RE - 1666 - Sessão: 11/06/2019 às 13:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA (PP) de Santiago e pelos dirigentes partidários JÚLIO CESAR VIERO RUIVO e JOÃO OTÁVIO BIERMANN PINTO contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, determinando a devolução ao Tesouro Nacional da quantia recebida de fontes vedadas, acrescida de multa de 5%, totalizando o montante de R$ 96.142,00, e a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 5 meses.

A primeira sentença proferida no feito foi anulada por este Tribunal pelo acórdão das fls. 396-398v., em virtude da falta de intimação das partes para oferecimento de defesa quanto ao parecer técnico pela desaprovação das contas.

Após a baixa dos autos e prolação de nova sentença reprovando as contas, recorrem os interessados, sustentando que a norma aplicável ao exercício financeiro objeto da presente prestação de contas, Resolução TSE n. 23.432/14, não prevê a fixação de multa em caso de determinação de recolhimento de valores ao erário, sanção que postulam seja afastada pelo Tribunal. Afirmam que as contribuições impugnadas pelo juízo a quo foram recebidas sem má-fé, no raciocínio de que não partiam de autoridades públicas. Apontam que o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional compromete a continuidade da agremiação, a qual não terá condições de honrar seus compromissos. Demandam a aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, com fundamento no princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Colacionam jurisprudência e ponderam que uma das doadoras que alcançaram valores ao partido é Procuradora-Geral municipal, circunstância que a descaracteriza como fonte vedada, nos termos do acórdão deste Tribunal no RE n. 8303, da relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, devendo o valor ser abatido do total a ser recolhido. Requerem a aprovação das contas ou o parcelamento do débito em 60 vezes (fls. 600-607).

O Ministério Público Eleitoral oficiante junto à origem apresentou contrarrazões pelo desprovimento do recurso (fl. 616 e v.).

A Procuradoria Regional manifestou-se pelo parcial provimento do recurso tão somente para que seja afastada a fixação de multa de 5% sobre o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional (fls. 619-625v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Conforme consta dos autos, a prestação de contas do exercício financeiro de 2015 do PP de Santiago foi desaprovada, em razão do recebimento de contribuições provenientes de detentores de função de chefia e direção junto à administração pública, no total de R$ 91.564,00, em contrariedade ao art. 12, inc. XII, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, que regulamenta o exame do mérito do presente feito.

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

XII – autoridades públicas;

[...]

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

De fato, o segundo relatório conclusivo elaborado pelo examinador técnico (fls. 584-586) traz os cargos e as atribuições dos contribuintes enquadrados como autoridades e fontes vedadas, durante a análise das contas, devido ao exercício de função de chefia e direção, desconsiderando as contribuições realizadas por assessores e as repassadas por ocupantes de cargo eletivo, na forma da jurisprudência desta Corte.

Sobre esse ponto, entendo que não é caso de considerar legítima a contribuição efetuada pela detentora do cargo público de Procuradora-Geral do Município, pois o precedente deste TRE-RS invocado no recurso (RE n. 8303, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, DEJERS 14.11.2014), seguindo a posição adotada em julgamento anterior (RE n. 4962, Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, DEJERS 24.6.2014), entendeu que os procuradores jurídicos não se enquadram como fontes vedadas, cargo diverso do desempenhado pela doadora em questão.

Ademais, o parecer conclusivo informa que o art. 207 da Lei Municipal n. 44/10, de Santiago, atribui ao cargo de Procurador-Geral do Município a função de direção.

O pedido de aplicação das alterações introduzidas pela Lei n. 13.488/17, que incluiu o inc. V ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, para descaracterizar do conceito de fontes vedadas as contribuições realizadas por detentores de cargos de chefia e direção filiados à agremiação beneficiada, igualmente não prospera.

O art. 65, caput e § 3º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17 expressamente prevê que as contas relativas ao exercício de 2015 devem ser examinadas de acordo com a Resolução TSE n. 23.432/14:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

II - as prestações de contas relativas ao exercício de 2015 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.432, de 16 de dezembro de 2014;

(Grifei).

Para o exame, deve ser considerado o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2015, sem as posteriores alterações legislativas ou a aplicação do instituto da retroatividade normativa, pois este Tribunal, ao apreciar essa questão, sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, em conformidade com os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

[...]

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

[...]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Da mesma forma, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que "a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

O art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14 determina que o órgão partidário recolha o montante recebido de fonte vedada ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias.

Tal procedimento, não observado no presente feito, impõe o juízo de desaprovação das contas, uma vez que a alegação de ausência de má-fé ou o argumento de que o valor a ser recolhido compromete a continuidade da agremiação e o cumprimento de seus compromissos não tem o condão de afastar a conclusão pela reprovação.

Quanto à penalidade aplicada, além da fixação de suspensão do Fundo Partidário pelo prazo de 5 (cinco) meses, período razoável e proporcional para as irregularidades constatadas, a sentença aplicou multa de 5% sobre o montante a ser recolhido pela condenação.

Todavia, conforme defendem os recorrentes e a Procuradoria Regional, as normas que regem as contas do exercício de 2015 das agremiações não preveem a cominação da pena de multa, a qual merece ser afastada por este Tribunal.

Por fim, tratando-se de diretório municipal, consigno que o pedido de parcelamento do quantum devido deve ser requerido ao juízo de primeiro grau quando da intimação para adimplemento do débito, sob pena de supressão de instância.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para afastar a condenação ao pagamento de multa e reduzir para R$ 91.564,00 (noventa e um mil, quinhentos e sessenta e quatro reais) o total a ser recolhido ao Tesouro Nacional, mantendo a desaprovação das contas e a fixação do prazo de 5 (cinco) meses de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, e pelo não conhecimento do pedido de parcelamento do débito, nos termos da fundamentação.