RE - 6041 - Sessão: 10/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral na prestação de contas do diretório municipal do PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de COQUEIROS DO SUL/RS contra sentença que julgou desaprovadas suas contas, na forma da Lei n. 9.096/95, da Resolução TSE n. 23.464/15 e da Resolução TSE n. 23.546/17, abrangendo a movimentação financeira do exercício de 2016.

Entendeu a sentença (fls. 166-168) pela desaprovação das contas apresentadas, ante a constatação do recebimento de recursos de origem não identificada e de fontes vedadas, determinando o recolhimento do valor de R$ 2.507,34 (dois mil, quinhentos e sete reais e trinta e quatro centavos) ao Tesouro Nacional, acrescido da multa de 10%, bem como a suspensão de repasses de quantias do fundo partidário até o esclarecimento da origem das importâncias alcançadas.

Irresignado, o partido interpôs recurso (fls. 175-176), requerendo a reforma da decisão em relação às fontes vedadas, sustentando, em síntese, retroatividade da Resolução TSE n. 23.546/17, para que doação realizada por filiado seja excluída da vedação.

Em parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita, preliminarmente, a inconstitucionalidade incidental do art. 55-D da Lei n. 9.096,/95, acrescentado pela Lei  n. 13.831/19. No mérito, opina pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita a inconstitucionalidade do art. 55-D, incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19, na data de 19.6.2019, oriundo da derrubada do veto do Presidente da República, com o seguinte teor:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

Com efeito, na sessão do dia 19.8.2019, foi apreciado o tema no RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS 23.8.2019, sendo reconhecida, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18.

1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

Assim, acolho a preliminar de reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.9096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando sua aplicação no caso concreto.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada, em decorrência da constatação do recebimento de recursos de origem não identificada e de fontes vedadas, determinando o recolhimento do valor de R$ 2.507,34 (dois mil, quinhentos e sete reais e trinta e quatro centavos) ao Tesouro Nacional, acrescido da multa de 10%, bem como a suspensão de repasses de quantias do fundo partidário até o esclarecimento da origem das importâncias alcançadas.

A irresignação centra-se na hipótese do recebimento de doações de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, filiados à agremiação, postulando a aplicação retroativa da Resolução TSE n. 23.546/17, por força do que estabelece o art. 65, § 1º, do mesmo diploma.

Sem razão.

Tratando-se de contas relativas ao exercício de 2016, quanto ao mérito, as irregularidades e impropriedades verificadas devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigente ao tempo dos fatos, conforme estipula o inc. III do § 3º do art. 65 da mesma Resolução TSE n. 23.546/17.

Com efeito, em relação à aplicação retroativa do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, este Tribunal posicionou-se pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, colaciono o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifo nosso.)

Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem ser aquelas vigentes no respectivo exercício.

Fixado o regime jurídico incidente à espécie, é incontroverso que as doadoras aludidas inserem-se no conceito de “autoridade pública” prevista no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedava, de forma irrestrita, os auxílios pecuniários aos diretórios ofertados por pessoas físicas, filiadas ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na Administração Pública Direta ou Indireta.

Dessa forma, no ponto, deve ser mantida a sentença que determinou o recolhimento da importância de R$ 2.507,34, acrescida de multa de 10%.

Contudo, o juízo a quo fixou a suspensão do fundo partidário até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito.

Com efeito, da análise sistemática da regulamentação, verifica-se que a suspensão de quotas até que a procedência dos valores seja informada somente tem sentido durante a tramitação do feito e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos. Veja-se que não há prazo e nem será aberto prazo para esclarecimento, tornando-se indeterminada a suspensão do fundo partidário, o que não se afigura razoável e proporcional.

Assim, interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que, após a prolação da sentença, sequer teria lugar o exame de eventuais novos esclarecimentos.

A ilustrar referido posicionamento, elenco o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC n. 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime.)

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento da preliminar de inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando sua aplicação no caso concreto e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso, apenas para afastar o sancionamento de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento da origem dos recursos, mantendo íntegros os demais termos da sentença, pelos próprios fundamentos.