RE - 4316 - Sessão: 09/04/2019 às 17:00

VOTOS

Des. Eleitoral Rafael Da Cás Maffini (relator):

Os agravos de instrumento são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

1. Preliminar de Nulidade da Decisão Agravada

Passo ao exame da matéria preliminar suscitada pela União, relativa à nulidade da decisão agravada e à preclusão, para a juíza a quo estabelecer o termo final para a incidência das astreintes na data da diplomação.

A União sustenta que no acórdão do RE n. 98-98 o TRE-RS confirmou a decisão agravada, que estabeleceu a cobrança das astreintes até o dia 09.9.2014, data em que a executada informou os dados IP da publicação, e que a matéria está preclusa.

A Google, por sua vez, afirma que a discussão do prazo está em aberto e que a multa deve ser cobrada até os dias 06.10.2012, 07.10.2012, 19.12.2012 ou 18.01.2013, ou até o valor máximo da multa eleitoral prevista no art. 57-D, § 2°, da Lei n. 9.504/97 (fls. 733-752 e 902-948).

A preliminar comporta parcial acolhimento.

O prazo para a incidência da multa foi decidido durante a fase de conhecimento, estando a matéria acobertada pelo manto da coisa julgada e sua eficácia preclusiva.

A liminar que aplicou a penalidade à razão de R$ 5.000,00 por dia tem o seguinte conteúdo (fls. 94-95):

Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR postulada e determino à representada YOUTUBE LTDA. que, no prazo de 48 horas, promova a extração do “link” http://www.youtube.com/watch?v=bSzZbG4hqBU do seu “website”, na rede mundial de computadores, pena de multa diária de R$ 5.000,00 – cinco mil reais -, em caso de descumprimento, a teor do art. 461, CPC.

Da mesma forma, deverá a representada, no prazo de dez dias, envidar esforços para identificação do “IP” ou de qualquer outro elemento que permita identificar o autor da postagem eleitoral ilícita.

Após a defesa informar que não cumpriria a ordem judicial, a sentença majorou o valor para 20.000,00 (fls. 122-130):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na representação para ratificar e tornar definitiva a decisão interlocutória de fls. 10/10v, determinando que a representada GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. promova a extração do “link” http://www.youtube.com/watch?v=bSzZbG4hqBU do seu “website”, na rede mundial de computadores, pena de multa diária de R$ 20.000,00 – vinte mil reais -, a teor do art. 461, par. 4º, CPC, (sem prejuízo das “astreintes” já vencidas, pelo descumprimento da decisão de fls. 10/10v).

Concedo prazo de dez dias para que a representada indique o “IP” do responsável pela divulgação do vídeo ilícito.

A decisão condenatória transitou em julgado em 01.9.2014 (fl. 278), após serem desprovidos os recursos inominado (fls. 196-207) e especial (fls. 235-255) interpostos por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., nos quais a empresa postulava a redução ou revogação das astreintes, com base nos princípios da liberdade de expressão e de manifestação do pensamento.

No julgamento dos recursos, foi assentado por este TRE (fls. 196-207) e pelo TSE (fls. 235-255), em decisões irrecorríveis, que as astreintes não seriam revogadas e que eram devidas em face da expressa recusa da Google em cumprir a ordem judicial e remover a propaganda do YouTube.

Ao negar provimento ao recurso inominado em que a Google expressamente reconheceu o descumprimento da ordem, este TRE-RS assentou que a multa permaneceria incidindo devido à permanência da publicidade na internet (fls. 196-207):

Desse modo, a multa infligida, de natureza processual, resultou do descumprimento da ordem judicial para retirada do vídeo da Internet, encontrando-se devidamente fundamentada na norma de regência, não guardando consonância com questões inerentes à liberdade de expressão, mas, isto sim, em razão do recalcitrante comportamento. De igual modo subsiste a obrigatoriedade de indicação do IP (Internet Protocol) do responsável pela divulgação da propaganda irregular.

Quando desproveu o recurso especial interposto pela empresa, o TSE também consignou que as astreintes foram aplicadas devido à falta de retirada do vídeo da internet: “Ademais, consoante já decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral em casos similares, seria irrelevante examinar tais argumentos, porquanto a penalidade de multa foi imposta ao recorrente devido ao descumprimento da ordem judicial para retirada do vídeo da internet, e não em razão do conteúdo do vídeo” (fls. 235-255).

Assim, é inegável que o termo final da incidência das astreintes diz com a prova da retirada da publicidade da internet, e que o pedido de afastamento dessa condenação foi devidamente enfrentado por decisões transitadas em julgado, não havendo mais espaço para discussão do tema.

Trata-se, portanto, de matérias já suscitadas pela agravante na representação eleitoral em que foram impostas as referidas astreintes e já rejeitadas por este Tribunal e pelo TSE.

Por essas mesmas razões, é indevido o raciocínio da decisão agravada no sentido de que o termo final é a data da diplomação dos eleitos, 19.12.2012.

A magistrada consignou que se valeria da data da diplomação, com fundamento no acórdão do REspe n. 529-56, da relatoria do Min. Admar Gonzaga, publicado no DJE de 20.3.2018, precedente que firmou o entendimento de que o cômputo das astreintes deveria se limitar àquela data.

Todavia, o próprio Relator, Min. Admar Gonzaga Neto, afirmou, em julgamento posterior, nos autos do RMS 06001083420176160000, publicado no DJE de 14.11.2018, que o raciocínio é inaplicável após o trânsito em julgado da decisão que condenou a parte ao pagamento de astreintes, que é justamente o caso dos autos.

O Ministro explicou, ao fazer esse distinguishing, que o REspe n. 529-56 limitou o cômputo das astreintes para as representações das eleições de 2016 e que o entendimento não poderia ser adotado para sua cobrança por descumprimento de ordem de retirada de propaganda irregular relativa ao pleito de 2012:

Todavia, o acórdão mencionado foi proferido no julgamento do recurso especial interposto nos autos de representação por propaganda eleitoral irregular, em que o recorrente, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., questionou a desproporcionalidade do valor das astreintes que lhe foram impostas.

Na espécie, diferentemente, a questão atinente à desproporcionalidade da multa por descumprimento da ordem judicial está sendo suscitada em sede de mandado de segurança, impetrado em face de decisão proferida na execução da sentença, após o trânsito em julgado da decisão que condenou o ora recorrente, impondo-lhe o pagamento das astreintes.

Cabia ao recorrente, portanto, ter apontado a desproporcionalidade do valor das astreintes nos autos da representação em que foi condenado.

(…)

Ademais, o caso ora em exame diz respeito à cobrança de astreintes por descumprimento de ordem de retirada de propaganda eleitoral irregular veiculada no pleito de 2012, e o julgado invocado pelo recorrente (REspe 529-56), em que esta Corte limitou o cômputo das astreintes à data da diplomação, refere-se a propaganda eleitoral irregular veiculada nas Eleições de 2016, sendo, portanto, inaplicável à espécie.

(TSE, RMS 06001083420176160000, Rel. Min. Admar Gonzaga Neto, DJE 14.11.2018)

Portanto, descabe invocar a conclusão do REspe n. 529-56 para o lapso temporal das astreintes relativas às eleições municipais de 2012.

Além disso, gizo que os prazos aventados pela Google na impugnação ao cumprimento de sentença (fls. 733-752) e, posteriormente, na memória de cálculo (fls. 902-948), no sentido de que as astreintes deveriam incidir até um dia antes da eleição (06.10.2012), dia da eleição (07.10.2012) ou data da diplomação (19.12.2012), sequer foram objeto das decisões prolatadas na fase de conhecimento, pois em sua defesa e nos recursos interpostos a executada limitou-se a insistir na resistência ao cumprimento da ordem judicial.

A peça defensiva e os recursos inominado e especial são expressos ao informar que a propaganda não seria removida da internet com fundamento nos princípios da liberdade de expressão e de manifestação do pensamento. A empresa não solicitou, em momento algum, o arbitramento do valor até o máximo da multa prevista no art. 57-D, § 2°, da Lei n. 9.504/97, dispositivo que somente foi invocado na fase de cobrança.

Mas, é importante registrar, em relação a esse argumento, que para o TSE o valor máximo das sanções previstas nos arts. 57-C, § 2º, 57-D, § 2º, 57-E, § 2º e 57-H, § 2º, todos da Lei das Eleições, pode ser utilizado para fixar o máximo da multa diária em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ao dia, e não para limitar o total da condenação a esse montante (RMS 348907, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 30.8.2016; RESPE 34639, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 15.8.2017).

Destarte, não cabe nesta fase processual reanalisar o pedido de afastamento, revogação ou de limitação das astreintes até qualquer data que não seja relacionada ao cumprimento da ordem de remoção da propaganda da internet, pois essa discussão está preclusa.

Ademais, no cumprimento de sentença apresentado pela União (fls. 573-581) e no respectivo cálculo que o acompanha, foi considerado como termo final da multa o dia de 21.8.2014, data apontada na ata notarial das fls. 486-491, que revelou a permanência da propaganda irregular na internet. Confira-se o trecho da petição apresentada pela União:

(…) O termo final considerado é 21/08/2014, data da ata notarial que comprova, indubitavelmente, que o conteúdo ofensivo permanecia no site do YOUTUBE (fls. 346/349). Cabe ainda destacar que somente em 09/09/14, a executada peticionou nos autos informando do cumprimento integral das obrigações da sentença, com a respectiva comprovação da retirada do vídeo e o fornecimento de dados relativos ao responsável pela inserção na plataforma do YOUTUBE (fls. 165/168).

Como se vê, na fase de cumprimento de sentença, sequer a exequente requereu a incidência das astreintes até o dia 09.9.2014, em que a Google forneceu os dados do IP. Aliás, na réplica à impugnação a União reafirmou que o termo final considerado no cálculo do cumprimento de sentença era o dia 21.8.2014 (fls. 774-786).

Portanto, a primeira decisão judicial sobre o tema (fls. 802-806), na qual a magistrada a quo conclui que as astreintes deviam ser consideradas até 09.9.2014, é manifestamente ultra petita, pois ultrapassou o prazo que estava no pedido da exequente.

Essa decisão foi tornada insubsistente por este Tribunal no julgamento do agravo de instrumento RE n. 98-98, pois o acórdão reformou integralmente o pronunciamento judicial, entendendo cabível a intimação da executada para juntada da memória de cálculo e o processamento da impugnação (fls. 881-891).

Embora na fundamentação do acórdão conste a referência à conclusão de que o dever de pagamento das astreintes permanecia até 09.9.2014, foi expressamente afirmado que naquela assentada o Tribunal não estava enfrentando o mérito da impugnação, ou seja, o termo final da multa e seu valor.

A menção ao prazo de incidência das astreintes nem mesmo constou do dispositivo do acórdão do RE n. 98-98, sendo incabível considerar que o tema está protegido por preclusão na linha da remansosa jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. VALE-REFEIÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. TERMO INICIAL DO REAJUSTE DO VALE-REFEIÇÃO. COISA JULGADA. 1. Uma vez passada em julgado a sentença não é possível, na execução, modificar o termo inicial do reajuste, sob pena de ofensa à coisa julgada material. 2. Acórdão transitado em julgado que determina, em seu dispositivo, o reajuste do vale-refeição a partir do quinquênio que antecede o ajuizamento do processo de conhecimento. 3. A parte da sentença que transita em julgado é o dispositivo. Exegese do artigo 469 do CPC/73 e art. 504 do CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70077491611, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Matilde Chabar Maia, Julgado em 07.6.2018).

(TJ-RS - AI: 70077491611 RS, Relatora: Matilde Chabar Maia, Data de Julgamento: 07.6.2018, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11.6.2018) (Grifei.)

 

TERRENO DE MARINHA. RIO TRAMANDAÍ. AUTO DE INFRAÇÃO. REALIZAÇÃO DE ATERRO E CONSTRUÇÕES SEM AUTORIZAÇÃO. COISA JULGADA. LIMITES OBJETIVOS. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. REGULARIDADE. 1. Nos termos do art. 504, I, do CPC, não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença. Somente o dispositivo faz coisa julgada, sendo possível que os fundamentos voltem a ser discutidos em outro processo, nada impedindo que posicionamento contrário ao anterior seja adotado. 2. No presente caso, não se está a discutir a cobrança de taxa de ocupação, de modo que não há falar em ofensa à coisa julgada. 3. Esta Corte já afirmou, em reiteradas oportunidades, que as áreas situadas às margens do Rio Tramandaí configuram terreno de marinha, bem como que o procedimento de demarcação respectivo não padece de irregularidades.

(TRF-4 - AC: 50032461920154047121 RS 5003246-19.2015.4.04.7121, Relatora: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 31.7.2018, TERCEIRA TURMA) (Grifei.)

Anoto que se não tivesse sido reformada, caberia a readequação da decisão das fls. 802-806 em atenção ao princípio da congruência, dado ser manifestamente ultra petita.

Com isso, tem-se que a melhor interpretação a ser dada à questão é a estabelecida nos incs. I e II do art. 504 do CPC, que dispõem não fazer coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da decisão, ou a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento do decisum.

Acrescento que ao julgar os embargos declaratórios opostos pela União contra a decisão ora agravada, de fls. 996-1003, a própria magistrada registrou a conclusão de que seu pronunciamento anterior, das fls. 802-806, foi desconstituído por este Tribunal.

Por fim, ressalto, esse raciocínio em nada colide com o convencimento de que o valor da multa diária pode ser reduzido conforme os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ante a inexistência de trânsito em julgado do quantum cominado a título de astreintes.

O que se está a entender, insista-se, é que o motivo pelo qual as astreintes foram estabelecidas foi devidamente discutido durante a fase de conhecimento e está albergado pela eficácia preclusiva da coisa julgada, devendo ser respeitada a autoridade das decisões prolatadas por este Tribunal (fls. 196-207) e pelo TSE (fls. 269-274).

Daí porque a data da retirada da propaganda da internet é o único marco possível para o exame do lapso temporal em que persistiu o descumprimento da ordem judicial.

Com esses fundamentos, merece ser acolhida em parte e por fundamento diverso a preliminar de nulidade da decisão agravada, em razão do entendimento de que a incidência das astreintes deve ser considerada até a data em que provado o cumprimento da ordem judicial de remoção da propaganda da internet.

2. Mérito

O exame do mérito refere-se: a) à validade da ata notarial juntada aos autos; b) à possibilidade de readequação da multa vencida, segundo o disposto no art. 537, § 1°, do CPC; c) à proporcionalidade e à razoabilidade do valor; d) ao índice de correção monetária aplicável.

a) Validade da ata notarial juntada aos autos

A executada contesta o dia 21.8.2014, apontado na ata notarial das fls. 486-491, que afirma a permanência da divulgação da publicidade na internet, sustentando que a remoção ocorreu em 18.01.2013, conforme documento da fl. 441, no qual a Google informa ter removido o vídeo impugnado do YouTube.

A tese da empresa é de que o endereço “http” consultado pelo tabelião é atípico, tendo sido visualizado o vídeo por uma brecha no sistema.

Sem razão.

O endereço de internet contido na ordem de retirada da publicidade “http://www.youtube.com/watch?v=bSzZbG4hqBU” é exatamente o mesmo indicado na ata notarial em questão, não havendo motivo algum para se cogitar da inveracidade da declaração contida em instrumento firmado por agente dotado de fé pública, dado que sua eficácia probante deve prevalecer sobre documento privado elaborado pela própria parte.

Ora, a ata notarial é “instrumento público no qual o tabelião, ou seu substituto autorizado, a requerimento do interessado, constata fielmente fatos, as coisas, as pessoas ou as situações, para se comprovar a existência ou seu estado” (FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata notarial - doutrina, prática e meio de prova. São Paulo: Quartir Latin, 2010, p 112).

Esse importante meio de prova, considerado atípico na vigência do CPC/1973 - período em que foi produzida a ata notarial das fls. 486-491, que declara a manutenção do vídeo no YouTube -, na redação do art. 384 do CPC/2015, consiste em prova destinada a atestar a existência de dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos.

Assim, correta a exequente ao apontar que, em 21.8.2014, a propaganda irregular permanecia acessível na internet, merecendo ser refutada a impugnação da ata notarial porque desprovida de fundamento idôneo.

Dessa forma, nada obstante se desconheça o dia em que a decisão judicial foi efetivamente cumprida pela executada, deve ser o dia 21.8.2014 considerado como termo final da incidência das astreintes objeto do cumprimento de sentença.

b) Possibilidade de readequação da multa vencida segundo o disposto no art. 537, § 1°, do CPC

O STJ, na égide do Novo CPC, reafirmou o entendimento estabelecido na vigência do CPC/1973 no sentido de que é possível ao julgador, nos termos do art. 537, § 1º, inc. I, do CPC/15, alterar, de ofício ou a requerimento da parte, o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença.

Cito, a propósito, o seguinte precedente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. "ASTREINTES". ALTERAÇÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. 1. Cumprimento de sentença. 2. É assente o entendimento nesta Corte, segundo o qual é possível ao julgador alterar de ofício ou a requerimento da parte, o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença. Precedentes do STJ. 3. O reexame de fatos e provas não é permitido nesta via recursal. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e , nessa parte, não provido. (...)

(STJ - REsp: 1744950 SP 2018/0132056-9, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: DJ 05.9.2018)

No referido julgado, são também mencionados os seguintes acórdãos do STJ que adotaram idêntico raciocínio: AgRg no AREsp n. 787.425/SP, Quarta Turma, DJE 21.3.2016, e AgInt no AREsp 1189031/SP, Terceira Turma, DJE 16.4.2018.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral também admite o exame do valor fixado a título de multa cominatória, quando ínfimo ou exagerado, a fim de adequá-la aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (RESPE 11877, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE 08.10.2018).

Segundo o TSE:

Relevante pontuar, assim, que o sistema processual civil de 2015 igualmente garante ao juiz uma margem de liberdade para aplicar a medida executiva que ele considere mais adequada para efetivação do direito. E dizer, continua a viger o princípio da atipicidade dos atos executivos. O § 1° do artigo 537 do CPC de 2015 trata sobre a possibilidade de o magistrado modificar o valor e a periodicidade da multa processual ex officio (...).

(...)

Dessa forma, plenamente possível o ajuizamento do presente mandado de segurança para a discussão dos valores cominados a título de multa processual em processo findo, desde que evidenciados, obviamente, os demais requisitos. Ademais, esta Corte Superior também já decidiu que a impugnação ao cálculo das astreintes poderá ser examinada a qualquer tempo.

(...)

(RMS 348907, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 30.8.2016)

Além disso, conforme referido por este Tribunal no acórdão do RE n. 98-98, embora não se desconheça a existência de entendimento de que o § 1º do art. 537 tutelaria apenas a multa vincenda, excluindo do seu âmbito a multa vencida, o raciocínio contraria robusta jurisprudência firmada nos tribunais superiores. Por oportuno, destaco o seguinte excerto do julgado:

De igual modo, ao analisar o § 1º do art. 537 do CPC, o jurista Daniel Amorim Assumpção Neves ensina que, em princípio, o dispositivo vedaria a redução do valor das astreintes vencidas, mas que essa redação não foi aprovada pelo Senado Federal no texto final do Novo CPC:

"O § 1° prevê que o juiz, de ofício ou a requerimento, pode modificar o valor e a periodicidade da multa, regra já existente no art. 461, § 6º, do CPC/73, quando a multa se tornar insuficiente ou excessiva ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial da obrigação ou justa causa para o seu descumprimento.

(…)

Nesse tocante havia uma significativa novidade no projeto de lei aprovado na Câmara que foi retirada do Novo CPC pelo Senado. Havia previsão expressa no sentido de que a mudança do valor da multa só se aplicaria para o futuro. Primeiro, porque o dispositivo falava em “multa vincenda” e depois porque afirmava expressamente que a mudança não teria “eficácia retroativa”. Como se pode notar no projeto de lei aprovado na Câmara, o valor consolidado das astreintes não poderia ser reduzido pelo juiz, em entendimento que contraria a posição majoritária da jurisprudência. O projeto de lei aprovado na Câmara consagrava o que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chamou de “indústria das astreintes”, quando o exequente abdica da satisfação do seu direito para manter a aplicação da multa durante longo espaço de tempo. A retirada da expressão “sem eficácia retroativa” do texto final do art. 537, § 1°, do Novo CPC continua a permitir a redução do valor consolidado da multa.

(Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015, 2ª ed., RJ, Forense, SP: Método, 2015, p. 347/348)."

Conforme se vê, é perfeitamente possível à digna magistrada modificar o valor de astreintes vencidas.

(TRE-RS, RE 9898, Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS de 25.6.2018).

Com essas razões, mantém-se o entendimento já firmado por este Tribunal no sentido da possibilidade de alteração do valor de astreintes vencidas.

c) Proporcionalidade e razoabilidade do valor

A juíza de piso acolheu em parte a impugnação apresentada por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., entendendo que a multa foi aplicada no valor de R$ 5.000,00, a partir de 31.8.2012, e majorada para R$ 20.000,00 a partir de 04.9.2012 até a diplomação dos eleitos, 19.12.2012.

Conforme já referido, o termo final das astreintes deve ser readequado para 21.8.2014, perfazendo cerca de mais de 700 dias de descumprimento da ordem judicial, sendo 4 dias sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 e o restante na incidência da majoração do valor para R$ 20.000,000.

Além disso, uma vez admitida a revisão do valor da multa cominatória, faz-se necessário definir os parâmetros de avaliação da sua proporcionalidade e razoabilidade, evitando-se, inclusive, enriquecimento sem causa da parte beneficiada com o recebimento dos valores, no caso a União.

Na espécie, os valores diários estão dentro do limite máximo da penalidade pecuniária de R$ 30.000,00 aplicável aos casos em que há descumprimento das regras disciplinadoras da propaganda eleitoral na internet (arts. 57-C, § 2º, 57-D, § 2º, 57-E, § 2º, e 57-H, § 2º, todos da Lei n. 9.504/97).

Todavia, embora constatada a reiterada desídia, o débito alcançou o patamar de mais de 18 milhões de reais, quantia que a empresa alega ser confiscatória e caracterizar lesão aos princípios da ordem econômica constitucional, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Na consulta à jurisprudência do TSE, verifiquei que em diversos precedentes foi considerada proporcional e razoável à capacidade financeira e ao poderio econômico da empresa Google Brasil Internet Ltda., e também adequada ao princípio da vedação do confisco, a fixação da multa diária, por descumprimento de ordem da Justiça Eleitoral relativa ao pleito de 2012, em R$ 10.000,00 (dez mil reais): a) RESPE 22296, Rel. Min. Admar Gonzaga Neto, DJE 16.4.2018; b) AI 1715, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE 08.9.2017; c) AI 280-65, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 10.3.2016; d) AgR-RMS 666-47, Rel. Min. Henrique Neves, DJE 13.11.2015.

Na presente hipótese, entendo que o valor da majoração da multa, determinado na sentença à razão de R$ 20.000,00 diários, pode ser reduzido para R$ 10.000,00 por dia a contar de 04.9.2012, estando essa quantia em consonância com os critérios de igualdade e justiça, considerando especialmente a capacidade econômica da agravante.

A propósito, é firme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que “o valor pecuniário impingido a título de astreintes se afigura razoável e proporcional, ainda que em monta elevada, considerando-se o poderio econômico da sociedade empresária devedora e o escopo desse instituto de concretizar as decisões judiciais, garantindo a efetividade da tutela jurisdicional” (AgR-RMS n. 101987, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 18.6.2018).

Portanto, à vista dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e atento às peculiaridades do caso concreto, principalmente à capacidade econômica da parte agravante, cujos serviços são prestados mundialmente, entendo que apenas o quantum do aumento das astreintes fixado em sentença deve ser diminuído para R$ 10.000,00 (dez mil reais), ainda pendente das devidas correções.

d) Índice de correção monetária aplicável

Quanto ao fator de atualização monetária aplicável na fase executiva, a Resolução TSE n. 21.872/04 determina a adoção do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado Especial (IPCA-E).

A executada afirma que o TRE-RS, no julgamento do recurso em registro de candidatura RE n. 15668, da relatoria da Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, aplicou o IGP-M para a correção monetária de débito eleitoral.

Contudo, as decisões prolatadas em processos de registro de candidatura são eminentemente declaratórias, deferindo ou não o pedido de registro, não havendo condenação ao pagamento de valores nesses feitos.

De mais a mais, da leitura das razões de decidir do acórdão invocado bem se observa que a referência ao IGP-M aparece em mera citação de trecho de sentença que condenou a candidata à restituição de valores ao erário por prática de ato de improbidade administrativa.

Desse modo, o valor do débito deve ser corrigido pelo IPCA-E a partir da data do arbitramento da multa.

3. Dispositivo

Ante o exposto, acolho em parte, e por fundamento diverso, a preliminar suscitada e, no mérito, VOTO pelo parcial provimento dos agravos de instrumento interpostos pela UNIÃO e por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. para reformar parcialmente a decisão agravada, a fim de fixar o dia 21.8.2014 como termo final do período de incidência das astreintes, reduzir o valor do aumento determinado em sentença para R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e estabelecer a correção do débito com base no Índice de Preços ao Consumidor Ampliado Especial (IPCA-E), nos termos da fundamentação.

Consideram-se prequestionados todos os dispositivos legais e constitucionais invocados pelas partes.

Comunique-se esta decisão ao juízo a quo a fim de que determine a intimação da exequente para a juntada da memória de cálculo atualizada do débito, nos termos da presente decisão, expedindo-se ofício para levantamento do seguro-garantia judicial.

Por fim, tendo em conta o apensamento do processo RE 68-29 a este feito, eventuais peticionamentos devem ser realizados exclusivamente nos presentes autos por concentrar a tramitação processual.

 

Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga (voto-vista):

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

Estou a acompanhar o entendimento do eminente relator em relação ao parcial acolhimento da matéria preliminar e, quanto ao mérito, no sentido de dar parcial provimento aos agravos de instrumento interpostos pela UNIÃO e por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. para reformar parcialmente a decisão agravada, a fim de fixar o dia 21.8.2014 como termo final do período de incidência das astreintes, reduzir o valor do aumento determinado em sentença para R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e estabelecer a correção do débito com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado Especial (IPCA-E).

O nó górdio do caso sob análise está na fixação do marco que encerra o lapso temporal durante o qual persistiu a incidência das astreintes.

E, quanto a este aspecto, o nobre relator foi proficiente ao fixar a data de 21.8.2014 como o momento no qual se deu a retirada da propaganda irregular da internet, incidindo as astreintes até este dia.

Superada esta questão, verifica-se, de igual modo, a possibilidade de readequação da multa vencida, nos termos do disposto no art. 537, § 1º, do CPC, tal como proposto pelo ilustre relator.

Isso porque os entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral, já estampados no voto condutor, são esclarecedores ao compreender possível a alteração, de ofício ou a requerimento da parte, do valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença.

Trata-se de prestigiar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por essa razão, adiro ao proposto pelo eminente relator no sentido de que “o valor da majoração da multa determinado da sentença à razão de R$ 20.000,00 diários pode ser reduzido para R$ 10.000,00 por dia a contar de 04.9.2012, estando essa quantia em consonância com os critérios de igualdade e justiça, considerando especialmente a capacidade econômica da agravante”.

De igual modo, pela fundamentação já exposta pelo nobre relator, assinto que o índice de correção monetária aplicável na fase executiva, a teor do disposto na Resolução TSE n. 21.872, de 05.8.2004, é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado Especial (IPCA-E).

Por fim, em relação à destinação dos valores, cabe referir que tal questão se encontra coberta pela coisa julgada, haja vista que este Tribunal, em acórdão da relatoria do Des. Eleitoral Ingo Wolfgang Sarlet, nos autos do RE n. 2683-31 (fls. 493-505), compreendeu que “as astreintes, no âmbito desta Justiça especializada, não podem ser revertidas em benefício da parte, mas, isto sim, da União, pois prepondera o interesse público da coletividade, reconhecendo-se que a destinação dos valores estipulados deve reverter em favor do Fundo Partidário”.

Ante o exposto, Senhor Presidente, acompanho integralmente o voto do eminente relator.

 

Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

Acompanho o relator, que teve a sensibilidade de, respeitando as normas e os limites processuais, entender por alterar, num critério de razoabilidade, o valor da astreinte. Penso que não há nenhum prejuízo; ao contrário, estamos atendendo a uma tutela mais célere e eficaz, pois não haveria sentido aguardar um agravo que não tem repercussão naquilo que é o objeto nuclear do voto: a questão do valor. Efetivamente, a multa, que foi tomada muito tempo atrás com valor máximo, tornou-se excessiva – e por isso a redução recomendada – pelo tempo decorrido.

 

Des. Eleitoral Gustavo Diefenthäler:

Estou acompanhando o relator, Des. Maffini, tanto no que concerne ao atendimento dos limites da coisa julgada quanto na sensibilidade que expressou ao propor a redução do valor da multa.

 

Des. João Batista Pinto Silveira:

Acompanho integralmente o voto do relator.

 

(Após votar o relator, acolhendo em parte, e por fundamento diverso, a preliminar e, no mérito, dando parcial provimento aos agravos de instrumento, proferiu o voto-vista o Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga acompanhando o voto do relator, assim como os demais julgadores presentes, Des. Eleitorais Gerson Fischmann, Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler e João Batista Pinto Silveira. Julgamento suspenso para aguardar o voto da Desa. Marilene Bonzanini.)