RE - 4237 - Sessão: 04/06/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Alvorada, JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e GILBERTO NUNES DA SILVA em face da sentença (fls. 248-251v.) que desaprovou as suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, aplicou a suspensão do recebimento dos repasses do Fundo Partidário pelo período de 1 ano e determinou ao órgão partidário e seus responsáveis, solidariamente, o recolhimento do montante de R$ 2.154,92, ao Tesouro Nacional, acrescidos de multa de 10%, nos termos do art. 49, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em suas razões, os recorrentes alegam que a desaprovação da contabilidade fundamentou-se no pagamento de despesas com recursos de origem não identificada, sustentando que todas as receitas e despesas estão devidamente lançadas em seus demostrativos contábeis, que houve regularidade na identificação das fontes e que as contas espelham a integral movimentação dos recursos pela grei partidária (fls. 255-263). Informa que não recebeu das prestadoras de serviços (CEEE, L&G, Volpato, Oi e Terra Networks) os boletos para pagamento e que não efetuou os lançamentos das referidas despesas porque não foram adimplidas pelo partido. Argumenta que a agremiação desconhece a origem e a existência dos débitos informados. Requer aprovação das contas, e, alternativamente, a aprovação com ressalvas e afastamento da condenação solidária dos responsáveis, da inscrição no Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (CADIN), assim como a redução da multa.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) opinou pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a condenação solidária dos responsáveis partidários pelo recolhimento da quantia apurada como irregular e inscrição no CADIN, devendo ser mantida a sentença de desaprovação das contas, com o recolhimento ao Tesouro Nacional correspondente a recursos de origem não identificada, acrescida da multa de 10% sob o total irregular e suspensão, pelo período de 01 ano, do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de prestação de contas relativas ao exercício de 2016 e, antes de adentrar na análise do fato ensejador da desaprovação, cumpre assinalar que a Resolução TSE n. 23.546, de 18.12.2017, em vigor desde 1º de janeiro de 2018, passou a regular as finanças e a contabilidade dos partidos políticos, revogando as disposições contidas nas normativas anteriores, determinando, porém, a adoção de regras de transição no exame de mérito dos processos, considerado o momento em que são submetidos a julgamento, na forma estabelecida em seu art. 65, verbis:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

§ 1º As disposições processuais previstas nesta resolução devem ser aplicadas aos processos de prestação de contas relativos aos exercícios de 2009 e seguintes que ainda não tenham sido julgados.

§ 2º A adequação do rito dos processos de prestação de contas previstos no § 1º deve observar forma determinada pelo juiz ou relator do feito, sem que sejam anulados ou prejudicados os atos já realizados.

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

I - as prestações de contas relativas aos exercícios anteriores a 2015 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 21.841, de 22 de junho de 2004;

II - as prestações de contas relativas ao exercício de 2015 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.432, de 16 de dezembro de 2014;

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015;

[...] (Grifei.)

Assim, por se tratar de contabilidade afeta ao exercício de 2016, as questões de direito material são reguladas pela Resolução TSE n. 23.464/15, e as de direito processual são disciplinadas pela Resolução TSE n. 23.546/17.

Feita essa anotação, passo ao exame do mérito.

Conforme consta dos autos, as contas foram desaprovadas em razão da omissão de despesa caracterizada pela existência de documentos fiscais - detectados por meio do procedimento de circularização - sem o correspondente registro na prestação de contas.

Segundo laudo técnico, as empresas CEEE, L&G, VOLPATO, Oi e TERRA NETWORKS informaram pagamentos de despesas pelo partido nos valores de: R$ 457,04, R$ 350,00, R$ 545,17, R$ 764,85 e R$ 37,86, totalizando R$ 2.154,92. Por conseguinte, os recursos financeiros utilizados para o pagamento dos referidos gastos não transitaram pela conta bancária do partido e não houve identificação da origem das receitas.

Em sua defesa, os recorrentes alegam o desconhecimento das despesas, sustentam que as empresas não enviaram os referidos boletos e que o partido não realizou o pagamento das despesas mencionadas. Contudo, os argumentos não merecem acolhida, pois tais declarações estão desacompanhadas de qualquer documentação técnica, não tendo o condão de sanar a irregularidade consubstanciada no reconhecimento de depósitos de origem não identificada.

Ademais, o ônus de realizar a escrituração com a totalidade das despesas e com a identificação das receitas era dos prestadores, conforme previsto no art. 30, c/c art. 32, caput, da Lei n. 9.096/95, nos seguintes termos:

Art. 30. O partido político, através de seus órgãos nacionais, regionais e municipais, deve manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas.

[...]

Art. 32. O partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exercício findo, até o dia 30 de abril do ano seguinte.

O parágrafo único do art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15, que disciplina o mérito dos processos de prestação de contas do exercício financeiro de 2016, dispõe que serão considerados como recursos financeiros de origem não identificada aqueles em que a informação do doador, por alguma razão, não é suficiente para identificá-lo.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte, ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade. (Grifei.)

No caso em análise, não tendo o recorrente apresentado outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, resta obstaculizada a atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral, não sendo possível, nesta instância, superar a falha objeto do apontamento.

Nesse sentido:

Prestação de contas. Partido Político. Anual. Exercício financeiro de 2014.

- Aplicação da Resolução do TSE nº 21.841/2004 para as impropriedades e irregularidades presentes na prestação de contas. Emprego da Resolução do TSE nº 23.546/2017 para questões processuais. Inteligência do art. 65 da última Resolução.

[...]

- omissão de registro contábil de notas fiscais. O partido sustenta não reconhecer as despesas constantes nas notas questionadas. Ausência de provas e de elementos que indiquem que houve o cancelamento das notas. Notas fiscais válidas. Irregularidade não sanada.

- As falhas, em seu conjunto, prejudicaram a análise das contas, comprometendo sua regularidade, confiabilidade e transparência, principalmente, a falha relativa ao uso de recursos de origem não identificada - RONI - que, isoladamente, já é capaz de ocasionar a desaprovação das contas.

[...]

(PRESTAÇÃO DE CONTAS n. 8410, ACÓRDÃO de 04.4.19, Relator ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Tomo 070, Data: 22.4.19.) (Grifei.)

Portanto, por qualquer ângulo que se aprecie a questão, não há como afastar a irregularidade identificada pela omissão de despesas, com a caracterização do uso de recursos de origem não identificada (RONI), devendo ser mantido o apontamento.

A respeito das penalidades impostas, considerando que o valor das irregularidades remanescentes representa 19,04% da receita arrecadada no exercício, deve ser mantida a desaprovação da contabilidade, sendo inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade a fim de mitigar a gravidade das falhas apuradas.

Contudo, observo que a decisão aplicou indevidamente a suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário, uma vez que, tratando-se de exercício financeiro de 2016, a referida sanção foi reservada à hipótese de recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas, nos termos do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15, o que não se verifica no caso dos autos.

Ressalto que não é o caso de aplicação da previsão contida no art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, que estabelece a suspensão no caso de recebimento de recursos de origem não identificada até que a Justiça Eleitoral aceite os esclarecimentos prestados pelo órgão partidário, tendo em vista que o preceito apenas incide até o julgamento das contas, sob pena de imposição de sanção por tempo infinito. Prolatada a sentença, a jurisprudência deste Tribunal não tem admitido o revolvimento da matéria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 7º DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. REFORMA DO VALOR DA MULTA APLICADA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar de nulidade. Omissão da sentença em determinar a penalidade de suspensão das quotas do Fundo Partidário decorrente do reconhecimento da existência de arrecadação de recurso de origem não identificada. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito, sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno.

2. Arrecadação de recursos em contrariedade com o disposto no art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15. Documentação apresentada incapaz de expor claramente a origem dos recursos. Falha representando 93,59% da arrecadação no período, impondo o juízo de desaprovação das contas. Considerada a conduta colaborativa do órgão partidário para a fixação da multa. Redução para o percentual de 5% sobre o valor impugnado.

3. Parcial provimento.

(TRE-RS - RE: 2481 NÃO-ME-TOQUE - RS, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 22.11.18, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 214, Data: 26.11.18, p. 6.) (Grifei.)

Portanto, desaprovação das contas comporta como sanção apenas a aplicação da multa, cujo patamar deve observar o limite de até 20% do valor considerado irregular, nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Na hipótese em análise, considerando que a imposição da penalidade não prevista no ordenamento acarreta nulidade da sentença, ainda que a matéria não tenha sido ventilada nas razões recursais, de ofício, afasto a aplicação da suspensão do recebimento dos repasses do Fundo Partidário pelo período de 1 ano.

O percentual da multa fixado na sentença deve ser mantido, uma vez que não foi objeto de irresignação recursal. A base de incidência, todavia, deve corresponder à importância de R$ 2.154,92, que resulta da dedução dos valores relativos às irregularidades superadas.

Outrossim, não obstante o juízo a quo tenha fixado a solidariedade do órgão partidário e dos responsáveis pela agremiação, destaco que o § 1º do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 prevê que a penalidade deve ser imposta apenas ao partido político:

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).

§ 1º A sanção a que se refere o caput deste artigo será aplicada exclusivamente à esfera partidária responsável pela irregularidade, não suspendendo o registro ou a anotação de seus órgãos de direção partidária nem tornando devedores ou inadimplentes os respectivos responsáveis partidários. (Grifei.)

O referido dispositivo incorporou as alterações promovidas pela Lei n. 13.165/15 no art. 37, §§ 2º e 13, da Lei n. 9.096/95, que restringiu as hipóteses de responsabilização do dirigente partidário apenas aos casos em que a irregularidade for de natureza grave e resultar de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido, o que não se observa no particular:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

[...]

§ 2º A sanção a que se refere o caput será aplicada exclusivamente à esfera partidária responsável pela irregularidade, não suspendendo o registro ou a anotação de seus órgãos de direção partidária nem tornando devedores ou inadimplentes os respectivos responsáveis partidários.

[...]

§ 13. A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido. (Grifei.)

Logo, é imperativa a reforma da sentença no tocante às penalidades impostas, a fim de que, afastada a determinação de suspensão de quotas do Fundo Partidário, a responsabilidade pelo recolhimento dos valores seja fixada exclusivamente em relação à esfera partidária, nos termos da normatização vigente.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para permanecer com o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 2.154,92, afastar a determinação de suspensão de quotas do Fundo Partidário e fixar a responsabilidade exclusiva do órgão partidário pelo adimplemento das sanções impostas, mantendo a desaprovação das contas e aplicação da multa no patamar de 10%, incidente sobre o valor irregular.

É como voto, senhor Presidente.