RE - 1797 - Sessão: 25/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso Eleitoral interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de São José do Ouro e outros contra a sentença do Juízo da 103ª Zona Eleitoral (fls. 79-81), que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, em virtude do recebimento de doações provenientes do Diretório Nacional do partido sem a identificação do doador originário, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 1.946,14, acrescida de multa de 20% sobre esse montante, bem como a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que os esclarecimentos sobre a origem dos recursos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral.

Em seu recurso (fls. 84-86), o partido alega que informou e comprovou adequadamente a origem dos valores recebidos, provenientes do órgão de direção nacional. Argumenta que o dever de comprovar o doador originário limita-se às doações de pessoas físicas ou outros partidos, não sendo obrigatória quando os recursos se originam da própria agremiação. Requer a aprovação das contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 96-98v.).

É o relatório.

VOTO

O Partido dos Trabalhadores de São José do Ouro teve suas contas relativas ao exercício de 2017 desaprovadas em virtude do recebimento de recursos oriundos do Diretório Nacional do partido sem a identificação do doador originário, contrariando o disposto no art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário.

De fato, a agremiação recebeu recursos provenientes do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores no valor total de R$ 1.946,14, sem a identificação dos doadores originários, tal como determina o art. 5º, inc. IV, acima referido.

O recorrente alega que a identificação do doador originário é exigida somente nas doações recebidas de “outras agremiações partidárias”, como se extrai da expressão literal empregada no dispositivo, e não incidiria no presente caso porque o donativo advém do mesmo partido, mas de órgão de direção distinto.

O argumento não procede. Deve-se conferir entendimento teleológico ao texto legal para entender que a expressão se refere a qualquer agremiação partidária ou órgão de direção distinta da beneficiária. Tal compreensão é reforçada pelo teor do art. 11, inc. III, da Resolução TSE n. 23.464/15, o qual exige que as transferências entre diferentes níveis de direção partidária devem identificar o doador originário:

Art. 11. Os órgãos partidários de qualquer esfera devem emitir, no prazo máximo de três dias contados do crédito na conta bancária, recibo de doação para:

III – as transferências financeiras ou estimáveis em dinheiro realizadas entre níveis de direção partidária do mesmo partido político, com a identificação do doador originário.

A prevalecer a leitura pretendida pelo recorrente, a doação realizada por outras esferas partidárias sequer seria permitida, pois tal procedimento não é especificamente previsto no rol de recursos a serem arrecadados pelo partido.

Assim, é impositiva a identificação do doador originário na transferência de recursos do órgão nacional para o municipal, conforme se extrai das normas de regência acima transcritas e da jurisprudência, da qual são expressão as seguintes ementas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES ORIUNDAS DE FONTE VEDADA. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. USO IRREGULAR DE RECEITA DO FUNDO PARTIDÁRIO. INOBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL MÍNIMO DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO A SER UTILIZADO NA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS.

[...]

2. Crédito de receitas com apenas a indicação do CNPJ do órgão partidário, sem a identificação do real doador originário, contrariando as disposições contidas nos arts. 5º, inc. IV, e 7º, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15. Caracterizada como de origem não identificada, deve a quantia ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15.

[...]

(TRE/RS, Prestação de Contas n 4520, ACÓRDÃO de 08.11.2018, Relator GERSON FISCHMANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 12.11.2018, p. 5.)

 

- RECURSO ELEITORAL - PRESTAÇÃO DE CONTAS - PARTIDO POLÍTICO - EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016.

- JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO - POSSIBILIDADE - ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL E PRECEDENTES DO TRIBUNAL.

[...]

- AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DOS DOADORES ORIGINÁRIOS DAS CONTRIBUIÇÕES REGISTRADAS EM NOME DO DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO NO FORMULÁRIO DE CONTRIBUIÇÕES RECEBIDAS - IMPOSSIBILIDADE DE PRESUMIR QUE AS CONTRIBUIÇÕES SÃO, EFETIVAMENTE, ORIUNDAS DE FONTE VEDADA - CONTRIBUIÇÕES QUE, TODAVIA, DEVEM SER CONSIDERADAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA, UMA VEZ QUE O PARTIDO NÃO IDENTIFICOU OS SEUS DOADORES - IRREGULARIDADE GRAVE, QUE TAMBÉM MOTIVA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS - DETERMINAÇÃO, NA SENTENÇA, DE RECOLHIMENTO DO VALOR DESSAS CONTRIBUIÇÕES AO TESOURO NACIONAL MANTIDA.

[...]

(TRE/SC, RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n 4867, ACÓRDÃO n 32999 de 07.3.2018, Relatora LUÍSA HICKEL GAMBA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 45, Data: 03.4.2018, pp. 3-4.)

Ausente a identificação do doador originário, o valor recebe tratamento de recurso de origem não identificada e deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15, tal como determinado na sentença.

A multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 foi fixada na sentença no seu percentual máximo, de 20%, tendo em vista que o valor de R$ 1.946,14 foi o total arrecadado pela agremiação no exercício de 2017. Assim, a multa em seu patamar máximo encontra amparo na jusrisprudência desta Casa, no sentido de respeitar a equivalência com o percentual da irregularidade frente ao total arrecadado (TRE/RS, RE 25-06, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julg em 11.2.2019).

Por outro lado, merece reparo a decisão no tocante à sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixada, nos termos do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, até que o esclarecimento sobre a origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral.

Da análise sistemática do regulamento, verifica-se que a suspensão de quotas até que a origem dos recursos seja informada somente tem sentido durante o trâmite do feito, e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos.

Entendimento diverso poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que, após a prolação da sentença, sequer teria lugar o exame de eventuais novos esclarecimentos.

Logo, a interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito concluindo pela existência de recursos de origem não identificada.

A ilustrar referido posicionamento, elenco o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime.) (Grifei.)

Assim, considerando o entendimento da Casa no sentido de que a penalidade deve ser equivalente ao total movimentado (TRE/RS, RE 25-06, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julg em 11.2.2019), e tendo presente que o valor apontado irregular representa a totalidade dos recursos arrecadados, o período de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário deve ser fixado objetivamente em 12 meses, afastada a condição de que a origem do valor venha a ser aceito pela Justiça Eleitoral, nos termos da fundamentação acima.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para fixar a suspensão de repasse do fundo partidário em 12 meses, afastando a condição de que tal suspensão subsista até que os esclarecimentos sobre a origem dos recursos sejam aceitos pela Justiça Eleitoral.