos), em troca de dar seu voto aos candidatos à majoritária Darci Sallet e Nelson Wille nas eleições municipais de 2012.

Na ocasião, a denunciada foi até o Mercado Zardin e efetuou a retirada de mercadorias no valor de R$ 148,68 (cento e quarenta e oito reais e sessenta e oito centavos), sem ter pago por estas, prometendo votar nos candidatos à majoritária Darci Sallet e Nelson Wille.

A referida "compra" foi debitada na conta do cartão fidelidade aberta em 04/10/2012 em nome de Neri Zardin (proprietário do Mercado Zardin e representante da Coligação "Augusto Pestana Pode Mais" ), conforme cupom do cartão fidelidade da fl. 13 e laudo pericial de fl. 281." .

A denúncia oferecida contra a ora recorrente e outros acusados, nos autos da AP n. 37-34, foi recebida no dia 16 de novembro de 2015 (fl. 140).

Foram expedidas cartas precatórias de citação e de oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo à acusada (fl. 142).

A seguir, foi juntada aos autos carta precatória de intimação da acusada sobre a revogação do benefício de suspensão condicional do processo e abertura de prazo para apresentação de defesa prévia (fls. 146 e seguintes).

Devido ao retorno negativo das cartas precatórias, foi deferido o pedido ministerial de intimação da ré por edital (fls. 211 e 214).

Realizada a citação por edital, o juízo a quo nomeou defensor dativo para a acusada (fls. 214-v., 217, 219), o qual apresentou resposta à acusação (fls. 220-223).

Após, acolhendo promoção ministerial (fl. 225), foi determinada a cisão do processo AP n. 37-34, formando-se os presentes autos em relação à recorrente (RC n. 3-54), suspendendo-se o prazo prescricional (fls. 141 e 226).

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requereu a citação da acusada em novo endereço (fl. 230).

Depois, pela decisão das fls. 234-235, o magistrado determinou a juntada de peças das ações penais AP n. 37-34 e AP n. 127-08 aos autos, estando entre elas as seguintes: a) determinação de expedição de carta precatória de citação e proposição do benefício da suspensão condicional do processo (AP n. 37-34); b) termo de audiência em que a acusada aceita o benefício da suspensão condicional do processo, realizada em 17.8.2016 na Comarca de Alvorada, consignando que a ata não está assinada pela ré (AP n. 127-08); c) mandados de citação e intimação cumpridos e assinados pela ré e certidão do oficial de justiça da Comarca de Alvorada informando a citação e intimação pessoal da acusada sobre a data da audiência (AP n. 127-08); d) promoção ministerial e decisão acatando o pedido de revogação do benefício da Suspensão Condicional do Processo, tendo em vista que a acusada não iniciou o cumprimento das condições acordadas (AP n. 127-08); e) despacho de reinclusão da acusada no rol de réus do processo originário (AP n. 37-34) e expedição de carta precatória intimatória ao Juízo de Alvorada para ciência da revogação do benefício da suspensão condicional do processo (AP n. 127-08).

Na mesma decisão, foi requerida a manifestação ministerial sobre a validade do mandado de citação da acusada, cumprido em 21 de julho de 2016, a fim de verificar o implemento da revelia (fls. 234-235).

Juntadas as peças determinadas pelo magistrado singular, foi acolhida a manifestação da acusação pela validade do ato citatório, decretando-se sua revelia (fls. 249-251).

Foi determinada a intimação do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL sobre a produção de provas, o qual requereu a extração de peças do processo originário AP n. 37-54 e sua juntada ao feito, além da oitiva de duas testemunhas (fl. 253).

Intimado, o defensor dativo da acusada manifestou-se pela ausência de provas para a condenação (fl. 295).

O juízo a quo consignou não ser caso de absolvição sumária e aprazou audiência de instrução (fl. 297).

Instruído o feito e apresentados memoriais, foi prolatada a sentença pela condenação da recorrida à reclusão de 7 (sete) meses, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, e de multa, no montante de 15 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente, em razão da prática do delito de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), por meio do recebimento de gêneros alimentícios, no valor de R$ 148,68, em troca do voto nos candidatos a prefeito e vice-prefeito de Augusto Pestana nas eleições de 2012, Darci Sallet e Nelson Wille (fls. 335-337).

Em suas razões, a acusada sustenta que não há prova da autoria quanto à prática do delito nem mesmo quanto à obtenção de vantagem alegada na denúncia (fls. 340-345).

Com as contrarrazões pela manutenção da condenação (fls. 348-350), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela nulidade do processo - por falta de assinatura da acusada na audiência de oferta da suspensão condicional do processo, bem como pela ausência de intimação pessoal da ré sobre a sentença condenatória - e opinou pela baixa dos autos para realização de nova audiência de proposta de suspensão condicional do processo ou, alternativamente, intimação sobre a sentença e reabertura do prazo recursal (fls. 361-364).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, antes de analisar as preliminares suscitadas pela Procuradoria Regional Eleitoral de nulidade do processo pela incerteza quanto ao comparecimento da ré à audiência de proposta de suspensão condicional do processo, e falta de sua intimação pessoal acerca da sentença condenatória, cumpre referir que o processo está deficientemente instruído.

A presente ação é originária dos processos AP n. 37-34 e AP n. 127-08, que tramitaram perante o juízo a quo, sendo que no primeiro foi determinada a cisão processual e o segundo tratou do cumprimento de proposta de suspensão condicional do processo que teria sido ofertada à acusada.

Ao formar este feito, poucas peças oriundas das ações penais referidas foram transladadas, basicamente apenas o conteúdo do inquérito policial instaurado para apurar os fatos narrados na inicial, não guardando a tramitação uma sequência temporal lógica, o que dificultou profundamente a análise do caso concreto por este Relator.

Cito, por exemplo, o fato de que apenas nas fls. 234-235 dos autos foram juntadas peças essenciais para o exame da regularidade da tramitação processual, a exemplo da citação da acusada e da malfadada audiência de proposta de suspensão condicional do processo, cuja ata não restou assinada pela recorrida.

A demonstrar essa deficiência instrutória, verifica-se que na fl. 141 foi juntada a cópia da decisão que determinou a cisão da AP n. 37-34 neste feito, mas o pedido que fundamenta a decisão foi acostado somente na fl. 225.

Essa deficiência na formação dos presentes autos, que causou considerável dificuldade no exame dos fatos ocorridos durante a tramitação, certamente atrapalha o trabalho da defesa.

Quantos às prefaciais suscitadas, assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral ao apontar que a proposta de suspensão condicional do processo deve ser repetida.

O termo de audiência da fl. 238, além de não contar com a assinatura da acusada, também não apresenta a assinatura do seu advogado, nomeado como defensor dativo na fl. 219, sendo insuficiente, para a segurança quanto à garantia da ampla defesa da acusação, a alegação do órgão ministerial com atribuição junto à origem de que “por certo não realizaram a audiência sem a presença da ré”.

Ainda, cumpre apontar que é nula também a decisão da fl. 243, que determinou a revogação do benefício da suspensão condicional do processo, por violação à ampla defesa e ao contraditório, pois a ré não foi previamente intimada de que tal medida seria tomada caso não desse início ao cumprimento das condições estabelecidas, na esteira de sedimentada jurisprudência do STJ:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO APÓS O PERÍODO DE PROVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. "Se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício poderá ser revogado, mesmo se já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência." (REsp 1498034/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2015, DJe 02/12/2015) 3. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que contraria o devido processo legal a decisão que revoga a suspensão condicional do processo sem prévia manifestação do acusado." (HC 174.870/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 18/10/2010) 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular a decisão que revogou a suspensão condicional do processo, devendo outra ser proferida, com a prévia intimação da defesa, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

(STJ - HC n. 294380 MS 2014/0110385-2, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 14.3.2017, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17.3.2017.) (Grifei.)

Não é só.

Não obstante o magistrado sentenciante tenha considerado, na decisão das fls. 234-235, que a citação pessoal da ré ocorreu em 21 de julho de 2016, com base na data de expedição do mandado citatório da fl. 240, a certidão da fl. 241 aponta que o ato foi cumprido apenas em 15 de agosto de 2016.

Nesse ponto, há nulidade porque, após escoado o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa, foi decretada a revelia da acusada sem prévia intimação do advogado dativo para a apresentação da peça de oposição.

Observa-se, da decisão da fl. 251, que apenas a acusação foi intimada sobre as provas que pretendia produzir, ausente oportunização do requerimento de provas à defesa.

Dessa forma, a instrução processual padece de graves e insanáveis vícios que violam as garantias processuais de ampla defesa, contraditório e paridade de armas, sendo a anulação do processo uma medida impositiva.

Por essas razões, assim como concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que o feito deve ser anulado desde a audiência de proposta de suspensão condicional do processo, obrigando os autos baixarem à origem para que outra seja designada, com prévia intimação pessoal da acusada e intimação de sua defesa técnica por intermédio do Diário da Justiça Eletrônico.

Deve ser observado, ainda, o apontamento ministerial quanto à intimação pessoal de que tratam os arts. 392 e 564 do CPP, em caso de eventual condenação penal.

DIANTE DO EXPOSTO, acolho a matéria preliminar e VOTO pela declaração da nulidade do processo, desde a audiência de proposta de suspensão condicional constante na fl. 238, devendo os autos baixarem à origem para que outra seja designada, com prévia intimação pessoal da acusada e intimação de sua defesa técnica por intermédio do Diário da Justiça Eletrônico, prejudicado o exame do mérito do recurso.