RC - 6157 - Sessão: 04/07/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença da Juíza da 71ª Zona Eleitoral que julgou improcedente denúncia, absolvendo DIEGO LUIS PEREYRA FERREIRA e PRISCILA MARCELINO HERMES da acusação do crime previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, com fundamento no art. 386, incs. III e VII, do CPP, pela atipicidade e, sucessivamente, por não existir prova suficiente para a condenação (fls. 282-283v.).

Em suas razões, o recorrente sustenta existirem provas suficientes para a condenação, bem como da materialidade e autoria do fato descrito na denúncia, conforme entende comprovado pela Ocorrência Policial, pelo auto de apreensão e demais elementos de prova carreados aos autos. Expõe que o fato da testemunha, o policial-militar, não recordar dos fatos, constitui circunstância isolada não suficiente para afastar a condenação. Explana que desconsiderar o depoimento desta testemunha seria desmerecer o trabalho realizado na data pelo miliciano, que é pessoa idônea, dotada de fé pública e que merece total e irrestrita credibilidade. Destaca que os acusados anuíram com o descrito na exordial, de acordo com o histórico da ocorrência policial por eles firmado. Aduz que os réus confessaram estar no local, vestindo a camiseta do partido e, no caso de Diego, empunhando a bandeira do partido, mediante a promessa de pagamento da quantia de R$ 70,00. Articula que estes não estavam realizando manifestação espontânea, sequer individual. Reitera que a prova colhida nos autos é suficiente a sustentar um juízo de condenação. Esclarece que os recorridos foram flagrados, juntamente com Lucas Gomes Duarte e Juliana da Silva Canabarro (não denunciados, porque aceitaram a transação penal – fls. 38-39), na data do pleito, em local público, realizando manifestação coletiva, portanto, conduta vedada pela legislação eleitoral, apta a um juízo condenatório. Dessa forma, ficou configurado o delito da denúncia, afastando o argumento de inexistência e fragilidade probatória. Requer o provimento do recurso para reformar a sentença, condenando os recorridos (fls. 287-290v.).

Em contrarrazões, preliminarmente, os recorridos invocam a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, com fulcro no art. 109, inc. VI, do Código Penal, postulando o reconhecimento da prescrição em concreto do delito imputado e a declaração da extinção da punibilidade, com base no art. 107, inc. IV, do Código Penal. No mérito, pugnam pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença (fls. 296-299).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

 

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Os autos foram remetidos ao Ministério Público Eleitoral, para intimação, em 19.9.2018 (fl. 286), e recebidos com o apelo em 1º.10.2018 (fl. 291), segunda-feira, dentro, portanto, do prazo previsto no art. 362 do Código Eleitoral, tendo em vista que o termo final do decêndio se deu no domingo anterior e protraiu-se para aquela data.

 

2. Preliminar de prescrição

Os recorridos alegaram a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, com fulcro no art. 109, inc. VI, do Código Penal, e postulam o reconhecimento da prescrição em concreto do delito imputado, pedindo a declaração da extinção da punibilidade, com base no art. 107, inc. IV, do Código Penal.

Pois bem, o delito imputado aos réus estipula como sanção a detenção, de seis meses a um ano, nos termos do art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Para os crimes em que o máximo da pena privativa de liberdade cominada é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois, a prescrição ocorre em 4 anos, de acordo com o art. 109, inc. V, do Código Penal.

Nesses termos, resta evidente que não há prescrição da pretensão punitiva a ser reconhecida, ou mesmo prescrição em concreto do delito imputado, porquanto o interregno entre o recebimento da denúncia (em 7.7.2015) e a presente data  é inferior a quatro anos (fl. 44).

Desse modo, resta evidente que não há prescrição a ser reconhecida.

Assim, rejeito a preliminar suscitada.

 

3. Mérito

Quanto ao mérito, a questão cinge-se a verificar se há procedência na denúncia apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, dando conta dos seguintes fatos, assim descritos na inicial (fls. 2-4):

No dia 05 de outubro de 2014, por volta das 16h00min, na Rua José Loureiro da Silva, nº 655, em via pública, em frente a Escola Dom Feliciano, na cidade de Gravataí/RS, os denunciados DIEGO LUIS PEREYRA FERREIRA e PRISCILA MARCELINO HERMES, em comunhão de esforços e acordo de vontade entre si e com os indivíduos LUCAS e JULIANA, efetuaram propaganda de boca de urna.

Naquela oportunidade, os denunciados foram flagrados juntamente com outras duas pessoas identificadas como Lucas e Juliana em frente à escola Dom Felliciano, realizando propaganda de boca de urna, sendo que Diego portava uma bandeira do candidato a Deputado Estadual Stasinski (conforme fl. 11) e a denunciada Priscila vestia uma camiseta do partido verde.

Ato contínuo, os denunciados informaram que uma moça chamada Keli prometeu lhes pagar o valor de R$ 70,00 (setenta reais) para que os mesmos ficassem entre as escolas Dom Feliciano e Nicolau realizando propaganda de boca de urna.

A tipificação da conduta delituosa – boca de urna – encontra-se plasmada no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, nos seguintes termos:

Art. 39. Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

(...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

A magistrada de piso julgou improcedente a ação, absolvendo os acusados, ao concluir que o acervo probatório não estava apto a gerar certeza quanto à caracterização do ilícito penal, entendendo pela atipicidade e por não existir prova suficiente para a condenação.

A fim de evitar desnecessária tautologia, colho na sentença as razões que ensejaram o juízo absolutório dos réus (fls. 282-283v.):

ii- Aticipidade

A denunciada vestia uma camisa do Partido Verde; Diego, portava uma bandeira da mesma agremiação partidária, mas não houve flagrante da distribuição do material de propaganda, elemento integrativo do tipo penal em comento, o que conduz à atipicidade delitiva.

Nesse sentido:

“Recurso Criminal. Decisão interlocutória pela prática de conduta tipificada no art. 39 , §5º, inc.II da lei das Eleições. Fixação da pena de detenção substituída por prestação de serviços à comunidade. Não conhecimento do apelo diante da intempestividade de interposição. A distribuição de propaganda eleitoral na data do pleito - crime de mera conduta - exige para a sua consumação o início de execução da prática delituosa, inocorrente nos fatos narrados. Concessão de habeas corpus, de ofício, ante a atipicidade da conduta imputada ao denunciado. (TRE/RS, RC 22. Rel Dr. Jorge Alberto Zugno. Publicação: 28.09.2009)”

iii- Insuficiência probatória

Ainda que pudesse ser superada a questão da atipicidade, há flagrante insuficiência de provas para o juízo condenatório. O PM ouvido em juízo não recorda dos fatos; os réus não foram interrogados, pois revéis. Não veio ao grampo dos autos qualquer adminículo probatório que pudesse comprovar que os denunciados receberam paga ou recompensa para distribuir material de propaganda eleitoral.

Nas razões recursais, o Parquet Eleitoral alega que, em confronto com a decisão acima, a materialidade e a autoria dos delitos foram devidamente demonstradas, em especial, tendo em vista a Ocorrência Policial n. 358093/2014/983010, o auto de apreensão e, sobretudo, considerando a transação penal de Lucas Gomes Duarte e Juliana da Silva Canabarro, flagrados com os recorridos, mas não denunciados, em razão do acordo despenalizador. Também, busca justificar a não confirmação, em juízo, dos termos do depoimento do policial militar, nos mesmos moldes em que prestado na fase inquisitorial.

Pois bem.

Importante fazer a análise do fato em confronto com o tipo penal em questão, para averiguar se há subsunção da conduta praticada pelos agentes à previsão normativa.

Como se verifica dos termos estritos do tipo de “boca de urna”, é necessário que haja a divulgação, ou seja, uma conduta que faça chegar ao conhecimento de terceiro a propaganda de partidos políticos ou candidatos.

Na doutrina de Rodrigo López Zilio (in Crimes Eleitorais, ed. JusPodivm, p. 233) o crime de divulgação de propaganda eleitoral no dia do pleito exige a comprovação de efetiva distribuição do material de publicidade ou abordagem ao eleitor (TRE-RS – Recurso Criminal n. 45 – Rel. Jorge Zugno – j. 15.12.2009; TRE – SC – Recurso Criminal n. 524 – Acórdão n. 20.554 – Rel. Volnei Tomazini ).

No fato dos autos, pelos termos da denúncia, os recorridos foram flagrados, juntamente com outras duas pessoas identificadas como Lucas e Juliana, em frente à escola Dom Feliciano, supostamente realizando propaganda de boca de urna, sendo que Diego portava uma bandeira do candidato a Deputado Estadual Stasinski e a denunciada Priscila vestia uma camiseta do Partido Verde.

Nessa esquadra, cabe ressaltar que, em juízo, os réus não foram interrogados, pois revéis. E embora o Ministério Público Eleitoral tenha procurado demonstrar, no apelo, que os depoimentos prestados na etapa investigatória corroboram os fatos narrados pelo Termo Circunstanciado, em especial pelo comunicante – o policial militar Willian Cezar Souza, os fatos não se confirmaram em juízo.

Sabe-se que a prova deve, necessariamente, ser concebida em um processo dialético, asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa, não podendo ser utilizados depoimentos tomados perante a autoridade policial, não confirmados em juízo.

A principal testemunha, o miliciano, quando perguntado em seu depoimento judicial, disse que “lembrava da prisão, mas não recordava dos detalhes.” Afirmou que “não recordava se os denunciados tinham recebido dinheiro.” Questionado se recordava de, naquele dia, ter prendido várias pessoas, disse que “achava” terem sido as únicas (fl. 236 – CD).”

Logo, pelo depoimento judicial do policial militar não se pode confirmar a prova da fase investigatória. Portanto, entendo que esta prova não merece prosperar como hábil a ensejar condenação criminal.

Da prova dos autos, somente se pode concluir é que, no dia da eleição, os recorridos estavam, ao lado de outras duas pessoas, portando uma bandeira partidária de um candidato e vestindo camiseta do Partido Verde, em frente à Escola Dom Feliciano, na cidade de Gravataí.

O órgão acusador também não logrou êxito em indicar qualquer eleitor que tivesse sido abordado pelos acusados no dia da eleição ou presenciado o pedido de voto ou a entrega de publicidade.

De acordo com o TSE, o crime de ‘boca de urna’ caracteriza-se pela “distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos” (Ac. n. 45, de 13.5.2003, rel. Min. Carlos Velloso).

O mero porte de material de propaganda no dia da eleição, sem que se verifique divulgação, não caracteriza o delito em questão, não é conduta vedada.

Nessa toada, em análise da prova, como bem aferiu o juízo a quo, não há como comprovar que os recorridos receberam paga ou recompensa para distribuir material de propaganda eleitoral, não cabendo inferir que a sua manifestação não fosse lícita, espontânea e realizada de forma isolada.

Nesses termos a jurisprudência:

RECURSO CRIMINAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. SUPOSTO COMETIMENTO DE CRIME DE BOCA DE URNA. ART. 39, § 5º, III DA LEI 9.504/97. ACUSADO FLAGRADO PORTANDO MATERIAL DE CAMPANHA NO DIA DA ELEIÇÃO, PRÓXIMO A LOCAL DE VOTAÇÃO. PROVA DOS AUTOS QUE NÃO INDICA A EFETIVA DISTRIBUIÇÃO DOS "SANTINHOS". TIPO PENAL QUE EXIGE A DIVULGAÇÃO DA PROPAGANDA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(TRE/RJ, RECURSO CRIMINAL nº 686, Acórdão de 24/01/2013, Relator(a) LEONARDO PIETRO ANTONELLI, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 020, Data 29/01/2013, Página 04/14)

 

Recurso criminal. Propaganda de boca de urna (art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97). Apreensão de bandeiras e panfletos em poder do réu.

Para caracterização do delito exige-se prova segura da efetiva abordagem de eleitor ou distribuição da publicidade política. A mera posse do material impugnado não caracteriza a conduta típica proposta pela denúncia. Necessidade de prova quanto à distribuição efetiva da propaganda eleitoral.

Provimento negado.

(TRE/RS – Proc. RC n. 25 – Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno – J. Sessão de 30/03/2010.)

Com base nesses elementos, tenho que o fato imputado aos recorridos, ou seja, estarem, no dia da eleição, ao lado de outras duas pessoas, portando uma bandeira partidária de um candidato e vestindo camiseta do Partido Verde, em frente à Escola Dom Feliciano, na cidade de Gravataí, não caracteriza, por si só, o delito de boca de urna.

Dessa maneira, como não há prova inequívoca de que houve a distribuição de material de campanha, a prova colhida nos autos é insuficiente a sustentar um juízo de condenação.

Nesses termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela improcedência da ação.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito a preliminar de prescrição e VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que julgou improcedente a ação penal proposta contra DIEGO LUIS PEREYRA FERREIRA e PRISCILA MARCELINO HERMES, fulcro no art. 386, incs. III e VII, do Código de Processo Penal.

É como voto, senhora Presidente.