RC - 3072 - Sessão: 11/06/2019 às 13:00

VOTO-VISTA

Submeto à apreciação o presente voto-vista, proferido em recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a decisão que indeferiu o pedido ministerial de instauração de incidente de insanidade mental da acusada PATRÍCIA CRUZ ARAÚJO, nos autos de ação penal que apura a suposta prática dos crimes de boca de urna e de divulgação de propaganda na data da eleição (art. 39, § 5º, incs. II e III, da Lei n. 9.504/97), sob o fundamento de que a interdição civil não deixa margem de dúvida acerca da incapacidade da ré (fl. 28).

Na sessão de 04 de junho de 2019, o ilustre relator, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, votou pelo não conhecimento do recurso, com fundamento na irrecorribilidade da decisão, e apontou que a interposição do apelo não observou o procedimento especial previsto no art. 266 Código Eleitoral.

Em judiciosas razões, o voto condutor traz profunda análise sobre a sistemática processual penal vigente e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, invocando precedentes do STJ, TJ/RS e TRF/4 no sentido da irrecorribilidade da decisão que indefere requerimento de instauração de insanidade mental.

Além disso, referiu que, conforme pacífico entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, no processo penal eleitoral deve ser respeitada a regra estabelecida no art. 266 do Código Eleitoral, segundo a qual a interposição do recurso é realizada por intermédio de petição devidamente fundamentada, ou seja, com apresentação das razões, mas que o recorrente adotou a forma prevista no art. 600 do CPP, oferecendo as razões recursais somente após ser intimado pelo juízo eleitoral.

A seguir, o revisor do processo, Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, prolatou voto divergente, trazendo aquilatada conclusão pela possibilidade de conhecimento do apelo com fundamento no inc. II do art. 593 do CPP, que prevê o cabimento de apelação contra decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas pelo juiz singular do processo penal.

Apontou, ainda, a necessidade de regularização da representação processual da recorrida, diante da ausência de instrumento de curatela nos autos.

Pedi vista do processo para melhor examinar o feito e refletir sobre o problema controvertido, atinente à recorribilidade da decisão judicial que indefere a instauração do incidente de insanidade no processo penal.

Conforme demonstra o entendimento jurisprudencial colacionado no voto condutor, é da competência discricionária do juiz processante aferir a necessidade da instauração do incidente de insanidade, nos termos do art. 149 do Código de Processo Penal.

Cabe ao magistrado determinar a realização de exame de sanidade somente quando houver dúvida razoável acerca da integridade mental do acusado, sendo-lhe facultado, dentro de seu prudente arbítrio, o indeferimento de perícias desnecessárias ou daquelas que não sejam indispensáveis ao esclarecimento da verdade.

Tal pronunciamento judicial tem natureza não terminativa (ou interlocutória simples), característica que afasta eventual preclusão pro iudicato, podendo a decisão ser revista em qualquer fase do processo, inclusive pelo juiz que a proferiu, motivo pelo qual não é atacável por recurso de apelação, dado não se tratar de decisão definitiva ou com força de definitiva.

Confira-se, a propósito, a lição doutrinária:

[...] Indeferimento da instauração do incidente: não há recurso. Eventualmente, tratando-se de hipótese teratológica (ex.: acusado nitidamente doente), pode ser impetrado habeas corpus.

(Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT. 2014, p. 356)

 

Não há previsão de recurso em relação ao deferimento ou indeferimento do requerimento de instauração do incidente. Todavia, compreende-se que o indeferimento injustificado ou em desprezo a circunstâncias capazes de, objetivamente, permitirem ao homem médio o questionamento quanto á condição mental do sujeito ativo da infração, assim como o deferimento realizado em afronta à lei processual penal [...] ensejam a impetração de habeas corpus ou de mandado de segurança [...], sem prejuízo da possibilidade de ser usada, em vez destas alternativas, a própria correição parcial, na hipótese de flagrante ilegalidade da decisão. (Avena, Norberto. Processo Penal Esquematizado - 6ª ed. São Paulo: Método, 2014. p. 426.)

Quanto à natureza da decisão recorrida, colho na doutrina de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

São consideradas definitivas (lato sensu) as resoluções de mérito que encerram o processo, diversas das sentenças condenatórias e absolutórias previstas no inc. I.

Na linguagem do Código, consideram-se decisões com força de definitivas as que solucionam procedimentos e processos incidentais, as terminativas (que encerram o processo sem julgamento do mérito) e, ainda, como sucede agora com a Lei n. 9.099/95, as decisões que determinam de forma definitiva a suspensão condicional do processo. [...]

As decisões do juiz singular que não se enquadrem nos incs. I e II do art. 593, CPP, não admitem apelação. Se não for também cabível recurso em sentido estrito (art. 581), serão, em regra, irrecorríveis. (Recursos no Processo Penal, Teoria Geral dos Recursos, 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 101).

E acrescento a lição de Eugênio Pacelli de Oliveira:

As decisões com força de definitivas (item 13.2.2), tal como as sentenças, apreciam o mérito, com uma diferença, porém: julgam o mérito não da pretensão punitiva, mas de questões e/ou processos incidentes.

(Curso de Processo Penal. São Paulo: Del Rey, 2002, p. 695.)

No presente caso, não houve decisão de mérito acerca de processo incidental, pois o indeferimento de instauração do incidente foi proferido nos autos da ação penal, sendo o ato insuscetível de recurso fundado no inc. II do art. 593 do CPP.

Dessa forma, pedindo vênias ao entendimento divergente, alinho-me ao posicionamento do ilustre relator no sentido de que a decisão de indeferimento do exame de insanidade mental não desafia recurso de apelação, podendo ser deduzido o inconformismo apenas como preliminar de tal recurso, depois de prolatada a sentença, ou, excepcionalmente, pela via do habeas corpus, sob alegação de constrangimento ilegal e cerceamento de defesa em prejuízo da acusada.

Por fim, anoto, conforme bem verifica o ilustre revisor, Des. Eleitoral Roberto de Carvalho Fraga, que, quando da baixa dos autos à origem, a defesa da recorrida deve ser intimada a regularizar a representação processual, suprindo a ausência de instrumento de curatela aos autos.

À luz de tais ponderações, acompanho o relator, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, quanto à questão preliminar, entendendo ser irrecorrível a decisão indeferitória da instauração de incidente de insanidade mental, e, nos termos do apontamento feito pelo revisor, Des. Eleitoral Roberto de Carvalho Fraga, considero deva ser regularizada a representação processual da recorrida, nos termos da fundamentação.

 

Des. Federal João Batista Pinto Silveira:

Acompanho o Relator.

 

Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler:

Acompanho o Relator.