RE - 805 - Sessão: 19/08/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou a prestação de contas anual do exercício financeiro de 2017, apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) do Município de Porto Alegre/RS, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta reais), acrescido de multa de 20%, em virtude do recebimento de recursos de fontes vedadas provenientes de autoridades (fls. 182-187).

Em suas razões, sustenta que a sentença desconsiderou os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da transparência das contas partidárias. Alega ter sido negada a vigência do inc. II do art. 68 da Resolução TSE n. 23.463/15. Postula a aprovação das contas, ainda que com ressalvas (fls. 192-200).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 210-213).

É o relatório.

VOTO

O recurso é regular, tempestivo, e comporta conhecimento.

Inicialmente, consigno que a Resolução TSE n. 23.463/15 é inaplicável ao feito, pois essa norma regulamenta apenas as prestações de contas da campanha eleitoral de 2017, enquanto o presente processo trata da contabilidade anual do partido, no exercício financeiro de 2017, regida pela Resolução TSE n. 23.464/15.

No mérito, as contas foram desaprovadas em virtude do recebimento de contribuição partidária de R$ 2.250,00, procedente de ocupante do cargo de diretor-geral junto ao Tribunal de Justiça Militar, considerado, portanto, fonte vedada de arrecadação para partidos políticos.

De fato, assiste razão à juíza a quo ao considerar o recurso irregular, pois o art. 12, inc. IV e seu § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 preveem a proibição do recebimento de valores provenientes de autoridades públicas, assim consideradas aquelas que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Entretanto, observa-se que as contribuições foram repassadas ao partido entre janeiro e novembro de 2017 por pessoa filiada à agremiação e ocupante de cargo de direção junto ao TJM/RS (fls. 27 e 152). Duas parcelas, no valor de R$ 250,00 cada, efetivadas em 1°.11.2017 e 29.11.2017, estão abrangidas pelas disposições da Lei n. 13.488/17.

A Lei n. 13.488/17 entrou em vigor no dia 06.10.2017, revogando a vedação absoluta às doações advindas de autoridades públicas ao incluir o inc. V no art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em exame, há um duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na administração pública, em decorrência da sucessão legislativa.

Relativamente às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as colaborações, ainda que provenientes de filiados a partidos políticos.

Contudo, se realizadas a partir de 06.10.2017, cumpre aplicar o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos. Com esse entendimento, os seguintes precedentes deste TRE:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. MÉRITO. RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES. IRREGULARIDADES QUE SOMAM O PERCENTUAL DE 9,86% DAS RECEITAS AUFERIDAS PELA GREI NO EXERCÍCIO FINANCEIRO EM ANÁLISE, POSSIBILITANDO O JUÍZO DE APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS AS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. É vedado aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades.

2. Inviável reconhecer a aduzida inconstitucionalidade do art. 65, inc. III, da Resolução TSE n. 23.546/17 por mostrar-se incompatível com o art. 60, § 4º, inc. III, da Constituição Federal. Embora o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 13.488/17, considere regular as doações realizadas por autoridades públicas com vínculo partidário, essa regra alcança, tão somente, as doações efetuadas após a data da sua publicação, qual seja, 06.10.2017, não sendo aplicável a todo o exercício financeiro de 2017. Incidência da legislação vigente à época em que efetivadas as doações por autoridades públicas.

3. Irregularidades que somam o percentual de 9,86% da totalidade das receitas arrecadadas pela agremiação no exercício financeiro em análise, possibilitando o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, igualmente adotada no âmbito deste Tribunal.

4. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e afastadas as penalidades de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário e de multa.

5. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas. (TRE-RS, RE n. 1526, Rel. Desa. Marilene Bonzanini, DEJERS 17.5.2019.) (Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. REJEITADA. IRRETROATIVIDADE DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS DETENTORAS DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO ENTRE DETENTORES DE MANDATO ELETIVO E OCUPANTES DE CARGOS DE CHEFIA OU DIREÇÃO. RETIFICADA A QUANTIA A SER RECOLHIDA AO TESOURO NACIONAL. REDUZIDOS O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO E O PERCENTUAL DA MULTA APLICADA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Alegada inconstitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original. Os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso, seja em controle concentrado. Na hipótese, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

2. Identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia. No caso dos autos, aplicado duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na administração pública, em decorrência da sucessão legislativa. Em relação às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, devem ser observadas a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos e as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições provenientes de autoridades, independentemente de serem ou não filiados ao partido donatário. Contudo, em relação às doações realizadas a partir daquela data, cumpre aplicar a nova redação, que ressalta a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados.

3. Esta Corte assentou entendimento pela impossibilidade de equiparação entre os detentores de mandatos políticos e os ocupantes de cargos comissionados de chefia ou direção, uma vez que somente estes últimos podem figurar como instrumento do aparelhamento financeiro dos partidos, sendo taxativamente considerados fonte proscrita de receita pela norma eleitoral.

4. Irregularidade que representa 36,5% do total de recursos arrecadados no exercício, não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Penalidades. Mantida a desaprovação das contas. Retificada a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional. Reduzidos o período de suspensão das quotas do Fundo Partidário para 4 meses e a multa a ser aplicada para o índice de 7% da quantia irregular.

6. Provimento parcial. (TRE-RS, RE n. 2368, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DEJERS 17.5.2019.) (Grifei.)

Dessa forma, as duas contribuições, que somam R$ 500,00, devem ser abatidas do total arrecadado de fonte vedada, R$ 2.250,00, alcançando-se o montante de R$ 1.750,00.

Contudo, o valor irregularmente recebido representa 2,1% da receita de R$ 82.397,72 arrecadada no exercício financeiro (fl. 151), e em hipóteses como a dos autos esta Corte tem entendido pela aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, concluindo ser possível a aprovação das contas com ressalvas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES PÚBLICAS. IRRETROATIVIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 13.488/17. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A SANÇÃO DE MULTA E A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Desaprovação das contas da agremiaçao em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum. Escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, da legislação vigente à época do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas, alinhando-se ao entendimento consolidado por esta Corte e na esteira da jurisprudência do TSE.

2. Irrelevante o argumento de o cargo ocupado por autoridade ser em governo administrado por integrante de partido adversário. Recebida a doação de servidor que se enquadre na categoria de autoridade pública, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/2015, aplicável ao exercício em análise, incide o caráter objetivo da norma, sem espaço para eventual análise subjetiva.

2. Valores irregularmente recebidos que representam 2,83% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro. Aplicados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastadas a sanção de multa sobre a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional e a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

3. Parcial provimento. (Recurso Eleitoral n 5482, ACÓRDÃO de 11.4.2019, Relatora MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 22.4.2019.)

Tal circunstância não afasta a devolução ao Tesouro Nacional do valor indevidamente recebido, conforme estabelece o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, afastando-se apenas a aplicação da multa, pois a penalidade é cabível somente nos casos de desaprovação.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, afastando a penalidade de multa cominada na sentença e determinando o recolhimento da quantia de R$ 1.750,00 (um mil, setecentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

DECISÃO:

Após o voto do relator, pediu vista o Des. Federal Thompson Flores. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.