RE - 43125 - Sessão: 17/06/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo Diretório Municipal do MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Três Coroas contra sentença (fls. 551-555) do Juízo da 149ª Zona Eleitoral de Igrejinha, que desaprovou as contas de campanha do partido político, referentes às eleições de 2016, em virtude da obtenção de recursos de fonte vedada, bem como determinou a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de doze meses.

O processo teve a primeira sentença anulada por este Tribunal, devido à falta de citação dos dirigentes partidários (fls. 526-529v.), e é trazido, novamente, para exame do recurso após prolação de novo decisum.

Em suas razões recursais, o partido afirmou que os repasses realizados pela Associação dos Servidores Municipais de Três Coroas – ASMUTC não devem ser caracterizados como doação de pessoa jurídica. Esclareceu que referida associação “tinha o papel de mera repassadora de valores”. Sustentou, ademais, que não se enquadram no conceito de autoridade pública as doações realizadas por (a) servidores, em razão de não exercerem, em sua maioria, cargo de comando, ainda que sob a nomenclatura de “chefe”, “supervisor”, “assessor”, “coordenador” e “diretor”; e (b) prefeito e vice, por se tratar de agentes políticos. Requereu aprovação das contas ou, subsidiariamente, a aprovação com ressalvas (fls. 563-567).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que entendeu superada a discussão sobre a regularidade das doações recebidas por intermédio da ASMUTC, uma vez que houve o reconhecimento da ilicitude dos referidos valores no julgamento da prestação de contas de exercício 2016 da agremiação, já havendo determinação, naqueles autos, o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional. Opinou, por fim, pelo desprovimento do recurso (fls. 577-579).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada via nota de expediente no DEJERS, em 05.11.2018 (fl. 557), e a peça recursal protocolizada em cartório no dia seguinte, 06.11.2018, terça-feira (fl. 563), sendo, portanto, tempestivo o recurso. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Cuida-se de recurso interposto contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha do partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Três Coroas, referentes às eleições de 2016, determinando a suspensão do recebimento do Fundo Partidário pelo período de doze meses, nos termos do art. 68, §§ 3º e 5º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

De acordo com a conclusão do examinador técnico na origem, adotada na sentença, a agremiação recebeu doações realizadas pela ASMUTC, mediante onze transferências e um depósito em dinheiro no valor total de R$ 59.215,16.

Pois bem.

Esclareço, desde logo, o modus operandi utilizado pelo partido para arrecadar recursos, qual seja, a realização de convênio com a referida associação, a qual recebeu os valores descontados em folha dos servidores públicos e repassou para a grei.  Coube ao órgão partidário, por sua vez, obrigar todos os contribuintes a associarem-se à ASMUTC (fls. 108-110).

Tal esquema levou a Magistrada de origem a entender como ilícitos os valores recebidos, ao fundamento de que a associação seria uma entidade de classe constituída sob a forma de pessoa jurídica, afrontando o art. 25, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, que versa:

Art. 25. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – pessoas jurídicas; [...]

Por oportuno, transcrevo parte da referida sentença (fl. 554):

Os documentos acostados aos autos e a análise da prestação de contas do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB de Três Coroas comprovam que houve recebimento de recursos provenientes de fonte vedada, nos termos do art. 25, I e § 1º, da Resolução TSE 23.463/2015, já que a Associação dos Servidores Municipais de Três Coroas - ASMUTC, que possui inscrição no CNPJ sob nº 94.724.325/0001-60, é a entidade de classe que representa os servidores municipais de Três Coroas, como o próprio nome já indica, além de ser pessoa jurídica sem fins lucrativos. Inclusive, o próprio PMDB considera a ASMUTC como a entidade de classe que representa os servidores municipais de Três Coroas, tanto é que assinou o Convênio nº 01/2009 com a associação como forma de receber dos servidores detentores dos cargos de confiança e funções gratificadas associados o valor correspondente à contribuição mensal do partido político (fls. 108 a 110). (Grifei.)

O MDB, por sua vez, defendeu que o convênio firmado com a associação tem por objeto o desconto em folha de contribuição mensal devida ao partido da remuneração dos associados detentores de cargos de confiança e funções gratificadas na municipalidade. Arguiu que as doações não são provenientes do patrimônio da pessoa jurídica, mas dos mencionados associados. Assim, a entidade seria mera intermediária no recolhimento e repasse das contribuições.

Nesse contexto, não socorre o recorrente a alegação de que as quantias pertenciam às pessoas físicas, uma vez que o parecer técnico conclusivo apontou a existência das doações como provenientes de pessoas jurídicas, identificadas na prestação de contas mediante o CNPJ do próprio partido.

Nesse sentido, restam comprovadas nos autos, pelo cruzamento de informações presentes nas contas eleitorais com as constantes nas partidárias dos exercícios 2015 e 2016, irregularidades quanto à movimentação de valores provenientes de fonte proibida pelas normas eleitorais.

Quanto ao ponto, ainda, ressalto a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que a contribuição financeira realizada por pessoas físicas deve consistir em ato de liberalidade a ser exercido livre e espontaneamente pelo doador, diretamente para os cofres do partido de sua predileção política.

Diante disso, a intermediação efetuada pela ASMUTC impede a Justiça Eleitoral de fiscalizar a identidade dos doadores originais e os valores realmente empregados.

Ressalto, contudo, como observado pela Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 578), que a discussão trazida pela grei partidária sobre a regularidade das doações recebidas por meio da ASMUTC encontra-se superada, vez que esses recursos eram oriundos da conta de exercício da agremiação, sendo transferidos para as contas de campanha, sendo que já ocorreu o julgamento da prestação de contas do exercício de 2016 (processo n. 12-68.2017.6.21.0149), onde houve o reconhecimento da ilicitude.

Dessa forma, o montante em análise, quando transitado entre as contas, carregou consigo o vício da ilicitude. Como bem assinalado no parecer conclusivo (fl. 465), se a fonte dos recursos partidários são decorrentes de fonte vedada, sua transferência à conta de campanha não retirará sua vedação.

Como visto, o valor de R$ 59.215,16, registrado no parecer conclusivo à fl. 464, já foi objeto de análise em sede de prestação de contas do exercício 2016, tido como ilícito por infringência ao art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, por vedar o recebimento, pelos partidos políticos, sob qualquer forma ou pretexto, de importância oriunda de pessoa jurídica.

À vista disso, destaco a ementa do acórdão proferido no julgamento da prestação de contas anual, exercício 2016, do recorrente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. ASSOCIAÇÃO DE SERVIDORES. PESSOA JURÍDICA. DÍZIMO PARTIDÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 12, INCS. II E IV, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. REFORMA DA SENTENÇA APENAS PARA REDUZIR O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA SEIS MESES. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa. Inexistência de previsão legal para a realização de audiência de oitiva de testemunhas em processo de prestação de contas partidária, cuja instrução e análise possui viés estritamente técnico e documental. Adequado o indeferimento da oitiva pretendida, com esteio no art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, visto que ausente qualquer fundamento fático demonstrando a imprescindibilidade da colheita da prova para o esclarecimento da questão.

2. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. Doações provenientes de detentores de cargos demissíveis ad nutum e de associação de servidores enquadrada como pessoa jurídica, em infringência ao art. 12, incs. II e IV, da Resolução TSE n. 23.464/15.

3. É irregular a doação partidária mediante desconto automático e compulsório, o chamado “dízimo partidário”, máxime quando subtraído da remuneração de servidores ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança na Administração Pública.

4. A contribuição financeira realizada por pessoas físicas deve consistir em ato de liberalidade a ser exercido espontaneamente pelo doador diretamente para os cofres do partido de sua predileção política. A intermediação na obtenção de receitas pelos diretórios partidários impede a formalização escorreita das contas dentro dos ditames normativos, dificultando a ação fiscalizatória da Justiça Eleitoral no rastreamento e na identificação dos doadores originais e dos valores efetivamente despendidos.

5. Irregularidade grave, que envolve montante expressivo arrecadado a partir da conta de pessoa jurídica de direito privado, correspondente a cerca de 78% das receitas no exercício, impondo-se a desaprovação das contas.

6. Recolhimento do valor impugnado ao Tesouro Nacional. Aplicação da penalidade de multa de 5% sobre o montante irregular. Redução do período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para seis meses.

7. Provimento parcial.

(RE n. 1268, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann. Data do julgamento: 19.11.2018.)

Dessarte, não merece acolhida a argumentação no sentido de afastar o reconhecimento da obtenção de recursos advindos de pessoa jurídica, caracterizada como irregularidade de natureza insanável que, por si só, impõe a desaprovação das contas.

Em relação às penalidades aplicadas, a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário foi fixada pela sentença em doze meses, período máximo previsto na legislação de regência.

O entendimento esposado por este Tribunal é idêntico ao adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que utiliza os parâmetros da razoabilidade em cada caso concreto para verificar a adequação da penalidade.

Na hipótese em tela, sem se olvidar da gravidade da irregularidade detectada, o período de suspensão pode ser mitigado conforme os parâmetros da razoabilidade, comportando adequação da pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário de um ano para 08 (oito) meses, considerado o percentual final de 70,23% sobre o total arrecadado pela grei partidária e os parâmetros adotados pelo TSE para sancionar as irregularidades cometidas pelas agremiações.

Quanto ao recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, a sua determinação é consequência específica do aporte de recursos de fonte vedada, como se extrai do art. 24, § 4º, da Lei n. 9504/97, conforme transcrição abaixo:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

§ 4º O partido ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional. (Grifei.)

Sobre o tópico, a jurisprudência do TSE consolidou o entendimento de que essa determinação não constitui sanção por infração às obrigações legais, mas mera decorrência da proibição da utilização de tais recursos (AgR-REspe n. 1224-43/MS, rel. Min. HENRIQUE NEVES, DJE de 05.11.2015).

Ressalta-se que, conforme já exposto, houve o julgamento das contas anuais do partido, oportunidade em que se determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do mesmo valor discutido nos presentes autos (RE n. 12-68.2017.6.21.0149 - Protocolo no SADP n.175802017).

Assim, sob pena de injusto bis in idem, despicienda a imposição judicial de recolhimento do valor irregular nestes autos, (…) de modo que o valor seja transferido ao Tesouro Nacional uma única vez, evitando-se a repetição da ordem de recolhimento da mesma quantia, por fato idêntico, (...) (PC 220183, Relatora Desa. Eleitoral Liselena Schifino Robles Ribeiro. Data do julgamento: 04.12.2014; PC 154966, Relator Des. Eleitoral Luiz Felipe Brasil Santos. Data do julgamento: 26.5.2015 e PC 174706, Relator Des. Eleitoral Paulo Afonso Brum Vaz. Data do julgamento: 15.09.2015).

Portanto, dentro de todo esse contexto, a reforma parcial da sentença é medida que se impõe.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Três Coroas, tão somente reduzir a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para oito meses, deixando de aplicar a determinação de transferência ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 59.215,16, nos termos da fundamentação.