RE - 1594 - Sessão: 22/01/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de Porto Alegre contra a sentença do Juízo da 114ª Zona Eleitoral que, em virtude de irregularidades na comprovação de gastos com verbas do Fundo Partidário e recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas pela legislação eleitoral, desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2017 e, em consequência, determinou o recolhimento de R$ 52.932,56 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 5% (fls. 897-904).

Em suas razões (fls. 909-917), o recorrente sustenta que comprovou, por meio de documentos idôneos, os gastos com recursos do Fundo Partidário, e que a Lei n. 13.488/17, ao alterar a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, passou a admitir contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados ao partido. Pede o provimento do recurso para aprovar suas contas.

Em parecer (fls. 927-945), a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente: a) pela nulidade da sentença e retorno dos autos à origem para imposição de recolhimento ao Tesouro Nacional das verbas do Fundo Partidário irregularmente utilizadas ou, de forma alternativa, para que seja determinada, de ofício, por esta Corte, a devolução do valor de R$ 124.839,44 ao erário, conforme o disposto no § 1º do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17; b) pela inconstitucionalidade do disposto no art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, cumprindo a esta Corte o exercício do controle de constitucionalidade difuso. No mérito, pela manutenção da sentença de desaprovação das contas, com o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 52.932,56, correspondente a recursos de fontes vedadas, acrescida da multa de 5%, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c  o art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Foi determinada a intimação do recorrente para manifestação acerca do incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Procuradoria Regional Eleitoral.

O recorrente apresentou petição pugnando pela constitucionalidade do art. 55-D da Lei 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, postulando a aprovação das contas partidárias.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita duas preliminares.

A primeira refere-se à inconstitucionalidade do art. 55-D, incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19, na data de 19.6.2019, oriundo da derrubada do veto do Presidente da República, com o seguinte teor:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

Com efeito, na sessão do dia 19.8.2019, foi apreciado o tema, no RE n. 35-92.2016.6.21.0005 (Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS 23.8.2019), sendo reconhecida, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18.

1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

Assim, acolho a preliminar de reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando sua aplicação no caso concreto.

A segunda preliminar suscitada trata da nulidade da sentença e do retorno dos autos à origem para a imposição de recolhimento ao Tesouro Nacional das verbas do Fundo Partidário utilizadas irregularmente ou, de forma alternativa, para que seja determinada, de ofício, por esta Corte, a restituição do montante de R$ 124.839,44, conforme disposto no § 1º do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

Com efeito, registro, inicialmente, que a norma de regência que regula a presente prestação de contas é a Resolução TSE n. 23.464/15, pois a contabilidade em exame cuida de prestação anual, e não das contas de campanha que atrairiam a incidência da Resolução TSE n. 23.553/17, invocada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

De qualquer sorte, independentemente da norma aplicável, a preliminar de nulidade deve ser rejeitada.

A sentença apenas ordenou a devolução do valor relativo às doações irregulares, não sendo objeto de embargos declaratórios, no juízo a quo, eventual omissão quanto ao recolhimento de verbas utilizadas irregularmente do Fundo Partidário. Assim, no ponto, esse capítulo da decisão transitou em julgado, sendo inviável ao 2º grau de jurisdição, em afronta à vedação da reformatio in pejus, de ofício, impor a devolução ou reconhecer nulidade.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada devido a duas irregularidades: ausência de comprovação de gastos com valores oriundos do Fundo Partidário e recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral, com a ordem de restituição de R$ 52.932,56 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 5%.

Foram verificadas falhas quanto à comprovação do emprego de verbas do Fundo Partidário, em desacordo com os arts. 17, § 1º, 18 e 35, § 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15.

A agremiação foi intimada para juntar os respectivos comprovantes materiais de gastos com o Fundo Partidário, conforme exame de fls. 544/557, que totalizavam R$ 176.157,81, sobrevindo documentação às fls. 566-856 e 881-887, esta última em sede de razões finais. Entretanto, apenas apresentou documentos suficientes para afastar em parte a irregularidade.

As contas foram desaprovadas em função do recebimento de recursos de fontes vedadas pela legislação eleitoral, no montante de R$ 52.932,56.

Em sequência, o órgão partidário invoca a aplicação retroativa do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, para que, com fundamento no princípio da retroatividade da lei mais benéfica, incida também sobre as doações realizadas antes de 06.10.2017.

Quanto ao tema, observo que este Tribunal se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, colaciono o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifo nosso)

Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem ser aquelas vigentes no momento em que foram arrecadados os recursos.

Fixado o regime jurídico incidente à espécie, é incontroverso que as doadoras aludidas inserem-se no conceito de “autoridade pública” previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedava de forma irrestrita os auxílios pecuniários ofertados aos diretórios por pessoas físicas, filiadas ou não a partidos políticos, no exercício de cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Em relação à multa fixada na sentença (5%), tenho que deve ser mantida neste patamar, pois razoável e proporcional à irregularidade.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar de nulidade suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, acolho a prefacial de inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando sua aplicação no caso concreto, e, no mérito, voto pelo desprovimento do recurso.