E.Dcl. - 62405 - Sessão: 10/06/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos declaratórios, com pedido de efeitos modificativos, opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão que, por unanimidade, rejeitou a matéria preliminar, negou provimento ao recurso e afastou a condenação em honorários advocatícios, nos autos do apelo interposto pelo ora embargante contra a sentença que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada contra MÁRCIO POLITOWSKI e SILVESTRE WOICIECHOWSKI, eleitos, respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeito de Sete de Setembro no pleito de 2016.

Em suas razões, afirma que a decisão apresenta contradição no tocante ao devido enfrentamento dos fatos, dado que as razões de decidir consignam a presença dos elementos caracterizadores da prática da infração prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e ao mesmo tempo concluem pela falta de demonstração da participação dos candidatos demandados. Sustenta estar demonstrada a anuência, ciência ou conhecimento de MÁRCIO POLITOWSKI acerca do cometimento do ilícito e tece considerações sobre a prova produzida durante a instrução. Defende a necessidade de condenação pela robustez do conjunto probatório, apontando que a procedência da ação pode ser amparada em indícios de consentimento sobre a infração. Colaciona jurisprudência e requer o acolhimento do recurso com atribuição de efeitos infringentes.

É o relatório.

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as razões de embargos se limitam à insurgência contra a justiça da decisão e à irresignação com o entendimento de manutenção da sentença de improcedência da ação.

Está longe de ser contraditória a decisão judicial que, embora assentando a existência e comprovação do fato narrado, conclui pela ausência de provas da participação da parte requerida na prática da infração.

Em Direito Penal tal raciocínio é definido pelo instituto da autoria delitiva e, em Direito Civil, pela teoria da responsabilidade subjetiva, a qual exige seja comprovada a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência da parte demandada na violação do direito invocado.

Especificamente na hipótese de responsabilização do candidato por captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência, num primeiro momento, entendia pela necessidade de participação direta dos candidatos em virtude da literalidade do caput do art. 41-A da Lei das Eleições: “(…) constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública (...)”.

Com o passar dos anos, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral evoluiu para o entendimento de que a condenação do candidato pode ser amparada na sua participação indireta, definida como sendo o conhecimento (ciência), o consentimento ou a anuência, ainda que tácita, com a prática da infração.

Ciente da referida diretriz jurisprudencial, os embargos de declaração ora apreciados invocam o acórdão do TSE no Recurso Ordinário 2098, da relatoria do Min. Arnaldo Versiani (DJE 4.8.2009), que concluiu pela manutenção de condenação baseada na anuência ou ciência do candidato, em virtude das provas de que a operação de compra de votos foi “fruto do envolvimento de pessoas com quem tinha forte ligação familiar, econômica, política e trabalhista”.

Tal raciocínio não passou despercebido por esta Corte quando do julgamento do feito.

Nas razões de decidir, o voto condutor ressalta que, na sentença, “o julgador concluiu pela improcedência da ação devido à falta de provas seguras de que os candidatos tinham conhecimento do fato, restando demonstrada tão somente a mera presunção de ciência, circunstância incapaz de amparar a decretação de afastamento dos mandatos de prefeito e vice-prefeito obtidos nas urnas”.

O acórdão faz expressa referência ao argumento levantado nos aclaratórios em diversos pontos:

A sentença considerou inexistir prova cabal de que o candidato Márcio Politowski tinha conhecimento da proposta de pagamento feita a Méri, sendo bastante plausível a versão de que Nelson Andrezewski, Júlio Pluta e Amauri Politowski tenham agido sem o seu conhecimento.

No recurso, endossado pelo Parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral de Guarani das Missões sustenta que os recorridos não tinham como desconhecer a compra de abstenção de voto, dado que na conversa captada Nelson afirma trabalhar na campanha de Márcio como cabo eleitoral, tendo afirmado que o candidato lhe disse para não fazer nada sem falar com ele.

Todavia, o juízo a quo ponderou que a oferta de dinheiro para que prováveis eleitores da oposição deixassem de votar não foi uma conduta adotada pelos réus, havendo notícia de apenas um ato.

O Parquet refere, em suas razões, que no primeiro contato com a eleitora Nelson Andrzewski estava acompanhado de Júlio Pluta e do irmão de Márcio, Amauri Politowski, e apontou as inúmeras ligações telefônicas registradas entre Márcio e Nelson, demonstrando que Márcio ao menos sabia dos ilícitos praticados, pois Nelson era pessoa de sua extrema confiança.

Conclui, assim, estar demonstrada a anuência de Márcio porque a compra da abstenção do voto é fruto de pessoas com que os recorridos possuem forte vínculo familiar e político, e defende que o fato se mostra grave o bastante para ensejar a cassação dos diplomas.

A tese foi rejeitada pela decisão embargada porque “não se pode afirmar, com base nesses indícios, que o candidato sabia das ações de Nelson. De igual modo, o parentesco existente entre Márcio e Amauri não é suficiente para que se presuma que os requeridos soubessem do que estava acontecendo”.

Veja-se os motivos que levaram à conclusão pela falta de provas para a condenação:

Quanto à alegada estreita relação entre Márcio Politowski, Amauri Politowski e Nelson Andrzewski, ressalto o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que a afinidade política ou a simples condição de correligionário não podem acarretar automaticamente a corresponsabilidade do candidato pela prática da captação ilícita de sufrágio, sob pena de se transmudar a responsabilidade subjetiva em objetiva (RESPE 144, Rel. Min. Henrique Neves Da Silva, DJE 15.8.2014).

O recorrente acrescenta que em grupo do aplicativo WhatsApp Ana Paula Tiburski escreveu que ela e o marido, Nelson, tinham certeza de que o telefone dele estava grampeado, denotando que já desconfiavam de que poderiam ser descobertos.

Sobre a questão a sentença aponta que no curso da campanha Nelson vinha sendo acusado de proferir ameaças contra opositores de Márcio, e que a desconfiança poderia ser referente à sua esposa, Ana Paula, às acusações de ameaças ou a documentos sobre ilicitudes na gestão da Prefeita Rosane Grabia que Nelson divulgava possuir.

Dessa forma, tem-se que o recurso não infirma as conclusões obtidas no julgamento de primeira instância, principalmente no que pertine à falta de provas robustas sobre a participação dos candidatos, ainda que na forma de ciência ou anuência, no fato narrado.

Em verdade, afigura-se temerária a condenação de candidato, eventualmente beneficiado por infração cometida em prol de sua candidatura, na grave penalidade de perda do mandato eletivo, com fundamento em processo de dedução calcado na coleta de indícios e na conclusão de que era impossível que não soubesse do ilícito.

Destarte, não se pode condenar alguém com presunções de conhecimento subjetivo da conduta ilícita.

Portanto, não houve qualquer omissão quanto ao enfrentamento da tese defendida pelo Ministério Público Eleitoral, o que, por si só, afasta a possibilidade de acolhimento dos declaratórios.

Importa referir, contudo, que o aresto é expresso ao assentar que o pedido condenatório reiterado no presente recurso, que postula efeitos infringentes, também não prospera porque “o fato não se mostra grave o suficiente para comprometer a legitimidade e a lisura do pleito de 2016 de Sete de Setembro”.

De acordo com a decisão embargada:

Embora o órgão ministerial defenda que a compra da abstenção do voto da eleitora Meri é fato grave, não compreendo essa conduta isolada como ofensiva ao bem jurídico tutelado pela AIME, que é a legitimidade da eleição.

Assim, foram dois os fundamentos para a manutenção do juízo de improcedência, concernentes na escassez de provas robustas sobre a participação dos candidatos, ainda que na forma de ciência ou consentimento, e na falta de gravidade suficiente para atrair a penalidade de cassação do diploma dos candidatos. Confira-se:

Nessa missiva, ainda que provado o pagamento pela abstenção do voto da eleitora Meri e mesmo que fosse considerada a tese recursal de que os candidatos tinham conhecimento desse fato, a conduta não apresenta magnitude ou gravidade suficiente para atrair a penalidade de cassação do diploma dos candidatos por ser a única imputada aos candidatos no contexto da campanha.

Não se mostra razoável ou proporcional acolher o pedido de impugnação do mandato eletivo obtido por intermédio do voto popular diante da apuração de prática de captação ilícita do sufrágio de uma única eleitora do município.

Essa circunstância mitiga a gravidade da conduta em si, assim como a sua capacidade para interferir na normalidade e na legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados pela ação de impugnação de mandato eletivo.

Diferentemente seria a conclusão se o caso versasse sobre representação por prática de captação ilícita de sufrágio, ação destinada a tutelar a liberdade de exercício do voto do eleitor e que de fato se mostrou comprometida nos autos.

Nesse cenário, tenho que a impugnação do mandato é medida extremada para a hipótese específica do caso em apreço, merecendo ser mantida a sentença recorrida.

Dessa forma, o acórdão não padece de qualquer dos vícios previstos nos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do Código de Processo Civil para a hipótese de acolhimento de embargos de declaração.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito os embargos declaratórios.