E.Dcl. - 483 - Sessão: 01/08/2019 às 11:00

RELATÓRIO

ARAI CAVALLI opõe embargos declaratórios com pedido de efeitos infringentes (fls. 94-103) em face da decisão desta Corte (fls. 86-90) que, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso interposto contra a sentença que julgou procedente a representação por doação acima do limite, movida pelo Ministério Público Eleitoral, apenas para o fim de reduzir o valor da condenação para o montante de R$ 22.415,50 e, de ofício, determinar o lançamento do ASE 540 no seu cadastro eleitoral.

Em suas razões, o embargante alega a existência de contradição no acórdão, sob o argumento de que, embora reconhecida a ausência de recurso do Ministério Público Eleitoral, foi determinada a anotação do ASE 540 no seu cadastro eleitoral, o que incorreria em reformatio in pejus e constituiria decisão ultra petita.

Diz que, inexistindo na Justiça Eleitoral previsão de reexame necessário pelo órgão ad quem, poderia inclusive ter desistido do recurso, caso que impediria o exame da matéria por este Tribunal.

Enfatiza que a decisão de anotação da inelegibilidade desconsidera a premissa de que não é "qualquer doação" que leva à inelegibilidade, mas apenas aquelas cujos excessos comprometam o resultado das eleições.

Quanto à alegada omissão, afirma que o acórdão deixou de aplicar as alterações promovidas pela Lei n. 13.488/17, que lhe é mais favorável, contrariando os postulados da legalidade e retroatividade benéfica, bem ainda que, em se tratando de normas sancionadoras, a aplicação do princípio tempus regit actum deve ser sopesada pelo julgador.

Requer, ao final: a) seja recebido o recurso para fins de prequestionamento e aplicado o disposto no art. 275, § 5º, do Código Eleitoral; b) seja atribuído efeito infringente aos embargos; e c) sejam acolhidos os declaratórios para o fim de afastar a ordem de anotação do ASE 540 no seu cadastro eleitoral e aplicar as alterações trazidas pela Lei n. 13.488/17.

É o relatório.

VOTO

O acórdão foi publicado em 08.5.2019 (fl. 92), e a petição recursal protocolizada em 10.5.2019. Assim, sendo o recurso tempestivo e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Inicialmente, consigno que deixei de determinar a intimação do órgão ministerial para contra-arrazoar o recurso por não vislumbrar a possibilidade de modificação do julgado.

Ainda, consigno que os aclaratórios servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão, assim como sanar erro material que emerge do acórdão, nos termos do art. 275, caput, do Código Eleitoral, c/c o art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC).

Pois bem.

Em suas razões, o embargante aduz contradição em decorrência da ordem de anotação do ASE 540 – de inelegibilidade – no seu cadastro eleitoral, apesar de reconhecida no acórdão a inexistência de recurso por parte do Ministério Público Eleitoral.

Não existe a alegada contradição.

Isso porque, conforme bem esclarecido no acórdão embargado, mencionada anotação não se traduz em condenação de inelegibilidade, a qual deve ser analisada pelo juízo competente em eventual registro de candidatura, garantindo-se ao interessado o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Para ilustrar, colaciono o seguinte trecho do acórdão:

Por fim, tenho que merece acolhida a promoção da Procuradoria Regional Eleitoral, relativa ao lançamento do ASE 540 – inelegibilidade – no cadastro eleitoral do doador, lembrando que tal apontamento se destina unicamente a subsidiar a apreciação de eventual pedido de registro de candidatura. No ponto, assinalo o entendimento firmado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de exigir, para a configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "p", da Lei Complementar n. 64/90, prévia análise pelo juízo competente para apreciar eventual pedido de registro de candidatura, que considerará a existência de quebra da isonomia entre os candidatos, bem como o risco à normalidade e à legitimidade do pleito ou a ocorrência de abuso do poder econômico.

(...)

Dessa forma, a anotação do comando ASE em decorrência deste juízo condenatório embasará o exame de futura declaração judicial de inelegibilidade a ser precedida de relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente o eleitor vier a se candidatar. Assim prescreve o § 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

Observo que a anotação do ASE, como medida administrativa, é decorrência lógica da condenação e pode ser determinada de ofício pelo juízo eleitoral, a exemplo do procedimento adotado quando os cartórios eleitorais recebem comunicações da justiça - comum, federal ou militar - noticiando condenações que se enquadrem nas hipóteses previstas no art. 1º da Lei Complementar n. 64/90.

Nesse sentido, um cidadão condenado por homicídio, por exemplo, não é condenado à pena de inelegibilidade, mas sendo esse um efeito da condenação transitada em julgado, por força de disposição legal, é anotado o ASE 540 no seu cadastro.

Além do mais, sobre o argumento de que "a decisão de anotação despreza a premissa de que não é qualquer doação que caracteriza excesso pra fins de inelegibilidade", há menção expressa no acórdão, ao contrário do alegado, de que o juiz competente deverá analisar "a existência de quebra da isonomia entre os candidatos, bem como o risco à normalidade e à legitimidade do pleito ou a ocorrência de abuso do poder econômico".

Em outras palavras, a anotação do ASE 540 em decorrência de doação acima do limite legal, longe de ser uma condenação, é apenas um “lembrete”, um registro lançado no cadastro do eleitor responsável, para futura verificação.

Aliás, a inexistência do registro não impede que o Ministério Público Eleitoral, sabedor da condenação, venha a apresentar impugnação a eventual pedido de registro de candidatura, cabendo ao juízo competente analisar e decidir sobre a incidência ou não de inelegibilidade.

Quanto à pretensa omissão acerca da aplicabilidade da nova redação do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, promovida pela Lei n. 13.488/17, trata-se de inovação recursal, passível de não conhecimento.

De qualquer sorte, anoto que este Tribunal vem reiteradamente seguindo a diretriz jurisprudencial firmada pelo TSE no sentido de que se aplica às doações acima do limite a sanção vigente à época do fato, conforme se verifica da ementa abaixo:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. NÃO RECONHECIDA A DECADÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO. MÉRITO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. ART. 23, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. SOMATÓRIO DOS RENDIMENTOS DO CASAL. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. IMPOSSIBILITADO. READEQUAÇÃO DO VALOR DA MULTA. APLICADA SANÇÃO AO TEMPO DA DOAÇÃO. REGISTRO DE INELEGIBILIDADE NO CADASTRO ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Rejeitada a preliminar de decadência do direito de ação suscitada pelo recorrente. No caso, a representação foi ajuizada dentro do prazo legalmente estabelecido.

2. Pacífica a jurisprudência no sentido de ser somente possível o somatório dos rendimentos do casal quando o regime adotado for o de comunhão universal de bens. No caso, a certidão juntada informa que o casal adotou o regime de comunhão parcial de bens.

3. A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Para o estabelecimento do limite legal, devem ser computados os rendimentos tributáveis, os isentos e os não tributáveis, conforme entendimento deste Colegiado. Reconhecido como doação acima do limite legal apenas o valor que excedeu a 10%. Readequação do valor da multa.

4. Penalidade. Aplicável à sanção prevista ao tempo da doação, qual seja, de cinco a dez vezes o valor do excesso, nos termos do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Esta Corte fixou entendimento de que a norma sancionatória mais benéfica não retroage, privilegiando o critério do tempus regit actum em matéria de sanção administrativa.

5. Determinada a anotação do Código ASE 540 no cadastro do eleitor, em decorrência do juízo condenatório. O reconhecimento de sua inelegibilidade somente será aferido em eventual registro de candidatura futuro, precedido de relação jurídica processual própria, assegurada a ampla defesa.

Provimento parcial. (Recurso Eleitoral n 4880, ACÓRDÃO de 13.5.2019, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 15.5.2019.) (Grifei.)

Efetivamente, em matéria de doação de recursos acima do limite legal, o Tribunal Superior Eleitoral é expresso em assentar que a penalidade aplicável no processo é aquela vigente ao tempo da doação, por força do princípio de que o tempo rege o ato.

Nessa inteligência, aquela Corte Superior não acolheu pedido de afastamento da pena de multa por doação excessiva de pessoas jurídicas, realizadas no pleito de 2014, em face do advento da Lei n. 13.165/15. Referido diploma legal, frise-se, ao excluir das hipóteses de doação para campanha os recursos repassados por empresas, suprimiu da Lei das Eleições a sanção até então prevista, de multa no patamar de cinco vezes a quantia excedida.

Segundo o TSE, “a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores à Lei nº 13.165/2015, não havendo se falar em retroatividade da lei mais benéfica”. Assim:

Eleições 2014. Agravo regimental. Recurso especial eleitoral. Doação acima do limite legal. Pessoa física. Procedência parcial. Multa. 1. Ofensa ao art. 93, IX, da CRFB. Ausência. 2. Revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997. Irretroatividade. Princípio tempus regit actum. Súmula no 30/TSE. Histórico da demanda

[...]

2. Negado seguimento ao recurso especial, monocraticamente, sob os seguintes fundamentos: (I) afastada a violação dos arts. 93, IX, da CF/1988 e 489, § 1º, IV, do CPC/2015, devidamente explicitada, a teor do aresto regional, a inaplicabilidade da revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 às pessoas físicas, por dizer respeito somente às pessoas jurídicas; (II) a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores à Lei nº 13.165/2015, não havendo falar em retroatividade da lei mais benéfica; e (III) mantida a multa aplicada em face da comprovação da doação acima do limite legal, por afronta ao art. 81, § 1º, da Lei das Eleições - preceito legal vigente e eficaz na data do fato. Da análise do agravo regimental

3. Não há falar em ofensa aos arts. 93, IX, da CF/1988; e 489, § 1º, IV, do CPC/2015, devidamente demonstrados os motivos pelos quais a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não isenta de sanções as pessoas físicas que realizaram doações acima do limite legal.

4. A teor da jurisprudência desta Casa, a revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/1997 não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, ante a incidência do princípio do tempus regit actum. Precedente.

5. Inaplicabilidade do princípio da retroatividade da norma mais benéfica, consoante o entendimento desta Corte Superior.

Precedente. Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 4310, Acórdão, Relatora Min. ROSA WEBER, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data 08.11.2017.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE. PESSOA JURÍDICA. MULTA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. APLICABILIDADE DA NORMA EM 2014. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.

[...]

3. No presente agravo, reiteram-se as alegações anteriormente suscitadas, a saber: a) suposto cerceamento de defesa quanto ao pedido de prova testemunhal; b) impossibilidade de incidência de multa em virtude de revogação do art. 81 da Lei 9.504/97 pela Lei 13.165/2015.

[…]

SANÇÕES DO ART. 81 DA LEI 9.504/97

6. A agravante sustentou ser atípica a conduta de doar valores acima do limite legal nas Eleições 2014, pois a Lei 13.165/2015 extinguiu a multa, e, ademais, a citação ocorreu na espécie após revogado o art. 81 da Lei 9.504/97.7. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei 9.504/97 (ADI 4.650, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 4.3.2016) e a circunstância de esse dispositivo ter sido revogado pela reforma promovida pela Lei 13.165/2015 não autorizam incidência do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, conforme inúmeros precedentes desta Corte, dentre eles: AgR-AI 16-43/PR, Rel.Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 10.8.2017; AgR-ED-REspe 4-48/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 2.8.2017; AgR-AI 82- 59/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9.2.2017; AgR-REspe 43-28/SC, de minha relatoria, DJe de 16.5.2017; AgR-AI 145-63/MG, Rel.Min. Henrique Neves, DJe de 20.2.2017; AgR AI 36-14/RJ, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.7.2016.8. Em outras palavras, ao se abolir hipótese de doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, o cenário tornou-se ainda mais rigoroso: se antes era viável doar até certo limite legal, para pleitos futuros essa faculdade não é mais permitida.

CONCLUSÃO

9. Agravo regimental não provido, mantendo-se multa imposta à empresa por doação de recursos acima do limite legal nas Eleições 2014. (TSE – REspe n. 4136 – Rel. Min. HERMAN BENJAMIN – DJE de 27.11.2017.) (Grifei.)

Portanto, por entender que o presente feito merece tratamento idêntico, a exigir a observância da lei vigente à época dos fatos, não vislumbro omissão no acórdão embargado.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pela rejeição dos embargos opostos por ARAI CAVALLI.