RE - 4031 - Sessão: 23/01/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JULIO CESAR MAHFUS e LEANDRO DA ROZA D’AVILA, presidente e tesoureiro, respectivamente, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Cachoeira do Sul, contra sentença que julgou não prestadas as contas da aludida agremiação relativas ao exercício financeiro de 2017 e determinou a suspensão do recebimento de repasses do Fundo Partidário e da anotação do diretório perante o Tribunal Regional Eleitoral enquanto durar a omissão (fls. 30-31).

Em sua irresignação (fls. 38-40), restringem-se os dirigentes a pugnar por sua exclusão do feito, por ausência de nexo causal, alegando que o órgão municipal do partido está desativado, logo, a prestação de contas caberia ao diretório estadual. Aduzem que o tesoureiro se desfiliou, o que o impediria de exercer qualquer tarefa partidária.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela nulidade da sentença e o retorno dos autos à origem para citação dos responsáveis pelo exercício financeiro do diretório regional do partido no ano de 2017 (fls. 52-54v.).

É o relatório.

VOTO

O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCdoB) de Cachoeira do Sul, inativo desde 31.12.2017, deixou de prestar contas relativas ao exercício de 2017 no prazo fixado nas normas de regência.

Em razão disso, foram o diretório estadual e o presidente e o tesoureiro do municipal notificados para prestar as contas.

Mantendo-se inertes, sobreveio sentença julgando as contas não prestadas e aplicando sanções ao órgão partidário municipal.

Conquanto tenha transcorrido in albis o prazo de recurso para a agremiação (fl. 45v.), os responsáveis pela legenda em âmbito municipal interpuseram apelo, requerendo, tão somente, a própria exclusão do feito, ao fundamento de que não lhes cabe apresentar as contas, devido à desativação do diretório municipal e à desfiliação do tesoureiro. Aduziram que tal responsabilidade compete unicamente ao órgão estadual.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela anulação da sentença, em virtude de os dirigentes do diretório regional não terem sido citados, e pugnou pelo retorno dos autos à origem para a realização da diligência.

O recurso não merece prosperar.

Inicialmente, assento que não encontra amparo na ordem jurídica a tese de que tesoureiro ao tempo do exercício financeiro cujas contas se examinam, por não mais se encontrar filiado ao partido, deva ser excluído do feito.

Os partidos gozam de autonomia para definir sua estrutura interna e a forma de composição de seus órgãos (art. 17, § 1º, da CF), não havendo imposição legal de que o tesoureiro seja filiado ao partido.

O simples fato de ter se desfiliado após o período a que se referem as contas não permite concluir que lhe falece legitimidade para integrar o feito.

Noutro vértice, a desativação do órgão municipal não tem o condão de alijar do processo de prestação de contas o presidente e o tesoureiro à época do exercício financeiro.

Tal é a inequívoca inteligência do art. 31, caput, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 31. A prestação de contas recebida deve:

I - ser autuada na respectiva classe processual em nome:

a) do órgão partidário e do atual presidente e tesoureiro ou daqueles que desempenhem funções equivalentes, e

b) do presidente, do tesoureiro e daqueles que desempenharam funções equivalentes no exercício financeiro da prestação de contas;

(...)

Consoante certidão acostada à fl. 7-v., JÚLIO CÉSAR MAHFUS e LEANDRO DA ROZA D’AVILA exerceram, respectivamente, as funções de presidente e tesoureiro durante todo o exercício de 2017; foram, portanto, os dirigentes responsáveis pelas finanças naquele período, mostrando-se irrelevante seu posterior afastamento do cargo, ou mesmo do partido como ocorreu com o último.

O fato de a obrigação de prestar contas ter sido transferida do órgão municipal do PCdoB de Cachoeira do Sul para o respectivo órgão estadual, em face da inativação do primeiro, não retira dos responsáveis legais à época do exercício financeiro a legitimidade para compor o processo, nos termos do prescrito no art. 28, §§ 4º e 5º, do diploma normativo supramencionado:

Art. 28. O partido político, em todas as esferas de direção, deve apresentar a sua prestação de contas à Justiça Eleitoral anualmente até 30 de abril do ano subsequente, dirigindo-a ao:

I - juízo eleitoral competente, no caso de prestação de contas de órgão municipal ou zonal;

(…)

§ 4º A extinção ou dissolução de comissão provisória ou de diretório partidário não exclui a obrigação de apresentação das contas relativas ao período de vigência da comissão ou diretório.

§ 5º Na hipótese do § 4º, a prestação de contas deve ser apresentada pela esfera partidária imediatamente superior ou por quem suceder a comissão ou diretório, com a identificação dos dirigentes partidários de acordo com o período de atuação.

Ainda que não pudessem ter acesso a documentos ou falar em nome da agremiação, os dirigentes são chamados a esclarecer a movimentação financeira na medida de suas possibilidades.

Assim, apesar do afastamento dos dirigentes de suas funções executivas na agremiação após o exercício financeiro, permanecem solidariamente responsáveis com o órgão partidário, consoante dispõe o art. 44, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 44. Verificando a ausência ou a irregularidade da representação processual do órgão partidário ou dos responsáveis, o juiz ou relator, suspenderá o processo e marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.

§ 1º Para fins do disposto no caput, consideram-se responsáveis pelas contas prestadas, solidariamente com o órgão partidário, o seu presidente, o seu tesoureiro ou aqueles que desempenharam funções equivalentes, bem como aqueles que os tenham efetivamente substituído no exercício da prestação de contas.

(…)

Não há de vingar, dessa forma, o pedido de exclusão do feito formulado pelos dirigentes partidários.

No que concerne à manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, a qual aponta que não foram citados os dirigentes do diretório estadual e, por essa razão, pugna pelo retorno dos autos à origem, para realização da diligência, entendo que não deva ser acolhida.

O dever de prestar contas à Justiça Eleitoral foi deslocado do diretório municipal do PCdoB de Cachoeira do Sul para a esfera imediatamente superior, em face de sua inativação.

Contudo, os dirigentes responsáveis são apenas o presidente e o tesoureiro do diretório municipal, e não os correspondentes membros do órgão estadual.

Entendimento diverso poderia acarretar responsabilidade solidária a dirigentes que nenhuma relação tiveram com os fatos objeto do processo.

A transferência da obrigação de apresentar contas ao órgão superior da agremiação, em caso de extinção ou dissolução do inferior, justifica-se em razão do preceito constitucional que exige dos partidos políticos a prestação de contas à Justiça Eleitoral, mas não é razoável estender-se o mesmo raciocínio aos membros executivos da agremiação.

Nesse ponto, ressalto que, mesmo no caso dos partidos políticos, é vedada pelo § 3º do art. 28 da Lei n. 9.096/95 qualquer punição a órgão nacional como consequência de atos praticados por órgãos regionais ou municipais.

Desse modo, deve ser mantida a sentença que julgou as contas do PCdoB de Cachoeira do Sul não prestadas.

Por fim, verifica-se que a sentença recorrida determinou a suspensão do registro do diretório municipal perante a Justiça Eleitoral, tal como determina o art. 42 da Resolução TSE n. 23.571/18.

Contudo, há de ser afastado esse sancionamento, de ofício, em face de fato superveniente, estabelecido na recente decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em 16.5.2019 e publicada no DJE em 20.5.2019, em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

O Ministro Gilmar Mendes, ad referendum do Plenário, na ADI n. 6032, concedeu medida cautelar para conferir interpretação conforme a Constituição às normas do art. 47, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14; do art. 48, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17; e do art. 42, caput, da Resolução TSE n. 23.571/18, “afastando qualquer interpretação que permita que a sanção de suspensão do registro ou anotação do órgão partidário regional ou municipal seja aplicada de forma automática, como consequência da decisão que julga as contas não prestadas, assegurando que tal penalidade somente pode ser aplicada após decisão, com trânsito em julgado, decorrente de procedimento específico de suspensão de registro, nos termos do art. 28 da Lei 9.096/1995”.

Assim, tendo em vista a referida decisão do Pretório Excelso, dotada de eficácia erga omnes, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei n. 9.868/99, há de ser afastada a penalidade automática de suspensão do registro ou da anotação imposta ao órgão partidário.

DIANTE DO EXPOSTO, afasto a matéria preliminar, VOTO por negar provimento ao recurso e, de ofício, afasto a determinação de suspensão do registro do órgão municipal.