RE - 9777 - Sessão: 05/08/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PODEMOS (PODE) de Passo Fundo contra sentença do Juízo da 33ª Zona Eleitoral, que julgou não prestadas as contas da aludida agremiação, relativas ao exercício financeiro de 2017, e determinou a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, assim como a suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário, até que ocorra a regularização da situação (fls. 44-46).

Em sua irresignação (fls. 55-66), o recorrente afirma que o Presidente e o Tesoureiro apenas emprestaram seus nomes à legenda, nunca tendo exercido os respectivos cargos. Assevera que o partido não tinha CNPJ, fato que impedia o cadastramento de novos dirigentes no SGIP, e que, por não ter o contato dos ocupantes dos cargos de Presidente e Tesoureiro, não houve modo de apresentar as contas pelo SPCA. Junta ao recurso declaração assinada pelos dirigentes partidários de que não houve movimentação financeira no exercício de 2017. Sustenta que, apesar da tentativa de regularizar a situação, a sentença de contas não prestadas impossibilita a obtenção de CNPJ, criando-se em um círculo vicioso, visto que não possui legitimidade para requerer tal providência perante as autoridades competentes. Requer, ao final, a reforma da sentença.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou pelo parcial provimento, para, mantendo o julgamento das contas como não prestadas e a proibição de recebimento de recursos do Fundo Partidário, afastar a determinação de suspensão do registro ou anotação do órgão de direção municipal (fls. 82-84).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, anoto que, por força do que dispõe o art. 65, § 3º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.546/17, em relação ao exercício de 2017, ora examinado, devem ser aplicadas, quanto ao mérito, as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464/15.

Nos termos do art. 28 da Resolução TSE n. 23.464/15, incumbe ao partido político, em todas as esferas de direção, apresentar a sua prestação de contas à Justiça Eleitoral anualmente, até 30 de abril do ano subsequente. O dispositivo também explicita, em seu § 2º, que a prestação de contas é obrigatória, ainda que ausente o recebimento de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro.

Em que pese à notificação da legenda e de seus dirigentes para apresentar as contas, sob pena de serem julgadas não prestadas, quedaram-se inertes.

Embora antes do julgamento tenha sido acostada aos autos declaração de ausência de movimentação financeira, não foi recebida pela magistrada a quo, tendo em vista que o subscritor não constava no Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias – SGIP, vale dizer, não possuía legitimidade para falar em nome da grei partidária.

Sobreveio sentença julgando as contas do PODEMOS (PODE) de Passo Fundo como não prestadas, com fundamento no art. 46, inc. IV, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.464/15, cuja redação transcrevo:

Art. 46. Compete à Justiça Eleitoral decidir sobre a regularidade das contas partidárias, julgando:

(...)

IV – pela não prestação, quando:

a) depois de intimados na forma do art. 30 desta resolução, o órgão partidário e os responsáveis permanecerem omissos ou as suas justificativas não forem aceitas; ou

(...)

O recorrente, em suas razões, descreve um quadro de dificuldades internas para tentar justificar a omissão do dever de prestar contas que, entretanto, não tem o condão de modificar o veredito.

Ora, o fato de não possuir CNPJ não inviabiliza a alteração da nominata executiva do órgão partidário no SGIP. Se a intenção era designar novos dirigentes, poderia ter estabelecido contato com o Diretório Estadual, o qual detém capacidade para promover a alteração.

Outrossim, o julgamento das contas como não prestadas não impossibilita a obtenção de CNPJ.

Não há, portanto, que se falar em círculo vicioso.

Quanto à declaração de inexistência de movimentação financeira juntada ao recurso, não se mostra hábil a modificar nesta instância o julgamento das contas como não prestadas. Por outro lado, alerto que pode embasar a regularização da situação de inadimplência, após o trânsito em julgado, perante o juízo a quo, nos termos do art. 59 da multicitada resolução.

Assim, deve ser mantido o julgamento das contas como não prestadas, com a sanção de impedimento de recebimento de quotas do Fundo Partidário até que seja regularizada a situação, nos termos do art. 48, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15, litteris:

Art. 48. A falta de prestação de contas implica a proibição de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário, enquanto não for regularizada a situação do partido político.

De outra banda, é de ser reformada a sentença no tocante à suspensão do registro ou da anotação do órgão de direção municipal do PODEMOS (PODE) de Passo Fundo, na esteira da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, contudo por fundamento diverso do invocado no parecer ministerial.

Explico.

O Parquet Eleitoral opina pelo afastamento da sanção, tendo em vista que essa passou a ser prevista somente pela Resolução TSE n. 23.546/17, aplicável ao exercício de 2018 e seguintes.

Entrementes, a sanção de suspensão do diretório partidário, embora não contemplada na Resolução TSE n. 23.464/15, constava expressamente no art. 42 da Resolução TSE n. 23.465/15, a qual, na época, disciplinava a criação, organização, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, litteris:

Art. 42. Será suspenso o registro ou a anotação do órgão de direção estadual ou municipal que tiver suas contas partidárias julgadas como não prestadas, até que seja regularizada a situação.

Parágrafo único. A desaprovação das contas partidárias apresentadas à Justiça Eleitoral não enseja a suspensão de que trata este artigo (Lei nº 9.096, art. 32, § 5º).

Logo, havia fundamento jurídico para a aplicação da suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário estadual ou municipal que deixasse de prestar contas referentes ao exercício de 2017.

Saliento que o Tribunal Superior Eleitoral, na apreciação de pedidos que visavam à revogação ou à suspensão do caput do dispositivo acima transcrito, os indeferiu, assentando que traz efetividade ao comando constitucional que impõe a obrigação de o órgão partidário prestar contas à Justiça Eleitoral e somente perdura até que a situação seja regularizada:

PETIÇÃO. PARTIDOS POLÍTICOS. ART. 42, CAPUT, DA RES.-TSE N° 23.465. PEDIDOS. REVOGAÇÃO OU SUSTAÇÃO DO DISPOSITIVO. INDEFERIMENTO.

1. A transmissão dos dados pelos órgãos partidários por meio do Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED)atende às disposições emanadas da Secretaria da Receita Federal e às regras que tratam dos processos judiciais.

Consoante dispõe o art. 17, III, da Constituição da República, os Partidos Políticos são obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral.

A disposição contida no art. 42 da Res.-TSE n° 23.465, ao prever que "será suspenso o registro ou a anotação do órgão de direção estadual ou municipal que tiver suas contas partidárias julgadas como não prestadas", não é inovadora no âmbito deste Tribunal, pois dispositivo semelhante já constava da Res.-TSE n° 23.43212014.

As hipóteses de desaprovação de contas e de julgamento destas como não prestadas não se confundem. Na primeira, por disposição legal, o registro dos órgãos partidários não pode ser suspenso (Lei n° 9.096/95, arts. 31, § 51, e 37, caput c.c § 20). No entanto, a ausência de prestação de contas é motivo de

extinção do partido político (Lei n° 9.096/95, art. 28, III) e implica a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário enquanto perdurar a inadimplência e sujeita seus responsáveis às penas da lei (Lei n° 9.096/95, art. 37-A).

A situação de inadimplência dos órgãos partidários que não prestam contas à Justiça Eleitoral somente se caracteriza quando as contas são julgadas como não prestadas em processo judicial que se inicia com a intimação dos órgãos partidários e seus responsáveis para suprir a omissão, e, mesmo após a decisão judicial, a agremiação pode requerer a regularização da sua situação de inadimplência, nos termos da Res.-TSE nº 23.464/2015.

O art. 42 da Res.-TSE n° 23.465 traz efetividade ao comando constitucional que impõe a obrigação de o órgão partidário prestar contas à Justiça Eleitoral e somente perdura até que a situação seja regularizada. A transitoriedade da inadimplência depende exclusivamente do respeito à obrigação constitucional de prestar contas.

Pedidos indeferidos.

(TSE, Processo n. 750-72.1995.6.00.0000, Inst n. 3/DF. Relator Ministro Henrique Neves da Silva, julgado em 31.5.2016, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico de 30.6.2016, pp. 34-36.)

Posteriormente, a Resolução TSE n. 23.465/15 veio a ser derrogada pela Resolução TSE n 23.571/18, a qual, também em seu art. 42, reproduziu textualmente a redação do dispositivo revogado.

A razão de ser imperativo o afastamento da suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário reside no fato de o Supremo Tribunal Eleitoral, recentemente, na ADI n. 6.032, ter decidido pela impossibilidade de sua aplicação automática nos casos de julgamento de contas não prestadas, como ocorrido no caso vertente.

O Ministro Gilmar Mendes, em decisão proferida em 16.5.2019 e publicada no DJE de 20.5.2019, deferiu medida cautelar, ad referendum do Plenário, para conferir interpretação, conforme à Constituição, às normas do art. 47, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14; do art. 48, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17; e do art. 42, caput, da Resolução TSE n. 23.571/18, “afastando qualquer interpretação que permita que a sanção de suspensão do registro ou anotação do órgão partidário regional ou municipal seja aplicada de forma automática, como consequência da decisão que julga as contas não prestadas, assegurando que tal penalidade somente pode ser aplicada após decisão, com trânsito em julgado, decorrente de procedimento específico de suspensão de registro, nos termos do art. 28 da Lei 9.096/1995”.

Aqui, cumpre assinalar que a omissão na prestação de contas permanece constituindo-se em fato gerador para a suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário estadual ou municipal. O que se encontra vedado pela decisão do Supremo Tribunal Federal é a imposição automática de tal penalidade, como consequência do julgamento de contas não prestadas, sem que haja decisão advinda de procedimento específico, no qual assegurada à grei partidária ampla defesa.

Assim, tendo em vista a referida decisão do Pretório Excelso, dotada de eficácia erga omnes, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei n. 9.868/99, há de ser afastada a penalidade de suspensão do registro ou da anotação imposta ao PODEMOS (PODE) de Passo Fundo, em virtude da aplicação, pelo juízo a quo, de forma automática, como corolário do julgamento das contas como não prestadas.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a determinação de suspensão do registro ou da anotação do órgão partidário municipal.