RE - 1088 - Sessão: 24/01/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PROGRESSISTAS (PP) de CAPÃO do CIPÓ/RS contra sentença que julgou desaprovadas suas contas do exercício financeiro de 2017, em razão do recebimento de recursos de fontes vedadas, oriundos de doações de servidores públicos municipais ocupantes de funções de direção ou chefia, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 10.005,25 (dez mil e cinco reais e vinte e cinco centavos), acrescido de multa de 5%, nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, bem como a suspensão do repasse de recursos do Fundo Partidário pelo período de 04 meses.

Em suas razões (fls. 223-231), a agremiação sustenta a retroatividade da lei mais benéfica (Lei n. 13.488/17), cujo teor alterou a redação do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95 de forma a tornar regulares as doações efetuadas por ocupantes de cargo de chefia ou direção filiados ao partido. Requer o abatimento das doações feitas pelos assessores (R$ 1.981,00) do total considerado irregular, bem como o redimensionamento da penalidade de suspensão de repasse do Fundo Partidário para o período de 01 (um) mês.

Em parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita, preliminarmente, a inconstitucionalidade incidental do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, acrescentado pela Lei n. 13.831/19, opina pelo parcial provimento do recurso, para a exclusão da importância de R$ 2.327,00 do montante a ser recolhido e a manutenção da suspensão do Fundo Partidário no patamar de 4 (quatro) meses (fls. 258-272).

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita a inconstitucionalidade do art. 55-D, incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831/19, na data de 19.6.2019, oriundo da derrubada do veto do Presidente da República, com o seguinte teor:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

Com efeito, na sessão do dia 19.8.2019, foi apreciado o tema no RE 35-92.2016.6.21.0005 (Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS 23.8.2019), sendo reconhecida, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18.

1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

Assim, acolho a preliminar de reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando sua aplicação ao caso concreto.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em decorrência do recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas, no valor total de R$ 10.005,25 (fls. 217-219), considerando regulares as doações ocorridas a partir de 06.10.2017, aplicando o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários advindos de detentores de cargos de livre nomeação e exoneração quando filiados ao partido político.

Dessarte, são passíveis de análise apenas as contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, em relação às quais deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as doações ainda que provenientes de filiados a partidos políticos.

Por outro lado, em suas razões, o recorrente sustenta a aplicação da nova Resolução TSE n. 23.546/17, por força do que estabelece o art. 65, § 1º, do mesmo diploma.

Sem razão. O preceito mencionado é expresso em restringir a incidência das disposições processuais previstas na nova resolução aos exercícios de 2009 e seguintes que ainda não tenham sido julgados.

Tratando-se de contas relativas ao exercício de 2017, quanto ao mérito, as irregularidades e impropriedades verificadas devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigente ao tempo dos fatos, conforme estipula o inc. III do § 3º do art. 65 da Resolução TSE n. 23.546/17.

Em sequência, o órgão partidário invoca a aplicação retroativa do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, para que, com fundamento no princípio da retroatividade da lei mais benéfica, incida também sobre as doações realizadas anteriormente a 06.10.2017.

Quanto ao tema, observo que este Tribunal se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, colaciono o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. El. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifo nosso.)

Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem ser aquelas vigentes no momento em que foram arrecadados os recursos.

Fixado o regime jurídico incidente à espécie, é incontroverso que os aludidos doadores se inserem no conceito de “autoridade pública” previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedava, de forma irrestrita, os auxílios pecuniários ofertados aos diretórios por pessoas físicas, filiadas ou não a partidos políticos, que exercessem cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Contudo, procede o pedido do recorrente de subtração do valor de R$ 1.981,00, pois proveniente de titulares de cargo de assessoria, conforme tabela constante no recurso, exame das contas das fls. 115-117 e documentos das fls. 178-207. Assim, o valor irregular é de R$ 8.024,25 (R$ 10.005,25 – R$ 1.981,00).

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, não representa propriamente uma sanção, mas um consectário normativo cujo escopo é garantir a efetividade da proibição do aporte de recursos de fontes vedadas, os quais, se recebidos, não devem permanecer no patrimônio da agremiação, razão pela qual não comporta reforma.

Outrossim, diante da representatividade do montante proveniente de fontes vedadas, equivalendo a 53,28% dos recursos arrecadados no exercício (R$ 8.024,25 do total de R$ 15.061,25), deve ser mantida a desaprovação das contas, não sendo viável a aplicação dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade.

Em relação à multa fixada na sentença (5%) e ao período da suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário (4 meses), tenho que devem permanecer, pois atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerado o elevado percentual da falha frente ao montante movimentado pela agremiação (53,28%).

Por derradeiro, é de ser mantido o parcelamento deferido perante o juízo a quo.

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento da preliminar de inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando sua aplicação no caso concreto; e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso, reduzindo para R$ 8.024,25 o valor irregular a ser recolhido ao Tesouro Nacional, perdurando os demais termos da sentença.