RC - 649 - Sessão: 12/11/2019 às 17:30

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso (fls. 313-318v.) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença (fls. 302-306v.) do Juízo da 56ª Zona Eleitoral – Taquari –  que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia proposta em desfavor de RENE D’ÁVILA MARQUES, absolvendo-o da acusação como incurso nas condutas previstas pelo art. 299 do CE, corrupção eleitoral, c/c art. 71, caput, do CP; e pelo art. 350 do CE, falsidade ideológica eleitoral, por seis vezes, todos na forma do art. 69, caput, do CP.

Ao denunciado, foram imputados os seguintes fatos delituosos:

1º FATO.

Durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2016 o denunciado, na condição de candidato a vereador, reiteradamente, prometeu e efetuou pagamento de R$500,00 (quinhentos reais) a pessoas diversas visando a obtenção de votos em seu favor.
Como forma de angariar voto para sua campanha, prometeu que efetuaria pagamento do referido valor a pessoas que lhe fizessem campanha. Realizou pagamento da vantagem para quatro pessoas descritas na denúncia.

2º FATO.

No dia 27 de outubro de 2016, nas dependências do Cartório Eleitoral , em Taquari, o denunciado omitiu, em sua prestação de contas, informações relativas a despesas de sua campanha por, no mínimo, seis vezes.

No curso de sua campanha, o acusado contratou verbalmente cinco pessoas descritas na denúncia, para realizarem propaganda de sua candidatura- distribuição de santinhos, caminhadas, dentre outras-, recebendo cada um R$200,00 (duzentos reais) por semana. Ainda, durante a campanha o acusado manteve operando um comitê, situado em Taquari/RS. Entretanto, ao prestar contas omitiu as despesas que teve com os cabos eleitorais, assim como a existência do comitê, que, se fosse alugado, deveria contas nos gastos de campanha, ou se fosse cedido gratuitamente, deveria ser apontado como receita decorrente de doação, acompanhado do respectivo valor econômico. Assim, houve omissão quanto à contratação de cinco militantes e manutenção de um comitê.

A denúncia foi recebida em 07.11.2017 (fl. 134 e v.).

Após regular instrução, o juízo de 1º grau concluiu pela improcedência da denúncia, absolvendo o acusado com fundamento no art. 386, inc. VI, do CPP.

Da sentença absolutória, o Ministério Público Eleitoral interpôs o presente apelo, sustentando haver provas suficientes da materialidade e autoria em relação aos fatos.

Houve contrarrazões, constantes às fls. 326-330.

Nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso, a fim de que seja integralmente mantida a sentença absolutória (fls. 339-343v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, e dele conheço.

De início, sublinho que não há prescrição a ser reconhecida ou nulidades processuais a serem declaradas. Foram obedecidos todos os intervalos temporais previstos na legislação penal – notadamente o art. 109, incs. III e IV, do CP -, e, ademais, não se trata de situação que confira o oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo, uma vez que não se verifica o preenchimento dos requisitos constantes na legislação de regência, art. 89 da Lei n. 9.099/95, c/c art. 77 do CP.

No mérito propriamente dito, o presente recurso envolve o cometimento das condutas típicas descritas no Código Eleitoral, art. 299 e art. 350, a saber:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

À análise.

1. Fato envolvendo o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Narra, da seguinte forma, a inicial acusatória:

1º FATO.

Durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2016 o denunciado, na condição de candidato a vereador, reiteradamente, prometeu e efetuou pagamento de R$500,00 (quinhentos reais) a pessoas diversas visando a obtenção de votos em seu favor.

Como forma de angariar voto para sua campanha, prometeu que efetuaria pagamento do referido valor a pessoas que lhe fizessem campanha. Realizou pagamento da vantagem para quatro pessoas descritas na denúncia.

O art. 299 do Código Eleitoral, também chamado de compra de votos, é o mais comum ilícito criminal reiteradamente praticado nas campanhas eleitorais.

Esse tipo penal protege o livre exercício da liberdade de voto, envolvendo, a um só tempo, aquele que dá, oferece ou promete qualquer vantagem em troca do voto, assim como aquele que solicita ou recebe benesses em troca do exercício do sufrágio.

No tópico, o recurso não merece provimento. Do que se extrai da prova colhida nos autos, não foi comprovada nem a materialidade, menos a autoria, conforme corretamente indicado pela Magistrada de 1º Grau e, já na presente instância, pelo Procurador Regional Eleitoral.

Note-se, nessa toada, os testemunhos de Eva de Oliveira e Kátia da Rosa, as quais relatam, em juízo, terem atuado espontaneamente na campanha eleitoral do acusado, ao participar de passeatas sem receber benesse para tanto.

Por seu turno, a testemunha Lindajara da Silva apontou que recebera valores para trabalhar como cabo eleitoral do réu, situação que não configura delito. Os valores pagos à Lindajara constam, inclusive, na prestação de contas do réu.

Observe-se irretocável trecho da sentença:

A mera afirmação, pelo órgão do Parquet, de, em épocas eleitorais, ser comum a prática de troca de votos por valores não gera presunção da consumação delitiva, ausente provas de que no caso concreto tenha havido pedido de explícito ou implícito de votos.

A prova produzida pela acusação, repise-se, não foi capaz de afastar a dúvida razoável sobre a existência do delito e sua autoria (reasonable doubt). Havendo dúvida, pois, a solução a ser alcançada lhe é favorável.

No que toca à testemunha Senira da Silva, cunhada do réu, é impositivo levar com reservas os fatos relatados, uma vez que ambos, acusado e testemunha, indicaram desentendimentos pessoais, de forma que há de se concordar com o parecer emanado da PRE, no sentido de que a “credibilidade do depoimento de Senira restou abalada, isto é, menos confiável a sustentar a indispensável higidez da prova”.

E a jurisprudência exige prova inequívoca do cometimento do ilícito:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, VII, DO CPP.

1. A condenação pelo crime de corrupção eleitoral deve amparar-se em prova robusta na qual se demonstre, de forma inequívoca, a prática do fato criminoso pelo réu.

2. No caso dos autos, não houve provas aptas a comprovar a autoria do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, pois os dois depoimentos prestados em juízo mostraram-se contraditórios.

3. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 569549, Acórdão de 17/03/2015, Relator(a) Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 68, Data: 10/04/2015, Página 36.)

Assim, porque a prova judicializada não demonstrou sequer o oferecimento de vantagens, muito menos como moeda de compra de votos, é de ser mantida a sentença de improcedência.

2. Fato envolvendo o crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral.

As circunstâncias foram assim delineadas na peça de denúncia:

2º FATO.

No dia 27 de outubro de 2016, nas dependências do Cartório Eleitoral , em Taquari, o denunciado omitiu, em sua prestação de contas, informações relativas a despesas de sua campanha por, no mínimo, seis vezes.

No curso de sua campanha, o acusado contratou verbalmente cinco pessoas descritas na denúncia, para realizarem propaganda de sua candidatura- distribuição de santinhos, caminhadas, dentre outras-, recebendo cada um R$200,00 (duzentos reais) por semana. Ainda, durante a campanha o acusado manteve operando um comitê, situado em Taquari/RS. Entretanto, ao prestar contas omitiu as despesas que teve com as cabos eleitorais, assim como a existência do comitê, que, se fosse alugado, deveria contas nos gastos de campanha, ou se fosse cedido gratuitamente, deveria ser apontado como receita decorrente de doação, acompanhado do respectivo valor econômico. Assim, houve omissão quanto à contratação de cinco militantes e manutenção de um comitê.

O art. 350 do Código Eleitoral estabelece o crime de falsidade eleitoral, à semelhança da falsidade prevista no Código Penal, apenas com a presença específica da finalidade eleitoral.

Consiste em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa, para fins eleitorais.
Também aqui o recurso não está a merecer provimento. Explico.

Como bem salientado na sentença, consta, na prestação de contas do réu, o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) pagos a cabos eleitorais, situação que, à míngua de prova em contrário, engloba o pagamento daquelas cinco pessoas – as quais não restou claro quem seriam – indicadas na denúncia.

Além do que – e novamente –, à exceção de Senira, as demais testemunhas foram uníssonas ao relatarem desconhecimento de pagamentos não arrolados na prestação de contas.
Mais uma vez, valho-me de trecho da sentença, evitando-se desnecessária repetição de fundamentos:

Contudo, a existência do fato e sua autoria, conforme a prova oral colhida em juízo e já detalhada no delito anterior, não restaram comprovadas.

Além de o réu ter negado a autoria delitiva, os depoimentos das testemunhas, com ressalva de Senira, não dão conta de irregularidades cometidas pelo denunciado. Ao contrário, somente Lindajara relatou ter recebido o valor de R$200,00 do réu para participar da campanha, contudo foi contratada como militante pelo candidato. E nos termos da relação de contas apresentada pelo réu (fl. 35-39), estão previstos valores gastos com militantes- R$4.000,00 (quatro mil reais), o que engloba o valor pago à militante na ausência de prova em sentido contrário.

Por outro lado, a testemunha Thaís relatou em juízo que recebeu R$200,00 reais de Senira, para participar de passeata, ausentes provas nos autos de que tenha sido contratada pelo denunciado. Ainda, a testemunha Senira apontou que pediu mais de uma vez para o denunciado para que contratasse Thaís, filha se sua vizinha, como militante, mas este se negara, relatando que com o tempo aceitou que Senira levasse Thaís para a passeata. Contudo, o depoimento de Senira deve ser visto com cautela, pois relatou em juízo desavença entre o denunciado e ela, existindo trocas de ofensas entre os mesmos.

As imagens de conversas mantidas entre Senira e Thaís não dão conta de forma suficiente da contratação verbal de Thaís pelo candidato, mas sim de combinação entre elas de pagamento, sem haver referência a valores a serem entregues pelo acusado.
Assim, inexistem nos autos demais provas que corroborem a versão de Senira. Todas as demais testemunhas são uníssonas ao relatarem que não têm conhecimento de quantia de R$500,00 (quinhentos reais) entregue à título de prêmio após a campanha.

Da mesma forma, não restou comprovado nos autos irregularidades com existência de comitê de campanha, que sequer foi referido pelas testemunhas. Inclusive, as fotos juntadas aos autos não esclarecem irregularidades existentes, não sendo suficiente para eventual condenação.

De outra banda, as contas do vereador foram aprovadas, o que não gera presunção absoluta de regularidade, contudo não foram produzidas provas suficientes em sentido contrário.
Com efeito, negada a autoria, resta imprescindível para o acolhimento da pretensão condenatória que, em juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, fosse produzida prova irrefutável no tocante aos elementos que integram o delito em questão, o que não ocorreu.

Registro, ademais, que a falsidade documental do art. 350 do Código Eleitoral não dispensa que o falso recaia sobre fato juridicamente relevante, com aptidão de ofender o bem jurídico protegido pela norma, qual seja, a lisura da fé pública eleitoral.

Dessa forma, é de ser ratificada a improcedência da denúncia em relação, também, a esse delito.

Nesses termos, diante da insuficiência probatória, resta imperiosa a manutenção do decreto absolutório que julgou improcedente a Ação Penal proposta em face de RENE D’ÁVILA MARQUES, com fundamento no art. 386, inc. VI, do CPP.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença pelos seus próprios fundamentos.