RC - 68063 - Sessão: 17/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por LUIZ VARASCHINI contra a decisão do Juízo Eleitoral da 23ª Zona – Ijuí – que julgou procedente o pedido contido na denúncia e condenou o recorrente como incurso nas sanções do art. 316, caput (quinze vezes), e art. 71, caput, ambos do Código Penal, fixando a pena em três anos de reclusão, em regime inicial aberto, autorizando a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (fls. 1609-1639).

Consta da denúncia (fls. 03-05), em breve resumo, que, no período compreendido entre abril de 2013 e junho de 2014, teria LUIZ VARASCHINI exigido vantagem indevida em virtude da função de vereador que ocupava, por diversas vezes, em prejuízo de CARLOS RENATO SOMAVILA e CARLA CRISTIANE WATTHIER. As vítimas teriam sido nomeadas para exercer cargo em comissão no município por força de indicação, influência ou interferência política do recorrente, e este estaria exigindo repasse mensal de parte da remuneração dos servidores como condição para que eles prosseguissem no exercício dos cargos.

Em suas razões de recurso (fls. 1648-1694), o réu sustentou a ausência de prova cabal para embasar o mérito condenatório. Reiterou a alegação de inépcia da denúncia, de desentranhamento de documentos e a impugnação do áudio. Alegou que tanto CARLA WATTHIER quanto CARLOS SOMAVILA nunca foram subordinados/vinculados hierarquicamente a LUIZ VARASCHINI, visto que as supostas vítimas ocupavam cargos comissionados no Poder Executivo enquanto LUIZ atuava no Legislativo ijuiense. Destacou que o réu jamais fez qualquer indicação para o exercício de cargo comissionado, prometeu cargo ou fez exigência a alguém, em especial àqueles nominados na inicial acusatória. Aduziu que as acusações foram baseadas em áudio adulterado e que não se sustentaram nas investigações da Polícia Civil, da Polícia Federal, do Ministério Público, em sindicância do Executivo e na Comissão Processante da Câmara de Vereadores de Ijuí. Discorreu sobre a exigência de dolo para verificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei n. 8.429/92. Requereu o provimento do recurso para reformar a sentença condenatória com a absolvição do recorrente.

Com contrarrazões (fls. 1699-1708), nesta instância, o digno Procurador Regional Eleitoral opinou pelo afastamento das arguições de nulidade e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 1712-1724v.).

É o relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso aviado por LUIZ VARASCHINI deve ser considerado intempestivo.

Verifico que consta na fl. 1695 certidão relativa à publicação da sentença condenatória no dia 18.12.2018, no Diário da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul n. 230 (edição disponibilizada dia 17.12.2018 – segunda-feira).

Constato, também, que o procurador do réu retirou os autos em carga na data de 17.12.2018 (fl. 1645).

Conforme dispõe o Código de Processo Penal, norma de aplicação subsidiária ou supletiva em relação ao processo e ao julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhe forem conexos, por força do disposto no art. 364 do Código Eleitoral, “os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado” (art. 798). Ainda, o diploma processual penal estabelece que o “prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato” (art. 798, § 3º).

Eugênio Pacelli e Douglas Fischer anotam, sobre a contagem de prazo, que:

Não há interrupção do prazo decadencial processual penal nas férias, feriados, fins de semana e recessos judiciais. Entretanto, quando o prazo decadencial se encerrar no curso das aludidas paralisações (férias, feriados, recessos judiciais), e desde que não haja atividade judicial alguma no Juízo competente, haverá prorrogação do prazo para o primeiro dia útil subsequente.

(Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016.)

Norberto Avena (Processo penal – 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018), ao tratar da tempestividade no processo penal, bem ilustra a situação ocorrida nos autos:

Em seu art. 4.º, a Lei 11.419/2006 prevê a criação de um Diário de Justiça eletrônico, a ser disponibilizado pela internet, considerando-se oficiais as publicações nele constantes, com dispensa de quaisquer outras publicações, ressalvados, evidentemente, os casos em que a lei exigir vista ou intimação pessoal (v.g., Ministério Público, Defensor Público, Defensor Dativo e, em determinados casos, o próprio réu).
Nos termos estabelecidos pela lei em exame, as publicações efetuadas na página oficial eletrônica serão consideradas como realizadas no primeiro dia útil seguinte ao da sua disponibilização no diário eletrônico, iniciando-se, portanto, a fluência dos prazos processuais no primeiro dia útil que se seguir (art. 4.o, §§ 3.o e 4.o).
Exemplos:
- Disponibilizada no diário eletrônico uma intimação no dia 1.o (segunda-feira), considera-se como a própria publicação no dia 2 (terça-feira), fazendo com que o primeiro dia do prazo inicie-se no dia 3 (quarta-feira).

Na hipótese, tal qual o exemplo, a disponibilização da intimação ocorreu no dia 17.12 (segunda-feira), considerando-se publicada no dia 18 (terça-feira), fazendo com que o primeiro dia do prazo fosse na data de 19.12 (quarta-feira).

Considerando que o recesso judiciário iniciado no dia 20.12.2018 (quinta-feira) não interrompeu ou suspendeu a contagem do prazo, constata-se que o lapso temporal encerrou em 07.01.2019 (segunda-feira).

Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS CORRIDOS. DEFENSORIA PÚBLICA. CONTAGEM EM DOBRO. RECESSO FORENSE. SUSPENSÃO DOS PRAZOS ATÉ 20 DE JANEIRO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 798 DO CPP. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. No processo penal, iniciado o prazo recursal, seu curso não se interrompe ou se suspende em decorrência de feriado ou suspensão de expediente forense, exceto se coincidir com o termo final, hipótese em que será prorrogado para o primeiro dia útil seguinte.

2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, não se aplica o disposto no art. 220 do CPC, regulamentado pela Resolução CNJ n. 244, de 19/9/2016, nos feitos com tramitação perante a justiça criminal, ante a especialidade das disposições previstas no art. 798, caput, e § 3º, do CPP, motivo pelo qual não há falar em suspensão dos prazos entre os dias 20 de dezembro a 20 de janeiro.

3. No caso, o recurso é manifestamente intempestivo, porquanto interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias corridos, nos termos do art. 994, VI, c/c. o art. 1.003, § 5º, do CPC, bem como do art. 798 do CPP, contados em dobro, na forma do art. 128, inciso I, da Lei Complementar Federal n. 80/1994.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1828089/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01.10.2019, DJe 08.10.2019.)

Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral pondera que

“A sentença foi publicada, no DEJERS, no dia 18-12-2018 (fl. 1695), o que, levando-se em consideração a suspensão dos prazos processuais no período de 20 de dezembro de 2018 a 20 de janeiro de 2019 prevista na Portaria da Presidência do TRE-RS nº 275/2018, fez com que o prazo do art. 362 do CE se esgotasse em 28-01-2019. O recurso foi interposto em 29-01-2019. Em que pese intempestivo, tem-se que não há, nos autos, comprovação da intimação pessoal do réu, devendo, portanto, ser conhecido o presente recurso, interposto por procurador devidamente constituído (fl. 1489)”.

No entanto, a atual jurisprudência dos Tribunais Superiores dispensa a intimação pessoal do réu que não esteja preso, interpretação derivada do comando constante no art. 392 do Código de Processo Penal, verbis:

Art. 392. A intimação da sentença será feita:

I - ao réu, pessoalmente, se estiver preso;

II - ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança;

III - ao defensor constituído pelo réu, se este, afiançável, ou não, a infração, expedido o mandado de prisão, não tiver sido encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;

IV - mediante edital, nos casos do no II, se o réu e o defensor que houver constituído não forem encontrados, e assim o certificar o oficial de justiça;

V - mediante edital, nos casos do no III, se o defensor que o réu houver constituído também não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;

VI - mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça.

No caso dos autos, não havendo qualquer evidência ou informação de que o réu estivesse preso, a intimação tão somente do procurador constituído é regular, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Cito, para ilustrar:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. OMISSÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA.

Não há que se falar em violação ao art. 619 do CPP quando a Corte a quo bem fundamentou as razões pelas quais afastou as pretensões defensivas, ainda que de maneira contrária aos seus interesses, como ocorreu in casu.

INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. SUFICIÊNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 392, INCISO II, E 370 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE INEXISTENTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Ambas as Turmas que compõem a 3ª Seção deste Sodalício firmaram a compreensão de que, em se tratando de réu solto, é suficiente a intimação de seu advogado acerca da sentença condenatória, procedimento que garante a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes.

2. Na hipótese em tela, o acusado respondeu ao processo em liberdade, tendo o causídico por ele contratado sido devidamente intimado do édito repressivo, o que afasta a mácula suscitada pela defesa.

3. Agravo desprovido.

(AgRg no AREsp n. 1507696/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08.10.2019, DJe 23.10.2019.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. APELAÇÃO DEFENSIVA. INTEMPESTIVA. RÉU SOLTO. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA FEITA PESSOALMENTE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A decisão impugnada está em consonância com a jurisprudência deste Tribunal Superior, segundo a qual a intimação pessoal somente é exigida da sentença que condena o réu preso (art. 392, I, do CPP). Logo, estando o condenado em liberdade, a intimação pessoal do seu defensor constituído da sentença é suficiente para assegurar-lhe o amplo direito de defesa e contraditório nos autos.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 1424274/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18.6.2019, DJe 25.6.2019.)

 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. APELAÇÃO INTEMPESTIVIDADE. SUSPENSÃO DOS PRAZOS. APLICAÇÃO DO ART. 220 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA RÉ ACERCA DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ACUSADO SOLTO. PRESCINDIBILIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INTIMAÇÃO POR MEIO DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, não se aplica o disposto no art. 220 do Código de Processo Civil, regulamentado pela Resolução n. 244, de 19/9/2016, do Conselho Nacional de Justiça, aos feitos com tramitação perante a justiça criminal, ante a especialidade das disposições previstas no art. 798, caput, e § 3º, do CPP, motivo pelo qual não há falar em suspensão dos prazos processuais na seara penal entre os dias 20 de dezembro a 20 de janeiro.

3. O Código de Processo Penal dispõe, no art. 392, II, que a intimação da sentença será feita ao réu pessoalmente ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança. Com efeito, tratando-se de réu solto, basta a intimação do advogado constituído da sentença condenatória, não se exigindo a intimação pessoal do acusado.

4. Habeas corpus não conhecido.

(STJ, HC n. 481.476/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25.6.2019, DJe 07.8.2019.)

No mesmo sentido, vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica no precedente do qual reproduzo a ementa:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA CONSONANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. AUSÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA COLEGIALIDADE E DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECORRENTE QUE POSSUÍA DOMICÍLIO NECESSÁRIO E RESPONDEU À AÇÃO PENAL EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. POSSIBILIDADE. DISPOSIÇÃO EXPRESSA DO ART. 392, II, DO CPP. ACUSADO QUE OCUPAVA, AO TEMPO DA SENTENÇA, O CARGO DE BOMBEIRO MILITAR. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DO DECISUM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida.

2. O art. 21, §1º, do RISTF respalda a prolação de decisão monocrática consonante com a jurisprudência dominante desta Corte, não se antevendo ilegalidade em tal proceder.

3. Em se tratando de acusado que respondeu em liberdade à ação penal originária, é dispensável intimação pessoal quando da prolação de sentença condenatória, pois o art. 392, II, do CPP expressamente permite a intimação do réu ou de seu patrono constituído.

4. Não havendo o dispositivo legal excepcionado o possuidor de domicílio necessário, não há constrangimento ilegal na ausência de intimação pessoal de acusado solto que, ao tempo da sentença, ocupava o cargo de bombeiro militar.

5. Agravo regimental desprovido.

(RHC n. 146320 AgR, Relator: Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 18.12.2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 06.02.2018 PUBLIC 07.02.2018.)

Pelo exposto, não havendo necessidade de intimação pessoal do réu que respondeu solto ao processo e excedido o prazo previsto no art. 362 do Código Eleitoral, não conheço do recurso de fls. 1648-1694, em razão de intempestividade.

Destaco.

Antes de iniciar o exame das teses recursais, esclareço que a ação penal foi distribuída, inicialmente, ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Ijuí, que recebeu a denúncia em 21.07.2015.

Em 25.11.2015, diante da constatação de que outra ação penal havia sido proposta contra LUIZ VARASCHINI, CARLOS RENATO SOMAVILA e CARLA CRISTIANE WATTHIER perante o juízo da 23ª Zona Eleitoral pelo suposto cometimento do delito descrito no art. 299 do Código Eleitoral, foi declinada a competência para a Justiça Eleitoral em virtude da conexão objetiva consequencial e instrumental (fls. 1328-1330).

O recurso em sentido estrito (fls. 1333-1334) proposto pelo réu não foi conhecido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em razão da intempestividade da irresignação (fls. 1351-1352).

Na ação que determinou a conexão (n. 77-24.2015.6.21.0023/80-76.2015.6.21.0023), LUIZ VARASCHINI foi acusado de prometer vantagem (indicação para cargo no município de Ijuí) à denunciada CARLA CRISTIANE WATTHIER, para obter seu voto e, assim, conseguir reeleger-se para o cargo de vereador.

Nessa ação, o pedido foi julgado parcialmente procedente, tendo o acórdão proferido por esta Corte dado provimento ao recurso para julgar improcedente a denúncia diante da constatação de que o cargo público foi oferecido em troca do trabalho na campanha do candidato LUIZ VARASCHINI, e não em troca do voto, o que afasta a configuração do delito do art. 299 do Código Eleitoral.

No voto proferido pelo eminente relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann ficou consignado que “As provas produzidas nos autos somente demonstram que houve a nomeação de Carla por causa de seu trabalho em prol da campanha de Luiz Varaschini. Em nenhuma das declarações realizadas pela eleitora extrai-se informação em sentido diverso.”

Feitas essas considerações, passo ao exame do recurso.

Inicialmente, o recorrente postula o reconhecimento da inépcia da denúncia, o desentranhamento de documentos e impugna a gravação de áudio que deu origem à ação penal.

A fim de verificar a nulidade do ato acusatório, transcrevo trechos da narrativa constante da inicial:

1°, 2°, 3°, 4° e 5° FATOS:

No período compreendido entre o dia 1° de abril de 2013 (fl. 48/IP) e o dia 9 de setembro de 2013 (fl. 49 IP), em dias e em locais não suficientemente esclarecidos, mas em Ijuí/RS, o denunciado, LUIZ VARASCHINI, por diversas vezes, no mínimo em cinco oportunidades, e de forma continuada, exigiu, para si, diretamente, em razão de função que exercia (Vereador), vantagem indevida (dinheiro) em prejuízo da vítima CARLOS RENATO SOMAVILA.

Inicialmente registra-se que o denunciado exercia e ainda exerce o mandato de Vereador no Município de Ijuí. A vítima, em 1° de abril de 2013, por indicação, interferência ou influência política do denunciado, foi reenquadrado para o cargo de provimento em comissão denominado Coordenador de Compras, código CC/2, da Secretaria Municipal da Fazenda, conforme Portaria n.° 2755/2013 (fl. 48/IP), sendo exonerado no dia 9 de setembro de 2013, conforme Portaria n.° 9571/2013 (fl. 40/IP).

[…]

6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14° e 15° FATOS:

No período de compreendido entre o dia 9 de setembro de 2013 (fl. 31/IP) e o dia 30 de junho de 2014 (fl. 33/IP), em dias e em locais não suficientemente esclarecidos, mas em Ijuí/RS, o denunciado, LUIZ VARASCHINI, por diversas vezes, no mínimo em dez oportunidades, e de forma continuada, exigiu, para si, diretamente, em razão de função que exercia (Vereador), vantagem indevida (dinheiro) em prejuízo da vítima CARLA CRISTIANE WATTHIER.

Inicialmente é preciso referir que o denunciado exercia e ainda exerce o mandato de Vereador no Município de Ijuí. A vítima, no dia 8 de maio de 2013, por indicação, influência ou interferência política do denunciado foi nomeada para exercer o cargo de provimento em comissão denominado Coordenador de Atenção Básica, código CC-6, da Secretaria Municipal de Saúde, a contar do dia 5 de maio de 2013, conforme Portaria n° 4233/2013 (fl.27/IP), restando exonerada do cargo no dia 9 de setembro de 2013, conforme Portaria n° 9573/2013 (fls.27/28). Neste mesmo dia, ainda por indicação, interferência ou influência política do denunciado, a vítima foi nomeada para exercer o cargo de provimento em comissão denominado Gestor de Projetos, código CC-3, do Gabinete do Prefeito, conforme Portaria n° 9575/2013 (fl.31/IP), onde atuou até o dia 30 de junho de 2014, conforme Portaria n° 6923/2014 (fl.33/IP).

[…]

Como se percebe, a descrição realizada pelo Ministério Público especifica, delimita e individualiza com bastante clareza as condutas imputadas ao denunciado. Mesmo com a supressão de longos trechos que pormenorizam a atuação atribuída ao recorrente, é perceptível que a imputação é muito rigorosa e vai ao nível de detalhamento dos supostos atos que configurariam o delito de concussão.

Portanto, não se percebe qualquer nulidade na denúncia que individualizou a conduta imputada de maneira suficiente a permitir a plena defesa do acusado. Sabe-se que a inicial acusatória deve, apenas, descrever a conduta delitiva e os elementos probatórios mínimos que corroborem com a acusação, uma vez que provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são necessárias tão somente quando da formação do juízo de condenação (STJ, AgInt no RHC n. 106.239/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26.11.2019, DJe 03.12.2019).

Assim, afasto a tese de existência de nulidade na inicial acusatória.

Prosseguindo, tenho que o pedido de desentranhamento de documentos é irrelevante para a apuração da conduta.

A existência nos autos de dados de quebra de sigilo telefônico relativos à linha não pertencente ao acusado ou às vítimas (terceiro estranho ao feito que teve suas ligações expostas em razão de equívoco no número do telefone considerado pela operadora) e que em nenhum momento foi sequer mencionado ou considerado como prova pelo julgador é irrelevante para o exame do recurso.

Não havendo qualquer utilidade no pedido ou prejuízo ao recorrente com a manutenção desses dados nos autos, deve ser indeferido o pedido, visto que a concessão do pleito não traz qualquer benefício ao recorrente nesse momento processual.

Finalmente, a alegação de nulidade dos áudios juntados ao processo em razão de edição não merece acolhimento.

A fim de evitar tautologia, transcrevo a bem lançada análise do ponto efetuada pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, a qual acolho como razões de decidir:

Da mesma forma, não é de ser acolhida a pretensão de reconhecimento da ilegitimidade do áudio junto ao CD de fl. 32, sob o suposto fundamento de ter sofrido edições. Trata-se de irresignação genérica, não trouxe o réu elementos aptos a demonstrar qualquer adulteração de conteúdo e nem mesmo deixou de reconhecer a veracidade tanto de sua voz como os diálogos travados. Restou claro da oitiva das testemunhas, principalmente de ABEL OLIVEIRA (CD à fI. 1.401), que houve apenas a seleção de trechos, uma vez que o áudio seria muito extenso, não tendo havido qualquer tipo de adulteração, tendo, inclusive, a testemunha referido ter mantido cópia da íntegra do mesmo. Por fim, destaque-se que o áudio em questão não é decorrente de interceptação telefônica autorizada judicialmente, mas providência adotada voluntariamente por um dos interlocutores, não se podendo exigir a apresentação em juízo da íntegra dos diálogos travados, sendo suficiente para o início da investigação e posterior processo criminal, a salvaguarda de trechos, desde que autênticos, sem montagem ou adulteração.

Ademais, tem-se que da oitiva de CARLA CRISTIANE WATTHIER (CD à fl. 1.401) depreende-se que a mesma efetuou a gravação em questão em sua casa, tendo sido uma das interlocutoras, bem como que a mesma autorizou a utilização e divulgação por ABEL OLIVEIRA.

Logo, o áudio em questão é prova legítima que, corroborada com outros elementos probatórios produzidos nos autos, servirá para a análise da autoria e materialidade do ilícito pelo qual foi condenado o recorrente.

Afastada, também, essa alegação de nulidade, passo ao exame do mérito recursal.

A conduta imputada ao recorrente é aquela descrita no art. 316 do Código Penal, verbis:

Concussão

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

O tipo penal tem natureza formal e consuma-se com a simples exigência da vantagem indevida, sendo o recebimento, se houver, mero exaurimento da conduta.

Portanto, a efetiva entrega das quantias é irrelevante para a configuração de delito.

Ademais, por sua natureza, a concussão, enquanto conduta criminosa que costuma ocorrer na clandestinidade, sem a presença de testemunhas, é tipo penal que confere relevo à palavra da vítima, quando esta se mostra coerente com os demais elementos de prova produzidos.

Ainda em relação a caracterização do delito, a concussão tem como sujeito ativo o funcionário público e ocorre quando da exigência de indevida vantagem, sem demandar uso de violência ou de grave ameaça.

NUCCI, em lição que muito se aproxima do caso dos autos, ensina que

exigir significa ordenar ou demandar, havendo aspectos nitidamente impositivos e intimidativos na conduta, que não precisa ser, necessariamente, violenta. Não deixa de ser uma forma de extorsão, embora colocada em prática por funcionário público. Explica BASILEU GARCIA que a palavra concussão “liga-se ao verbo latino concutere, sacudir fortemente. Empregava-se o termo especialmente para alusão ao ato de sacudir com força uma árvore para que dela caíssem os frutos. Semelhantemente procede o agente desse crime: sacode o infeliz particular sobre quem recai a ação delituosa, para que caiam frutos, não no chão, mas no seu bolso” (Dos crimes contra a Administração Pública, p. 225). Na jurisprudência: TRF-1.a R.: “O contexto probatório demonstrou que o réu, na condição de Deputado Federal, exigiu de um de seus funcionários, como condição para sua admissão no gabinete, o repasse em seu favor de parte considerável de seu salário. Materialidade, autoria e dolo comprovados. A condenação se impõe nesta hipótese” (Ap. 369530720054013400, 3.a T., rel. Ney Bello, j. 19.08.2014, v.u.).

(Nucci, Guilherme de Souza. Código penal comentado – 17. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, edição eletrônica.)

Estabelecidas as premissas teóricas, passo ao exame dos fatos e provas.

Verifico que constam nos autos cópias dos atos de nomeação e exoneração de CARLOS RENATO SOMAVILA e CARLA CRISTIANE WATTHIER para cargos comissionados no município de Ijuí (fls. 53-76).

É possível, inclusive, observar que a nomeação de CARLA para um cargo comissionado ocorreu na mesma data (09.9.2013) em que formalizada a exoneração de CARLOS RENATO.

Os depoimentos colhidos no decorrer da instrução permitem concluir que era praxe no município de Ijuí que os vereadores, como LUIZ VARASCHINI, indicassem pessoas para ocupação de cargos comissionados no Poder Executivo Municipal.

Em especial, César Busnello declara em sua oitiva que:

[…] O Somavilla se eu não me engano foi assessor do vereador Tito. Na câmara de vereadores. Assim ó, eu tô aqui pra falar aquilo que eu vi, e havia comentários, comentários sempre houve, de que vereadores do PDT indicavam assessores no executivo. Aí isso, digamos assim, pipocava, como se diz no jargão popular, nas conversas dos bastidores da câmara e tal, que os vereadores teriam essa, esse, digamos assim, autorização de sugerir ou até exigir indicação de cargos de confiança no executivo […]

Da mesma forma, extrai-se dos elementos constantes dos autos que o recorrente mantinha relações bastante próximas tanto com CARLOS RENATO quanto com CARLA, seja porque ambos trabalharam em sua campanha eleitoral, seja porque o primeiro atuou em seu assessoramento na Câmara de Vereadores, em ocasião anterior, ou pelas inúmeras ligações telefônicas registradas entre LUIZ e CARLA (fl. 200).

Assim, embora não houvesse subordinação hierárquica direta, as circunstâncias concretas verificadas possibilitam concluir que havia relação entre o acusado e as vítimas, e que o vereador interferiu politicamente na nomeação de CARLOS RENATO e CARLA para o exercício dos cargos em comissão no município de Ijuí.

Da mesma forma, a existência de cópia nos autos de cheque emitido por CARLOS RENATO SOMAVILA, no valor de R$ 400,00, com endosso realizado por LUIZ VARASCHINI (fl. 83), mesmo que não depositado diretamente na conta do réu, corrobora com a efetiva realização do repasse exigido pelo vereador e pesa em desfavor do recorrente.

Segundo verificado na oitiva de César Busnello, havia “rumores, agora não há mais, não ouço mais. Mas há rumores na câmara de vereadores de Ijuí, que determinados vereadores exigiam uma contrapartida do assessor”.

Os elementos dos autos permitem concluir que LUIZ VARASCHINI demandou parte do salário das vítimas, exigência essa indevida, sob ameaça de exoneração do cargo em comissão em razão da função de vereador que exercia e que lhe conferia, ainda que informalmente, a prerrogativa de indicação de pessoal para ocupação dos cargos daquela natureza.

O mesmo fato foi objeto de apuração em Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara de Vereadores.

Segundo Andrei Cossetin Sczmanski, que foi o relator da investigação no Poder Legislativo,

nós tínhamos três, eram três crimes então tipificados ali né. Ah, um era assédio sexual, que não se configurou, nós não tínhamos como ter, ah, parâmetros pra isso. O outro era a parte do, do, do, promessa de emprego que também nós não conseguimos pelo tempo, eram três meses, então ficou fora. E o outro era receber parte, exigir parte então do salário, isso sim ali na, então nessa relatoria nós configuramos que sim, que teve, e também por outras testemunhas né que vieram naquele momento a trazer mais informações pra nós.

Pelo que se constata dos documentos juntados nas fls. 377-408, a comissão deliberou pela existência da determinação do repasse de parte do valor dos salários dos servidores ocupantes dos cargos em comissão, elaborando parecer que opinava pela procedência da acusação de infração político-administrativa, o qual foi afastado pelos vereadores por ‘decisão política’, segundo relatos no decorrer do processo.

Embora o réu se insurja contra a gravação de áudio, alegando que foi editada, em nenhum momento contextualiza os diálogos onde se verifica o pedido de “repasse” ou a declaração sobre a possibilidade de ocorrer com CARLA a mesma coisa que teria ocorrido com SOMAVILA (exoneração).

Finalmente, o recorrente discorre sobre a exigência de dolo para verificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei n. 8.429/92.

Como nestes autos se investiga a conduta sob o ponto de vista estritamente penal, deixo de tecer considerações sobre a apuração cível relativa aos mesmos fatos.

Assim, entendo presentes todos os elementos configuradores do delito imputado ao recorrente, de forma que deve ser mantida íntegra a bem lançada sentença proferida pelo Juízo da 23ª Zona Eleitoral.

ANTE O EXPOSTO, Senhora Presidente, recebo o recurso, rejeito as preliminares e, no mérito, VOTO pelo seu desprovimento.

Ainda, considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, em 07.11.2019, o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54 julgando-as procedentes e, com isso, firmou novo entendimento no sentido de que a execução penal provisória, antes de findadas as oportunidades para recurso, somente é cabível quando decretada a prisão preventiva do sentenciado, nos moldes do art. 312 do CPP, descabe o início do cumprimento imediato da pena, conforme explicitado no extrato da sessão de julgamento publicado (disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065):

O Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos proferidos, julgou procedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, vencidos o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para dar interpretação conforme. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 07.11.2019.

É como voto, Senhora Presidente.