RC - 13169 - Sessão: 06/08/2019 às 17:00

RELATÓRIO

CLAUDIO ROBERTO PEREIRA ÁVILA interpõe recurso criminal em face da sentença do Juízo da 71ª Zona Eleitoral (fls. 517-522), que julgou procedente a denúncia para condená-lo pela prática de difamação eleitoral, consoante com o tipificado no art. 325, c/c art. 327, inc. III, ambos do Código Eleitoral, à pena de quatro meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de cinco dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário mínimo vigente à época do fato, em virtude da prática do seguinte fato:

No dia 06/03/2017, em local e horário não precisado nos autos, porém na cidade de Gravataí, por meio de três postagens, duas e suas páginas pessoais e uma na do Partido Democrático Trabalhista, em rede social (Facebook), visando à propaganda eleitoral (negativa), porquanto presidente da bancada partidária oposta à do ofendido, o denunciado difamou, na campanha eleitoral, MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, candidato a prefeito do Município de Gravataí à época dos fatos, imputando-lhe fato ofensivo a sua reputação.

Ao agir, o denunciado afirmou que o ofendido teria destruído a cidade de Gravataí e, visando fins de propaganda eleitoral, referiu que "Acabei de ligar para o Presidente do PSB, Luiz Stumpf, manifestando nosso total repúdio e solidariedade aos Socialistas, que tiveram o Comitê alvejado por tiros nesta madrugada. Coloquei a nossa equipe à disposição e reafirmei que O GRANDE INIMIGO DO POVO DE GRAVATAI CHAMA-SE MARCO ALBA. Aliás, ao meu ver, a campanha do PMDB é a principal suspeita, tendo em vista o elevado número de armamento bélico utilizado para nos intimidar. O Alba está desesperado, apelando para tudo que é possível e impossível. Está despejando dinheiro, como jamais se viu em uma campanha eleitoral, tentando comprar a cidadania e a dignidade de Gravataí. Não nos intimidaremos, vamos pra o enfrentamento contra esse sujeito que DESTRUIU GRAVATAÍ. Muita força a todos que queremos o melhor para a nossa cidade. AVANTE!"

Em suas razões (fls. 527-538v.), o recorrente suscita, preliminarmente, a conexão entre o delito apurado no presente feito e aquele imputado nos autos do Processo n. 128-17.2017.6.21.0071, referindo que a unidade de processos é indispensável à incidência do instituto da continuidade delitiva. Ainda, em prefacial, alega a nulidade da sentença por ausência de enfrentamento das teses defensivas de cerceamento de defesa e de falta de fundamentação. Além disso, declara a inépcia da denúncia por inexistência de descrição do suposto fato ofensivo à reputação da vítima. No mérito, sustenta a ausência de fins eleitorais na prática da conduta. Argumenta que os fatos descritos na denúncia não se amoldam à tipificação formal do delito de difamação eleitoral. Defende a inexpressividade da lesão do bem jurídico tutelado, o que autoriza a aplicação do princípio da insignificância. Assevera ser necessária a demonstração da potencialidade concreta do meio empregado para a incidência da causa de aumento de pena. Afirma que a imputação deve ser desclassificada para o tipo de injúria eleitoral, com a consequente readequação do quantum condenatório.  Sustenta que a sentença não justificou a opção pela pena substitutiva de prestação de serviço à comunidade, sendo adequada ao caso a pena de prestação pecuniária. Requer o acolhimento das preliminares ou, em ordem subsidiária, a absolvição do acusado ou a desclassificação do delito e a diminuição das penas impostas, bem como a substituição da prestação de serviços comunitários pela prestação pecuniária.

Em contrarrazões (fls. 541-546), o Ministério Público Eleitoral postulou a manutenção da sentença.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso, apenas para aplicar a pena substitutiva de prestação pecuniária à vítima em lugar da prestação de serviços comunitários (fls. 550-558v.).

É o relatório.

VOTO

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 10 dias (art. 362 do Código Eleitoral), razão pela qual dele conheço.

2. Da preliminar de conexão processual

O recorrente alega que o fato examinado nos presentes autos é conexo com o crime imputado no Processo n. 128-17.2017.6.21.0071, motivo pelo qual devem ser julgados conjuntamente, de modo a permitir a aplicação do benefício da continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal.

Naquele processo, o acusado foi denunciado porque, no dia 04.3.2017, portanto, dois dias antes dos fatos ora apurados, teria publicado em seu perfil na rede Facebook a mensagem: “ALBA, ÉS O MAIOR SAFADO, ORDINÁRIO E CORRUPTO QUE CONHEÇO. ESTÁ DEMITIDO!”.

Embora ambos os processos tenham por objeto crimes eleitorais contra a honra, imputados ao mesmo acusado e relacionados ao mesmo ofendido, a relação entre eles não se amolda a nenhuma das hipóteses previstas no art. 76 do Código de Processo Penal, a determinar a necessária reunião dos feitos, quais sejam:

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Observa-se que os fatos denunciados compreendem aspectos temporais e contextuais distintos e não guardam relação de conteúdo entre si, seja consequencial ou instrumental. Além disso, a prova de cada fato é autônoma, não influindo na prova do outro ou de qualquer de suas circunstâncias elementares.

Além disso, o próprio CPP, em seu art. 80, enuncia que, malgrado eventual conexão ou continência, a separação dos processos será facultativa quando praticados em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, como nas hipóteses concretas.

Em realidade, o recorrente atribui a indispensabilidade da unificação de processos ao asseguramento da incidência do benefício da continuidade delitiva. O raciocínio é equivocado, pois os processamentos e julgamentos separados não implicarão a impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva, que poderá ser objeto de incidente de unificação de penas, cuja análise caberá ao juízo de execuções, consoante o art. 82, in fine, do CPP, e art. 66, inc. III, al. “a”, da Lei de Execuções Penais.

Isso posto, rejeito a prefacial.

2. Da nulidade da sentença por ausência de enfrentamento de tese defensiva

Ainda em sede prefacial, o recorrente afirma que a decisão combatida não apreciou as teses de “impossibilidade de tipificação formal do delito” e de “inexpressividade da lesão jurídica do ato”. Assim, postula a decretação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, nos termos do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal.

Em realidade, a defesa alude à discussão quanto à caracterização da ofensa à honra objetiva de outrem, elemento normativo do tipo criminal, explicitando o seu inconformismo com a conclusão sentencial no sentido de que “as considerações que a vítima possa ter a respeito da conduta perpetrada contra si podem comprovar o atingimento da sua honra subjetiva, mas de maneira alguma comprova o atingimento da honra objetiva”.

Por sua vez, a questão consta suficientemente enfrentada na sentença, consoante excerto que transcrevo (fl. 521):

Destarte, plenamente justificável que a Marco tenha compreendido que as mensagens ofenderam a sua honra objetiva, transpondo o umbral das meras divergências políticas entre as partes, o que afasta a tese defensiva da bagatela. A vítima  declinou que a si foram imputados fatos desabonatórios, de modo "(....)gratuito, leviano e de forma objetiva para tentar  ... me prejudicar moralmente (1min49segundos),  com o fim de "(...)  me prejudicar, eleitoralmente,  pessoalmente e moralmente..." (4min37segundos).

Neste contexto, tratando-se de ofensa à pessoa da vítima, então canditado, no curso do prazo de propaganda eleitoral,  encontram-se preenchidos os elementos objetivo-subjetivos do tipo penal, razão pela qual  improcede a alegação de que o acusado estaria sendo processado por mera conduta: houve claro abuso da liberdade de expressão com finalidade tipicamente eleitoreira, conduta proscrita.

Portanto, a sentença não carece de fundamentação quanto aos argumentos levantados em alegações finais pela defesa. A adoção de uma linha de apreensão dos fatos diversa da deduzida pela defesa não se confunde com carência de fundamentação.

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

3. Da inépcia da denúncia

A terceira preliminar levantada pelo recorrente retoma aspecto da anterior, aludindo que a peça inicial “não descreve de forma devida as circunstâncias do fato ofensivo proferido por Cláudio”, bem como não expõe com clareza “o liame entre a conduta e a competência da justiça eleitoral”.

Entretanto, a exordial acusatória explicita a conduta com todas as suas circunstâncias, transcrevendo integralmente a postagem e seu contexto, a permitir o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.

Ademais, a denúncia expõe que o fato teria sido praticado “visando à propaganda eleitoral (negativa), porquanto presidente da bancada partidária oposta à do ofendido”, grifando, ainda, trechos da mensagem que teriam os indispensáveis contornos eleitorais.

A descrição de tais elementos se mostra suficiente para o estabelecimento do especial fim de agir exigido pela norma incriminadora e para a fixação da competência desta Justiça Especializada sobre a causa.

Cabe rememorar que o acusado se defende dos fatos narrados, e não da capitulação penal indicada pelo Ministério Público. Assim, a apreciação quanto ao preenchimento de todos os elementos objetivos e subjetivos contidos no tipo legal do crime diz respeito à própria procedência ou improcedência da pretensão condenatória, devendo ser postergado para o momento oportuno.

Portanto, pelas razões expostas, rejeito a presente preliminar.

4. Mérito

Tangente ao mérito, a peça acusatória narra que, no dia 06.3.2017, no Município de Gravataí, por meio de três postagens na rede social Facebook, duas em páginas pessoais do réu e uma no perfil do Partido Democrático Trabalhista, com fins de propaganda eleitoral, o denunciado difamou, na campanha eleitoral, Marco Aurélio Soares Alba, candidato a prefeito de Gravataí à época, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação, nos seguintes termos:

Acabei de ligar para o Presidente  do PSB, Luiz Stumpf, manifestando nosso total repúdio e solidariedade aos Socialistas, que tiveram o Comitê alvejado por tiros nesta madrugada. Coloquei a nossa equipe à disposição e reafirmei que O GRANDE INIMIGO DO POVO DE GRAVATAI CHAMA-SE MARCO ALBA. Aliás, ao meu ver, a campanha do PMDB é a principal suspeita, tendo em vista o elevado número de armamento bélico utilizado para nos intimidar. O Alba está desesperado, apelando para tudo que é possível e impossível. Está despejando dinheiro, como jamais se viu em uma campanha eleitoral, tentando comprar a cidadania e a dignidade de Gravataí. Não nos intimidaremos, vamos pra o enfrentamento contra esse sujeito que DESTRUIU GRAVATAÍ. Muita força a todos que queremos o melhor para a nossa cidade. AVANTE!

Cláudio Ávila

Presidente Municipal do PDT

Assim, ainda conforme a inicial acusatória, Cláudio Roberto Pereira Ávila teria incorrido nas sanções previstas nos arts. 325, caput, combinado com o art. 327, inc. III, do Código Eleitoral, verbis:

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

[…].

Art. 327. As penas cominadas nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

[…].

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.

Nesse passo, a autoria e a materialidade da conduta estão comprovadas por meio dos prints de telas extraídos das duas páginas pessoais mantidas pelo réu e da página do Diretório Municipal do PDT de Gravataí, todas no Facebook (fls. 06-07), e do próprio interrogatório do réu em juízo, no qual não negou a publicação das postagens (fls. 481-482).

No tocante ao enquadramento típico, cumpre enfatizar que os crimes eleitorais contra a honra, em vista de seus elementos especializantes, exigem parâmetros exegéticos diferenciados, que não se confundem com aqueles aplicados na análise dos delitos de mesmas denominações positivados no Código Penal.

Dentre esses, sobressai o bem jurídico tutelado pela norma penal, o qual, nos crimes de calúnia, injúria ou difamação eleitorais, mais do que a honra objetiva ou subjetiva do ofendido, visa à regularidade e legitimidade do próprio debate eleitoral.

Somente a conduta potencialmente capaz de gerar uma insustentável lesão à normalidade da campanha eleitoral, em violação grave ao interesse público, faz jus à adequação típica material dos crimes previstos nos arts. 324 a 326 do Código Eleitoral.

É justamente esse contexto que justifica a natureza pública da ação penal nos crimes eleitorais (art. 355 do Código Eleitoral), a qual, na expressão da doutrina de Luiz Carlos Gonçalves, transformou o Ministério Público Eleitoral em “árbitro da honra alheia” (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 87).

A propósito do tema, transcrevo trecho do voto do eminente Des. Eleitoral Rafael Da Cás Maffini, no julgamento do RC n. 90-86.2017.6.21.0044, sessão de 1°.7.2019, no qual o Tribunal, por maioria, entendeu pela atipicidade do fato supostamente injurioso, diante da inexistência de relevante lesão aos interesses do eleitorado:

De tudo isso decorre que o principal sujeito passivo desses crimes não é vítima, ofendido direto do crime, mas, sim, o eleitorado, que, dissuadido pelo fato injurioso divulgado contra a honra do candidato durante a propaganda (elemento normativo do tipo), fica exposto a possíveis influências em sua escolha, o que pode alterar o resultado do pleito. Portanto, a exegese que interpreto como correta nos casos de crimes contra a honra eleitorais diferencia-se daquela prevista no Código Penal e parte do seguinte questionamento: a ofensa direcionada ao candidato, durante a propaganda eleitoral, teve o condão de ferir o objeto jurídico tutelado pelo tipo, alcançando o eleitorado e nele projetando um estado mental suficiente a questionar suas próprias escolhas eleitorais?

Nesse quadro, a intervenção penal deve ocorrer com acurada cautela, pautando-se pelo princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade, de forma a penalizar apenas aquelas condutas que transcendem induvidosamente a liberdade de expressão, em ofensa grave à honra pessoal do indivíduo, com relevante reflexo sobre o eleitorado.

Vale lembrar, ainda, o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal, que faz com que tal ramo do direito seja a ultima ratio do sistema normativo, devendo intervir apenas quando as demais soluções previstas no ordenamento jurídico (extrapenais, a exemplo da representação por propaganda irregular e do direito de resposta) não forem suficientes a solucionar o conflito.

Sobre o ponto, as Cortes Superiores têm, reiteradamente, ampliado o conteúdo do direito à liberdade de expressão e comunicação, considerando-a essencial à dialética própria ao regime democrático e à construção de uma vontade livre e informada por parte do eleitorado.

Pertinente destacar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 4.451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, sessão de 21.6.2018, que declarou a inconstitucionalidade das restrições impostas pela legislação eleitoral (Lei n. 9.504/97, art. 45, incs. II e III, segunda parte, e §§ 4º e 5º), assentando-se a ampla liberdade de crítica política, inclusive por meio de recursos humorísticos e da expressão de opiniões incisivas em desfavor de candidatos.

Diante do crivo público a que se submetem os mandatários de cargos eletivos, a liberdade de expressão não abarca somente as opiniões inofensivas ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtorno ou inquietar pessoas, pois a democracia se assenta no pluralismo de ideias e pensamentos (ADI no 4439/DF, rel. Min. Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018).

Fixadas tais premissas, cabe analisar se a mensagem veiculada pelo réu imputa fato, ao mesmo tempo, capaz de atingir a honra subjetiva da vítima e provocar relevante distorção à regularidade da campanha e à informação do eleitorado.

Iniciando-se pela análise do meio ou contexto em que reproduzido todo o conjunto de asserções, tenho que o fato carece de tipicidade material.

Com efeito, extrai-se de prova testemunhal produzida em juízo que as postagens foram divulgadas por um notório e declarado opositor político de Marco Alba, condição que relativiza a credibilidade e a repercussão da manifestação, uma vez que produzida por indivíduo de quem já se aguarda um discurso acalorado e contundente de embate político.

Além disso, a divulgação foi realizada em dois sítios eletrônicos utilizados para promoção pessoal do próprio acusado e na página do diretório partidário, do qual é presidente. Desse modo, ainda que em páginas abertas e públicas, os destinatários principais das postagens foram os próprios militantes e simpatizantes daquele grupo político, não tendo por foco o eleitorado em geral, como ocorreria, por exemplo, no uso de veículos de imprensa, na distribuição de panfletos ou na instalação de outdoors.

Quanto ao conteúdo da publicação, extrai-se, especificamente em relação ao candidato ofendido, a afirmação de que “o grande inimigo do povo de Gravataí chama-se Marco Alba”, que o candidato “está desesperado” e “despejando dinheiro, como jamais se viu em uma campanha eleitoral, tentando comprar a cidadania e a dignidade de Gravataí”. Ao final, assevera que “esse sujeito destruiu Gravataí”.

A colocação de que Marco Alba está despejando dinheiro na campanha, “tentando comprar a cidadania e dignidade de Gravataí” não é, necessariamente, relacionada à compra de votos, uma vez que pode tratar, simplesmente, da acusação de uma campanha financeiramente extravagante, o que, por si só, não constitui elemento apto a desabonar a reputação do candidato.

O que sobressai do texto é a vagueza e indeterminação da descrição, cujo sentido é dúbio e somente extraível por ilações e cogitações.

Com efeito, não se depreende da exordial a imputação de fato ofensivo, compreendido como um acontecimento ou conduta minimamente individualizada no tempo e no espaço, capaz de agredir a honra objetiva de alguém, indispensável à conformação do crime de difamação eleitoral.

Sobre o tema, colaciono, ainda, a doutrina de José Jairo Gomes:

Também é preciso que o fato seja específico e objetivamente determinado quanto aos seus principais contornos. Mas não se requer sua descrição minuciosa, detalhada, exaustiva. É bastante que o relato suscite credibilidade, i. e., que seja crível. Imputações vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes não são hábeis a realizar o delito em exame. (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 139).

As demais expressões vinculadas ao ofendido, tais como “inimigo do povo”, “desesperado” e “destruiu Gravataí”, poderiam caracterizar o tipo penal do crime de injúria, mas apenas se utilizam de recursos linguísticos próprios da retórica exagerada e depreciativa do embate eleitoral, os quais não podem ser tomados em uma semântica literal, mas dentro do contexto do discurso eleitoral duro e contundente, dirigido às posturas e ações passadas do homem público submetido ao escrutínio do eleitorado.

Ora, ainda que a proteção aos direitos de personalidade seja garantida a todas as pessoas, há certa relativização no que se refere às pessoas públicas, sujeitas a maiores avaliações e críticas por toda a sociedade, como condição à liberdade de pensamento democrático.

Justamente por esse motivo, o ato de depreciar a reputação ou o comportamento das personalidades políticas, especialmente dentro do cenário eleitoral, deve sujeitar-se a uma margem de licitude mais flexível do que aquela dirigida às pessoas comuns na vida civil.

No mesmo passo, anota a doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 579):

Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que os direitos à privacidade, ao segredo, e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela protetiva. Afirmações a apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática.

A jurisprudência tem assumido o mesmo posicionamento, conforme ilustram os seguintes julgados:

Penal e Processo Penal. Notícia Criminis. Injúria e Difamação (Arts. 325 e 326, do Código Eleitoral). Atipicidade da Conduta. Arquivamento. 1. A atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa autorizam o arquivamento de notícia criminis pelo Colegiado. 2. Não se tipifica crime eleitoral contra a honra quando expressões tidas por ofensivas se situam nos limites das críticas toleráveis no jogo político (Inq 2431, Rel. Min. Cezar Peluso). 3. Petição arquivada.

(STF: Pet 4979, rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 23/06/2015.) (Grifei.)

RECURSO CRIMINAL. ELEIÇÕES 2016. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PENAL. ART. 325 DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME DE DIFAMAÇÃO ELEITORAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. PUBLICAÇÃO DE POSTAGENS EM PERFIL PESSOAL NA REDE SOCIAL FACEBOOK. ATIPICIDADE DOS FATOS. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. INEXISTÊNCIA DE PROVA A DEMONSTRAR SENTIDO ESPECIFICAMENTE ELEITORAL OU INTENÇÃO DE PRODUZIR EFEITOS NAS ELEIÇÕES. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Alegados crimes de difamação e injúria eleitoral mediante publicação de postagens em perfis pessoais na rede social Facebook. 2. Difamação. Ausente o elemento subjetivo do tipo penal de difamação eleitoral, essencial à caracterização do crime, qual seja, a intenção de influenciar a vontade eleitoral dos seus destinatários. 3. Injúria. Ainda que deselegante o conteúdo da postagem, permaneceu nos limites da crítica autorizada pelo ordenamento jurídico, não havendo elemento de ofensa hábil a caracterizar crime eleitoral contra a honra. 4. Atipicidade de ambos os fatos. Provimento negado.

(TRE-RS - RC: 418 SANTO ANTÔNIO DAS MISSÕES - RS, Relator: JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Data de Julgamento: 02/05/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 04/05/2018, Página 5.) (Grifei.)

CRIME ELEITORAL. RECURSO CRIMINAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. REFERÊNCIA, DURANTE A PROPAGANDA ELEITORAL, A CANDIDATO A GOVERNO DO ESTADO COMO TENDO COMETIDO "TRAIÇÃO POLÍTICA", POR TER SE ALIADO A POLÍTICO QUE ANTERIORMENTE CRITICAVA. EXPRESSÃO INSERTA NA CRÍTICA AUTORIZADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PROPAGANDA NEGATIVA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE DIFAMAÇÃO. CRIME DE INJÚRIA E DIFAMAÇÃO NÃO CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ABSOLVER OS ACUSADOS RECORRENTES. 1. A propaganda negativa, que é aquela dura, mordaz, espinhosa e ácida, é peça essencial ao debate democrático, não sendo profícua a sua limitação contém, mesmo porque fazem parte da estratégia dos candidatos, desde que o conjunto não convirja para esse viés. 2. O embate político é essencialmente conflitivo e a propaganda negativa é útil para permitir a contraposição de opções, opiniões e pontos de vista. 3. A criminalização é ultima ratio, o último instrumento utilizado pelo Estado em situações de punição por condutas castigáveis, devendo-se a ele recorrer apenas quando não seja possível a aplicação de outro tipo de direito, sob pena soçobrar a liberdade de expressão. 4. Abalizada doutrina aponta que os conceitos extraídos do Código Penal não têm aplicação rígida na esfera eleitoral, devendo-se levar em conta a natureza do ambiente de disputa eleitoral. 5. Atipicidade das condutas. Sentença reformada para absolver ambos os acusados-recorrentes, nos termos do artigo 386, III e VII, Código de Processo Penal.

(TRE-MT - RC: 966 CUIABÁ - MT, Relator: ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR, Data de Julgamento: 13/03/2019, Data de Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2890, Data 27/03/2019, Página 2-3) Grifei.

EMENTA - RECURSO CRIMINAL. ELEIÇÕES 2012. INJÚRIA. CRÍTICA ÁCIDA AO HOMEM PÚBLICO. ATIPICIDADE. DIFAMAÇÃO. OFENSA À HONRA OBJETIVA NÃO CARACTERIZADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A crítica ácida, cáustica, ferina, irônica ou mesmo sarcástica revela-se lícita quando dirigida ao homem público em razão de sua atuação frente à res pública. 2. "... Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva das pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de se estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos...". (José Jairo Gomes, in Direito Eleitoral, 7ª edição, p. 391/392). 3. Recurso conhecido e provido.

(TRE-PR - RO: 8073 PR, Relator: JEAN CARLO LEECK, Data de Julgamento: 01/04/2014, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 07/04/2014) (Grifei.)

Assim, tenho que tal conjunto de afirmações são atípicas, seja por não se conformarem ao tipo formal do crime de difamação eleitoral, dada a indeterminação do fato imputado ao candidato, bem como diante da ausência de tipicidade material, posto não ultrapassarem os limites toleráveis para o debate político-eleitoral amplo e livre.

A segunda ordem de afirmações atina com o relato de que disparos foram desferidos contra o Comitê do PSB de Gravataí, a respeito do que o acusado refere: “ao meu ver, a campanha do PMDB é a principal suspeita, tendo em vista o elevado número de armamento bélico utilizado para nos intimidar”.

Como se percebe, o trecho expressa uma opinião ou percepção pessoal do acusado sobre os responsáveis pelo suposto alvejamento. Não há indicação cabal e definitiva quanto à autoria dos fatos levantados, exigida pelo verbo “imputar”, que não se confunde com uma manifestação de desconfiança ou suposição acerca da responsabilidade sobre determinado acontecimento.

Além disso, a cogitação não está dirigida a pessoa específica, mas à “campanha do PMDB”, expressão dúbia e abrangente, que pode se direcionar tanto ao diretório partidário quanto a uma gama indeterminável de filiados e simpatizantes que atuam, de forma orquestrada ou não, em prol da vitória eleitoral da agremiação.

Quanto ao trecho, percebe-se a fragilidade da configuração da elementar normativa típica “alguém”, que reclama uma possibilidade de individualização mínima sobre as pessoas às quais se dirige a desonra, não configurando o crime às imputações abertas, amplas e genéricas a um grupo, corrente ideológica ou categoria de pessoas.

Em reforço, leciona José Jairo Gomes (p. 139):

Caso o grupo seja indeterminado (ex.: os católicos, os comunistas, os capitalistas), é preciso que em seu interior se possa, com facilidade, identificar o indivíduo a quem a ofensa é endereçada. Se não houver possibilidade de identificação do sujeito passivo, atípica será a conduta.

Desse modo, assim como as anteriores, tenho que as dicções não preenchem as elementares exigidas na descrição do art. 325 do Código Eleitoral, carecendo de tipicidade.

Portanto, pelas razões expostas, entendo que o fato narrado na denúncia não configura infração penal contra honra na seara eleitoral, motivo pelo qual a sentença deve ser reformada, absolvendo-se o recorrente, com fulcro no art. 386, inc. III, do CPP.

ANTE O EXPOSTO, rejeitada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento do recurso, para absolver o recorrente em virtude da atipicidade de sua conduta.