RE - 4110 - Sessão: 24/01/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de CAMAQUàcontra a sentença do Juízo da 12ª Zona Eleitoral, sediada em Camaquã, a qual desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada e de origem não identificada, dentre outras irregularidades, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância total de R$ 5.085,59, acrescida de multa de 5% sobre tal montante, bem como a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano (fls. 97-99).

Em seu recurso (fls. 102-108), o partido pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento de cerceamento de defesa e, no mérito, pela (1) licitude das contribuições, sob os aspectos da alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.488/17; (2) admissão e análise de documentos apresentados após a sentença, mas quando ainda não exaurida a instância ordinária; (3) ocorrência de mero erro de digitação, que não afetaria a possibilidade de a Justiça Eleitoral aferir a lisura de toda a campanha eleitoral.

Requer o conhecimento e o provimento do recurso, para aprovar as contas do recorrente.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 117-126v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto em 20.5.2019, mesma data do comparecimento do procurador do recorrente ao Cartório da 12ª ZE para a retirada dos autos em carga.

Presentes os demais requisitos, merece conhecimento.

No caso dos autos, o recorrente teve suas contas partidárias do exercício de 2017 julgadas desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações realizadas por detentores de cargos demissíveis ad nutum de chefia e direção, no montante de R$ 1.915,10 (mil novecentos e quinze reais e dez centavos), e de origem não identificada, na quantia de R$ 3.170,49 (três mil, cento e setenta reais e quarenta e nove centavos), valores que foram acrescidos de multa de 5% (cinco por cento). Houve, ainda, a determinação de suspensão do percebimento de verbas provenientes do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano.

Foi, também, identificada divergência entre os valores declarados como patrimoniais (valor na conta-corrente) e aqueles verificados nos extratos bancários, diferença no total de R$ 180,29.

À análise.

Preliminarmente: do alegado cerceamento de defesa

Conforme indicado no parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, não se vislumbra, nos autos, cerceamento de defesa – o qual, aliás, sequer é objetivamente assinalado nas razões de recurso; não há indicação do ponto em teria havido cerceamento.

Nessa linha, nota-se nítida convergência entre os apontamentos constantes no relatório conclusivo de auditoria contábil das fls. 83-87 (documento enriquecido com planilhas, tabelas e dados, como o número de CPF dos doadores considerados fontes vedadas, além das divergências do valor informado no balanço patrimonial, na conta-corrente de campanha, e aquele encontrado nos extratos bancários, etc.) e a fundamentação da sentença. Há datas, nomes dos contribuintes, valores, um manancial de informações consistentes e congruentes, em relação aos quais o recorrente teve três oportunidades de manifestar-se – (a) após o relatório contábil, prazo de 30 (trinta) dias; (b) logo após o parecer conclusivo, ao longo de 15 (quinze) dias; e (c) para a apresentação de alegações finais, por 3 (três) dias, e não aproveitou nenhuma oportunidade, conforme indicam as certidões (fls. 82, 91 e 93).

Ou seja, os “modernos cânones de processualísticos” trazidos pelo recorrente em suas razões de recurso deveriam ter sido por ele mesmo seguidos – por exemplo, peticionar tempestivamente e informar ao Juízo da 12ª ZE que estava a providenciar a documentação; pugnar a dilação de prazo seria ao menos uma sinalização de boa-fé, de colaboração processual. O que se torna inviável é invocar, como foi feito, a proteção de “moderna dogmática” doutrinária, dando a entender que a negativa de recebimento de documentos após a sentença tratar-se-ia de “filigranas estéreis” ou “formalismo excessivo”.

Não é. Seria, se também o recorrente tivesse agido de acordo com o processo civil colaborativo, dialético e sinérgico. Tendo passado três oportunidades sem apresentar um só documento, ou justificativa de demora, a preclusão se trata, em verdade, de um reforço do moderno processo civil, que há de encorajar os bons atores processuais e encampar com a preclusão a omissão, o silêncio injustificado após (1) o relatório inicial (fl. 82), (2) o parecer conclusivo (fl. 91) e  (3) a apresentação de alegações finais (fl. 93).

Ou seja, não procede a afirmação de que “o recorrente buscou de todas as formas esclarecer o que havia de aberto em suas contas”. Definitivamente, não.

Cerceamento de defesa não ocorrido. Afasto a preliminar.

Mérito

1. Da ilicitude das contribuições: impossibilidade de aplicação da Lei n. 13.488/17 aos cargos tidos como fonte vedada no ano de 2017. Valor de R$ 1.915,10.

O cerne da discussão é, em termos gerais, o alcance da expressão “autoridade pública”, elemento semântico presente na norma de regência, o original art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, apenas repetido pelo art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

A questão não é nova. Em 2007, o TSE assentou a interpretação do art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, e entendeu inviável a doação por detentores dos cargos demissíveis ad nutum, desde que tenham a condição de autoridades (Resolução n. 22.585/07, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. CEZAR PELUSO, Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, Página 172.)

Ora, a vedação sempre visou impedir a influência econômica daqueles que tenham ingerência nos órgãos públicos e, ainda, evitar possíveis manipulações da máquina pública em benefício de campanhas, conforme a doutrina (AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317).

Daí, nesta Corte, restou assentado configurarem recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia, como decidido no RE n. 60-88.2015.6.21.0022, Rel. Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, julgado em 30.8.2016.

No tocante à legislação aplicável, diversamente do pretendido pelo recorrente, as disposições trazidas pela Lei n. 13.488/17 não incidem sobre o caso.

Tratando-se de contas relativas ao ano de 2017, observam-se as prescrições normativas contidas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigentes ao tempo dos fatos, consoante estabelece o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015; e

(Grifei.)

Este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17, sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

E o TSE adota o mesmo entendimento: considerando tratar-se de direito material de natureza não penal e observando-se o princípio da irretroatividade, o dispositivo legal deve ser aplicado aos fatos ocorridos durante a sua vigência, segundo o princípio tempus regit actum, à luz do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 5079, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE:19.12.2018).

Dessarte, não se aplica ao feito, de forma retroativa, a alteração promovida pela Lei n. 13.488/17.

2. Valores de origem não identificada. Quantia de R$ 3.170,49.

No item, as razões recursais não conseguem demover as conclusões da sentença, apoiadas no item “e” do parecer conclusivo (fl. 86).

Há uma série de doações sem a menção do número do CPF do doador, e a ausência de documentação (extratos eletrônicos, por exemplo) é patente. São R$ 156,00 cujo doador indicado foi o próprio partido político recorrente, o que por si só é ilógico, pois inviabiliza a identificação real da origem do recurso, e outros R$ 3.014,49 que foram captados como receita em movimentações bancárias datadas de 24.01.2017 e 23.02.2017, totalizando R$ 3.170,49.

Das sanções

Em relação às sanções cabíveis, este Tribunal fixou os critérios a serem observados pelo Judiciário, em acórdão que restou assim ementado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. APLICAÇÃO DE MULTA DE 10% SOBRE O VALOR RECEBIDO INDEVIDAMENTE. ART. 37, CAPUT, DA LEI N. 9.096/95. ALEGADA DUPLA PENALIDADE. INEXISTENTE. EXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA SANÇÃO. FIXAÇÃO DAS SANÇÕES MEDIANTE DA ANÁLISE DE PARÂMETROS OBJETIVOS E DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DESPROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. Alegada dupla penalidade, decorrente da determinação de recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional e da multa aplicada. A devolução dos valores oriundos de fonte vedada é apenas consequência da própria irregularidade. As únicas penalidades impostas foram a suspensão do repasse do Fundo Partidário por seis meses e a aplicação da multa proporcional de 10% sobre o valor irregularmente recebido.

2. Necessidade do estabelecimento de parâmetros mínimos para a dosimetria da sanção em prestação de contas, como decorrência da segurança jurídica e isonomia de tratamento. Fixação da penalidade em duas etapas. Em um primeiro momento, a multa é estabelecida entre 0 e 20%, objetivamente, de acordo com o percentual do montante irregular frente ao total de recursos movimentados. Em um segundo momento, a penalidade pode ser majorada ou minorada, sempre mediante fundamentação, a depender das peculiaridades do caso, tais como, natureza da irregularidade, gravidade da falha, grau de prejuízo à transparência, reincidência nas mesmas irregularidades ou evidente boa-fé e empenho do prestador em esclarecer seus gastos. Parâmetros também a serem empregados na fixação da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário entre 01 e 12 meses.

3. Sentença exarada com observância aos parâmetros delineados, proporcional ao volume de irregularidades e às circunstâncias do caso.

4. Provimento negado. (TRE/RS, RE n. 25-06, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julg em 11.02.2019.) (Grifou-se.)

No caso sob exame, as receitas irregularmente recebidas somam o montante de R$ 5.085,59 (R$ 1.915,10 e R$ 3.170,49) e representam 17,94% do total arrecadado pela agremiação, de forma que o percentual da multa (5%) mostra-se proporcional em relação ao patamar máximo da sanção, que é de 20%.

Todavia, houve a fixação do tempo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em 1 (um) ano, nível máximo, o qual se mostra incompatível para a espécie. Entendo adequado o prazo de 2 (dois) meses, pois mais alinhado ao percentual da irregularidade frente ao total movimentado (17,94%), sob o postulado da proporcionalidade.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o prazo de suspensão de repasses oriundos do Fundo Partidário para 2 (dois) meses, mantendo-se a ordem de devolução ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.085,59, acrescido de multa de 5%.