RC - 266862 - Sessão: 23/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença da Juíza da 50ª Zona Eleitoral que julgou improcedente denúncia para absolver AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA da acusação de transporte ilegal de eleitores (art. 11, inc. III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74), em razão dos seguintes fatos, assim descritos na inicial (fls. 3-6):

"No dia 07 de outubro de 2012, AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, induzido e auxiliado por MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA, transportou cerca de 180 eleitores, com o objetivo de influenciar na vontade de tais eleitores para que votassem em MARCELO LUIZ SCHREINERT (à época dos fatos, candidato à reeleição ao cargo de prefeito de São Jerônimo) e FABIANO VENTURA ROLIM (à época dos fatos, candidato a vice-prefeito de São Jerônimo). Assim agindo os denunciados, de forma livre e consciente, fizeram incidir o tipo penal do art. 11, III, combinado com o art. 5°, ambos da Lei 6.091/1974, em suas condutas; AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA em tipicidade direta; MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA, em tipicidade indireta, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal, mediante as seguintes condutas, que revelam, de forma cabal, a autoria dolosa:

(1) AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, no dia 07/10/2012, transportou cerca de 180 eleitores, utilizando-se de um veículo PRISMA, locado, no dia 06/10/2012, junto com outros 11 (onze) veículos (total de 12 veículos), na empresa Pontual Autolocadora e devolvidos no dia 08/10/2012, por representantes da campanha eleitoral de MARCELO LUIZ SCHREINERT; conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e nas declarações de folhas 110-112, 168, 249, 250, 251, 252-253, 254, 255, 256, 257, 258, 259, 341.

(2) MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA, prestaram auxílio moral (instigação decisiva na prática do crime) e material (por meio de estrutura logística para possibilitar o crime). São vários os elementos que revelam de forma imbricada a instigação decisiva na prática do crime, bem como o estrutura logística organizada para o cometimento da infração penal.

Auxílio material (estrutura logística): a estrutura material para o cometimento da infração já fora cabalmente reconhecida pela Juízo Eleitoral da 50ª Zona Eleitoral e por este Tribunal Regional Eleitoral. No ponto oportuno trazer excerto da acórdão proferido por este TRE no Recurso Eleitoral n° 1-84.2013.6.21.0050, o qual em análise do conjunto probatório colacionado ao referido recurso, acaba por reportar-se as razões de decidir do juízo de primeiro grau:

'No caso dos autos, a conduta encontra-se perfeitamente demonstrada através da prova documental colacionada, que revela a contratação pelos representados, através do comitê da campanha, e pagamento por eles, de todas as despesas relacionadas à locação de veículos, combustível e até alimentação dos motoristas após o pleito eleitoral.'

'O servidor municipal Valdir Soares Pereira, envolvido na campanha à reeleição do Prefeito Municipal, efetuou a locação dos veículos na cidade de Porto Alegre, fornecendo cheque caução para liberação destes. Por sua vez, Kassius Souza da Silva e Luciano Saltiel também arcaram com o pagamento das locações no momento da devolução dos automóveis, e é importante frisar que o último foi coordenador da campanha eleitoral dos representados.'

'Os contratos entabulados entre Pontual Autolocadora e Valdir Soares Pereira, acostados às fls. 268/334, revelam a locação de doze veículos em 06/10/2012 (vésperas da eleição) e devolução em 08/10/2012.'

(…)

'Júlio César da Silva narrou ter transportado os motoristas até Porto Alegre, antes das eleições, para locação dos veículos, buscando-os no dia da devolução dos automóveis, para retorno a São Jerônimo. Antes de retornar a São Jerônimo, todos almoçaram no Restaurante Rei dos Camarões. Narrou ter sido contratado por Luciano Saltiel por R$800,00.'

'Por sua vez, Rafael dos Santos Pereira, asseverou ter apenas buscado o automóvel na locadora, a pedido de Luciano. Esclareceu que, na véspera das eleições, deslocou-se ao interior de São Jerônimo para distribuição de um jornal, interesse dos representados.'

'Ora, a versão apresentada pelos representados, os quais alegaram que “simpatizantes”, sem interferência na chapa, teriam alugado os veículos por conta própria, para participarem da carreata, não merece prosperar, pois totalmente dissociada dos demais elementos de prova trazidos aos autos. Os contratos de locação não deixam dúvidas de que três servidores da municipalidade – Valdir Soares Pereira, Kassius Souza da Silva e Luciano Saltiel -, os quais atuavam na campanha de reeleição do representado Marcelo, foram os responsáveis pela locação dos veículos e pagamento do combustível, que não ocorreu de forma individual. Ademais, embora Luciano Saltiel, em seu depoimento, tenha informado não conhecer Rafael Pereira, este afirmou que, a pedido de Luciano, buscou o veículo locado em Porto Alegre, demonstrando fragilidade na tese defensiva e afastando a credibilidade das declarações. Da mesma forma, o relato de Kassius Souza da Silva apresenta contradições, pois, embora refira ter locado o veículo por contra própria, às 10:00h do sábado e devolvido na segunda-feira, bem cedo, os contratos acostados revelam que os doze automóveis foram locados juntos no sábado, sendo retirados da locadora às 08:40h e devolvidos, também de forma conjunta, no dia 08/10/2013, ao meio dia”.

Auxílio moral (instigação decisiva na prática do crime): dos elementos de informação conclui-se que havia uma estrutura organizada por MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA, KASSIUS SOUZA DA SILVA, cujo objetivo era a reeleição de MARCELO, bem como acessar cargos públicos na administração municipal (esses três últimos são detentores de cargos públicos de livre nomeação na referida administração). Esses agentes, no final da campanha política do ano de 2012, deliberaram por contratar 12 veículos para transporte de eleitores e demais atos de campanha. Para atingir tal intento precisavam atuar como motoristas transportando pessoas ou contratar pessoas e induzi-las a proceder de tal forma e, para tanto, deliberaram por agir da seguinte forma, como se observa dos autos:

MARCELO LUIZ SCHREINERT – candidato reeleito prefeito e principal beneficiário da prática delitiva, conhecia a situação de fato, pois os responsáveis pela estrutura logística do crime eram os principais articuladores de sua campanha eleitoral, bem como atuam em cargos de confiança dele na administração municipal; nesse contexto agiu, por vezes, em situação de dolo eventual (conhecia a situação ilícita de fato e com ela consentia porque os resultados lhe eram favoráveis) e, por vezes, agia em dolo direto articulando os acontecimentos (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 249, 250, 252, 254, 256, 258, 280-282, 341.

FABIANO VENTURA ROLIM – vice-prefeito de São Jerônimo, foi um dos organizadores dos atos de transporte de eleitores, articulando os atos de auxílio material e moral do ilícito (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL) ou consentido que assim se procedesse; conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 280-282.

VALDIR SOARES PEREIRA – atual Secretário de Obras de São Jerônimo e articulador da campanha eleitoral de MARCELO, agiu como um dos principais responsáveis pela contratação dos veículos, pois as locações foram em seu nome, bem como prestou auxílio moral para a prática delitiva (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL) ou consentido que assim se procedesse; conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 171.

LUCIANO VON SALTIEL – atual Secretário de Saúde de São Jerônimo, coordenador da campanha eleitoral de MARCELO, foi um dos organizadores dos atos de transporte de eleitores, responsável direto pelo transporte dos motoristas até a locadora, responsável pela negociação prévia da locação, bem como por induzir os motoristas ao transporte de eleitores (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 171, 280-282, 314-316.

KASSIUS SOUZA DA SILVA – atual Secretário de Planejamento do Município de São Jerônimo, um dos coordenadores da campanha eleitoral de MARCELO, foi um dos organizadores dos atos de transporte de eleitores, atuou na contratação dos carros bem como na indução dos motoristas contratados para a prática delitiva (demonstração cabal em relação a AMARO RAFAEL); conclusões embasadas na demonstração do auxílio material e na declaração de folhas 110-112, 168, 171, 280-282, 292-294, 302-304.

A materialidade e a autoria restaram comprovadas por meio dos seguintes elementos de informação:

(1) Documentação contratual relativa à contratação dos veículos e tentativas prévias documentadas, folhas 29-107;

(2) Declarações prestadas por AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA folhas 110-112 e 168;

(3) Declarações prestadas por Luana Martins, folha 171; Diego da Cruz de Almeida, folha 249; Juraci Rodrigues dos Santos, folha 250; Ana Lúcia Soares dos Santos, folha 251; Zélia Marliz da Cruz de Almeida, folha 252-253; Bibiana Mendes, folha 254; Doralino Nunes dos Santos, folha 255;Luís Ricardo Campos da Silva, folha 256; Márcio de Freitas Silveira, folha 259; Rafael dos Santos Pereira, folha 280-282; José Paulo de Almeida Nelson, folha 292-294; Kassius de Souza da Silva, 302-304; Daicy Luís Nunes Dornelles, folhas 314-316; Jackson Luís Souza Trindade, folha 341.

Da capitulação legal das condutas:

1. MARCELO LUIZ SCHREINERT incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

2. FABIANO VENTURA ROLIM incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

3. LUCIANO VON SALTIEL incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

4. VALDIR SOARES PEREIRA incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

5. KASSIUS SOUZA DA SILVA incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974, por meio da regra de extensão do artigo 29 do Código Penal (tipicidade indireta);

6. AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, incorre nas penas do art. 11, III, combinado com o art. 5º, ambos da Lei 6.091/1974 (tipicidade direta);

A denúncia foi recebida no dia 14 de outubro de 2015 (fls. 623-633), por acórdão deste Tribunal, tendo em vista que MARCELO LUIZ SCHREINERT, à época prefeito de São Jerônimo, detinha foro especial por prerrogativa de função.

Relativamente àquela decisão, foram opostos embargos declaratórios por FABIANO VENTURA ROLIM e por MARCELO LUIZ SCHREINERT, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA, que restaram desacolhidos (fls. 665-672v.). Irresignados, os réus interpuseram Recurso Especial ao Tribunal Superior Eleitoral, não conhecido nesta instância no tocante a LUCIANO VON SALTIEL e inadmitido seu prosseguimento quanto a FABIANO VENTURA ROLIM, MARCELO LUIZ SCHREINERT, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA (fls. 727-731). Contra a decisão monocrática foram interpostos agravos de instrumento (fls. 764-791 e 794-810), os quais, após o recebimento, foram remetidos ao egrégio TSE (fl. 838).

Apresentadas as defesas por todos os réus, foi determinada a expedição de cartas de ordem, a fim de que fossem inquiridas as testemunhas e realizado interrogatório dos acusados (fls. 901-907 e 1003), restando cumpridas as diligências (fls. 1049-1051, 1141-1144 e 1205-1208).

Em decisão de 30.3.2017, proferida pelo anterior relator, foi declinada ao juízo eleitoral de primeiro grau a competência para processamento e julgamento do feito, em razão de MARCELO LUIZ SCHREINERT e FABIANO VENTURA ROLIM não mais ostentarem a qualidade de prefeito e vice-prefeito de São Jerônimo, respectivamente (fl. 1318).

Apresentadas as alegações finais, sobreveio sentença, em que a magistrada de piso julgou improcedente a denúncia (fls. 1366-1385), absolvendo os réus das imputações que lhes foram feitas, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Em suas razões recursais (fls. 1387-1395), o Ministério Público Eleitoral alega que a decisão proferida foi contrária à prova dos autos. Requer o provimento do recurso e a condenação dos réus.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 1402-1407 e 1410-1425), o Procurador Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 1428-1438v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Os autos foram remetidos ao Ministério Público Eleitoral, para intimação, em 28.6.2018 (fl. 1386) e recebidos com o apelo em 09.7.2018 (fl. 1386v.), segunda-feira, dentro, portanto, do prazo previsto no art. 362 do Código Eleitoral, tendo em vista que o termo final do decêndio ocorreu no domingo anterior e protraiu-se para aquela data.

Ausente matéria prefacial a ser analisada, passo ao exame do mérito.

2. Mérito

Quanto ao mérito, a questão cinge-se a verificar se há procedência na denúncia apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral, dando conta de que AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, induzido e auxiliado por MARCELO LUIZ SCHREINERT, FABIANO VENTURA ROLIM, LUCIANO VON SALTIEL, VALDIR SOARES PEREIRA e KASSIUS SOUZA DA SILVA, transportou cerca de 180 eleitores na data das eleições municipais de 2012, com o objetivo de influenciá-los para que votassem em MARCELO LUIZ SCHREINERT (à época dos fatos, candidato à reeleição ao cargo de prefeito de São Jerônimo) e FABIANO VENTURA ROLIM (candidato a vice-prefeito de São Jerônimo).

A magistrada de piso julgou improcedente a ação, absolvendo os acusados, ao concluir que o acervo probatório não é apto a gerar certeza quanto à caracterização do ilícito penal e de sua autoria.

Nas razões recursais, o Parquet eleitoral alega, em confronto com essa interpretação, que a materialidade e a autoria dos delitos foram devidamente demonstradas, em vista da documentação atinente à locação dos veículos e dos depoimentos prestados, sobretudo o de AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, que teve homologado por esta Justiça acordo de colaboração premiada celebrado com o Ministério Público Eleitoral.

Pois bem.

Extrai-se dos autos que, de fato, os réus VALDIR SOARES PEREIRA, LUCIANO VON SALTIEL e KASSIUS SOUZA DA SILVA – apoiadores da chapa ao Executivo de São Jerônimo composta pelos corréus MARCELO LUIZ SCHREINERT e FABIANO VENTURA ROLIM – foram os responsáveis pela locação de doze veículos na véspera do pleito com o propósito de utilizá-los nas eleições.

Foi o que concluiu a juíza eleitoral, no minudente exame das provas coligidas ao feito, assim como o douto Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer, cujo trecho, por sua concisão e clareza, transcrevo (fls. 1428v.-1429):

Não há dúvidas quanto a efetiva locação de doze veículos no final de semana do pleito municipal de 2012, para utilização em prol da candidatura à reeleição de MARCELO “PATA”, à revelia da respectiva declaração na prestação de contas da candidatura.

A tese defensiva no sentido de se tratarem de doze locações independentes, contratadas e pagas individualmente, para uso pessoal de cada motorista-contratante, esbarra nos seguintes fatos: (i) todos os doze contratos de locação de veículos constaram no nome do corréu Valdir Soares Pereira, tendo como e-mail para contato o do corréu Kassius Souza da Silva; (ii) todos os pagamentos, em dinheiro e em cartão, foram realizados pelos corréus Valdir Soares Pereira, Luciano Von Saltiel e Kassius Souza da Silva; (iii) o cheque caução, referente aos doze veículos, no valor de R$ 12.000,00, foi prestado apenas por Valdir e devolvido a ele; e (iv) o corréu Luciano Von Saltiel negociou por e-mail com a locadora dos veículos o pagamento da franquia do seguro do veículo locado que sofreu danos, bem como indicou que deveria ser faturada em nome do corréu Valdir, muito embora o motorista cadastrado para o referido veículo tenha sido Carlos Eduardo Gomes de Abreu.

Entrementes, embora se mostre indene de dúvidas que os automóveis foram alugados com o intuito de ser empregados nas eleições, tal ato, diversamente do alegado nas razões do apelo, não tem o condão de comprovar a existência de um esquema articulado e organizado pelo réu MARCELO para transportar eleitores no dia da eleição, com a finalidade de aliciá-los a votar na sua candidatura.

A tipificação da conduta delituosa – transporte irregular de eleitores – encontra-se plasmada no art. 11, inc. III, c/c o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74, nos seguintes termos:

Art. 5º Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I – a serviço da Justiça Eleitoral;

II – coletivos de linhas regulares e não fretados;

III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º.

 

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

(...)

III – descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10:

Pena – reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias multa (art. 302 do Código Eleitoral);

(…)

Para a configuração do crime, portanto, mister que se demonstre, além do transporte de eleitores, desde a véspera até o dia seguinte ao pleito, o dolo específico, que se traduz no especial fim de agir com vistas à obtenção de vantagem eleitoral.

Trago à colação ementa de acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, que retrata a jurisprudência daquela Corte a esse respeito:

AÇÃO PENAL. CRIME ELEITORAL. TRANSPORTE DE ELEITORES. ART. 11, III, DA LEI Nº 6.091/74. CANDIDATO A PREFEITO E VEREADOR. PLEITO DE 2008.

1. Na linha da jurisprudência desta Corte Superior "a prova do elemento subjetivo, da intenção de obter votos, pode ser revelada mediante o contexto verificado" (HC nº 432-93, rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 22.3.2013). Tal assertiva não afasta a firme orientação no sentido de que o tipo do art. 11, III, da Lei nº 6.091/74 tem como elemento subjetivo específico a exigência de o transporte ser concedido com o fim explícito de aliciar eleitores. Precedente: AgR-REspe nº 28.517, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 5.9.2008; AgR-REspe nº 21.641, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 5.8.2005.

2. De acordo com as premissas do acórdão regional, que reformou a sentença de improcedência da denúncia, verifica-se ser incontroverso que houve apenas o transporte de quatro eleitores de uma mesma família, no dia da eleição, não restando evidenciadas outras circunstâncias que comprovassem o dolo específico de interferir na vontade dos eleitores mediante o fornecimento de transporte no dia da eleição.

Recurso especial provido.

(TSE – Recurso Especial Eleitoral n. 305, Acórdão de 04.8.2015, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 201, Data 22.10.2015, pp. 25-26.)

Nesse passo, para configuração da infração é imprescindível a existência de prova quanto ao transporte de eleitores e seu aliciamento em prol de candidatura, visando influir nas eleições.

Da análise do caderno processual, não se encontram elementos de prova, levantados na fase judicial, hábeis sequer a sustentar a tese de que houve transporte de eleitores, quanto mais que os indivíduos tenham sido seduzidos a votar naquela chapa.

Esta também foi a conclusão do douto Procurador Regional Eleitoral, que consignou em seu parecer (fl. 1429): “Nada obstante, conquanto a locação dos veículos em benefício da candidatura de MARCELO “PATA” não enseje dúvidas, a efetiva utilização dos veículos para realizar o transporte de eleitores no dia do pleito não restou minimamente comprovada.”

Aqui, portanto, não há que se falar em dolo específico, porquanto o próprio transporte de eleitores não restou evidenciado.

Anoto que a denúncia foi oferecida com fundamento nas declarações prestadas, principalmente, pelo corréu AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, o qual, afirmando ter trabalhado em prol da candidatura de MARCELO, possuía a expectativa de ser chamado a ocupar cargo em comissão na Prefeitura, caso referido candidato se sagrasse reeleito. Entretanto, embora a vitória nas urnas, não logrou êxito em seu intento e findou por firmar com o Parquet eleitoral acordo de delação premiada.

As declarações do acusado AMARO, conquanto tenham sofrido várias alterações e complementações, sempre se mantiveram no sentido de ter havido o transporte irregular de eleitores.

Os depoimentos das testemunhas, diversamente, indicaram inicialmente, na fase inquisitorial, o cometimento do crime; posteriormente, já na esfera judicial, modificaram-se diametralmente, passando a negar a ocorrência dos fatos configuradores do crime.

Colho a oportunidade para transcrever as declarações das testemunhas em juízo, as quais foram vertidas para a sentença (fls. 1372-1374v.) :

Doralino Nunes dos Santos (CD da fl. 1.050), compromissado, aduziu que Amaro foi até a sua casa fazer um levantamento de telhas que foram danificadas, após um temporal; que Amaro estava fazendo uma “campanha” a respeito das telhas; que nunca falou sobre transporte no Dia das Eleições; que votava em São Jerônimo e logo após as eleições foi embora da cidade; que a sua seção eleitoral era duas quadras da sua casa; que votava na escola conhecida por “Ginásio”; não soube dizer o endereço que morava em São Jerônimo; que não foi transportado por Amaro, tampouco sua família; que votavam a pé; negou que tenha declarado o que consta em seu depoimento na fase policial, após lido pela Promotora de Justiça Eleitoral, a respeito de ter sido transportado por Amaro.

Juraci Rodrigues Soares (CD da fl. 1.050), compromissada e analfabeta, esclareceu que Rafael (Amaro), filho de uma vizinha, foi até a sua casa dizendo que se tratava de levantamento das casas atingidas pela tormenta, para se obter o material para arrumar as casas; não sabe para quem Amaro trabalhava; que não foi transportada para votar nas eleições, declarando que votava no “Ginásio de São Jerônimo”, “bem pertinho da sua casa”; que moraram em São Jerônimo por uns 12 anos e com a morte de uma neta retornou para Alegrete; que não foi transportada por um carro prata; que não recorda de ter prestado depoimento sobre referido fato anteriormente; que não foi procurada por algum político a respeito do depoimento a ser prestado.

Bibiana Rodrigues Mendes (CD da fl. 1.144), ouvida como informante (pois em processo intentado contra Marcelo Pata por Amaro Rafael, serviu de testemunha para este, não esclarecendo o seu nível de amizade com o réu Amaro), aduziu que no Dia das Eleições estava indo votar e Amaro parou e lhe “ofereceu uma carona”; que este não lhe pediu voto; que Amaro nunca lhe fez campanha para “Pata”; que durante a campanha via Amaro “cada dia com um carro”, o que constatava porque a mãe de Amaro mora próximo da sua casa, e “acredita que era para fazer campanha”, que via Rafael “transportando todo mundo”; que no Dia das Eleições, domingo, não viu Amaro transportando outras pessoas; que no veículo que estava sendo conduzido por Amaro, se encontrava também a sua mãe e uma outra pessoa que não conhece; que ficou sabendo pela pessoa de Sirlei, que esta também foi transportada por Amaro; confirmou que prestou depoimento em sua casa para a Polícia Federal e não lembra de ter dito que “os carros” eram locados; que depois Marcelo Pata foi para a rádio e ofendeu Rafael (Amaro) e outras pessoas, que se tocou no assunto da campanha e do transporte; “acha” que Amaro trabalhava na campanha do vereador Severo; que depois que “deu o estouro”, o que ocorreu depois da eleição, que ficou sabendo sobre transporte de eleitor e carros locados, diante dos comentários; que na época Amaro morava com a mãe e não tinha carro; que não viu “santinho” largado dentro do veículo que Amaro conduzia; que a sua seção era a escola “Ginásio”.

Luis Ricardo Campos da Silva (CD da fl. 1.1.44), compromissado, aduziu que estava saindo de casa, para votar, quando Amaro parou o carro e lhe ofereceu uma carona até a sua seção, na escola Carlos Maximiliano; que Amaro não lhe entregou “santinho” de Marcelo e só lhe levou até o local da votação; indagado se prestou depoimento perante os Policiais Federais, confirmou, mas que não lembra se lá afirmou que recebeu “santinho”, nem se ele lhe levou e lhe trouxe até a sua casa, mas se constou no depoimento é porque assim declarou, que não lembra; que quando prestou o depoimento, estavam presentes dois rapazes e Amaro; não sabe se eram policiais, que não se identificaram e depois que ficou sabendo; que tomaram o depoimento na sua casa; que nem lembra se leram e se assinou o depoimento, e depois viu a sua assinatura no depoimento que consta nos autos e confirmou ser ela; que está com câncer na cabeça e com problema de memória; que mora na Vila Princesa Isabel e vota na Escola Carlos Maximiliano, que não são próximas.

Márcio de Freitas Silveira (CD da fl. 1.1.44), compromissado, afirmou que não foi transportado por Amaro Rafael no Dia das Eleições, que não houve carona; que recebeu Policiais Federais em sua casa, juntamente com Amaro, em um dia às 7 horas, quando estava indo para a padaria, e perguntaram-lhe sobre o transporte; que negou e não viu o que constou no seu depoimento; que não precisava de transporte, pois sua seção é a Escola Carlos Maximiliano e sua casa fica na Rafael Atanásio, o que dá menos de uma quadra; esclareceu que na época, com a derrota do candidato adversário, Evandro, “todo mundo ficou brabo” e Amaro, com a polícia, foi tentar “derrubar” quem ganhou e “envolveu muita gente”; que sua esposa era da política, foi candidata e Conselheira Tutelar; que Amaro foi até a sua casa, disse que iria chegar a Polícia Federal e disse o quê teria que ser falado; que não sabe qual era a relação de Amaro com a campanha de Marcelo e o vice; que apoiava, assim como a sua esposa, o candidato opositor ao Marcelo Pata; que sua esposa tinha problema de inimizade com Marcelo, “pois trabalhava na época e lhe tiraram, demitiram”; que sua esposa fez denúncia na Promotoria de Justiça contra Marcelo; ao final, afirmou que declarou falsamente perante à Polícia Federal que havia sido transportado.

Gabriela Reinarte Furquim (CD da fl. 1.1.44), compromissada, afirmou que não foi transportada por Amaro Rafael para votar no Dia das Eleições, tampouco a sua família, não recebeu carona, pois vota “na esquina da sua casa”, na Escola Carlos Maximiliano; lembra de Policiais Federais irem até a sua casa, mas não lembra de ter prestado depoimento; mostrado o depoimento que consta nos autos, no qual confirmou ser a sua assinatura, aduziu não lembrar o que aconteceu, nem que tenha assinado; advertida sobre o compromisso de dizer a verdade, declarou ser verdadeiro o que afirmou em audiência, que não foi transportada; disse não lembrar se a genitora foi candidata à vereadora nas Eleições de 2012.

Silvia Reinarte Furquim (CD da fl. 1.1.44), compromissada, afirmou não ter recebido uma carona, nem foi transportada por Amaro Rafael, no Dia das Eleições; confirmou que Policiais Federais foram até a sua casa e nada disse sobre transporte; que assinou o depoimento sem ler e confirmou como sendo sua a assinatura que consta no depoimento dos autos; o depoimento foi lido pelo Promotor de Justiça, e prosseguiu a testemunha negando que tenha declarado que foi transportada e que lhe foi entregue “santinho”; que os policiais lhe perguntaram sobre cores de carro, placas, sobre boatos de transporte, uma pergunta atrás da outra, e que não sabia a respeito de tais fatos; que o depoimento não lhe foi lido; que nas Eleições de 2012, foi candidata a vereadora e apoiava o candidato a prefeito Evandro, adversário de Marcelo; que não foi quem denunciou os problemas com estagiários, envolvendo a sua filha, na época da gestão de Pata, só a acompanhou a filha na Polícia Federal, por ser adolescente.

Jackson Luis Souza Trindade (CD da fl. 1.1.44), compromissado, afirmou que na segunda-feira, após as eleições, seu padrasto Marcus Vinícius pediu que conduzisse um carro até uma locadora em Porto Alegre; que Marcus Vinícius trabalhava na campanha de Marcelo Pata e de Fabiano Rolim; acredita que o carro foi utilizado na campanha; que “Cafu” também estava lá; que não sabe quem pagou a locação; que voltaram para São Jerônimo em uma van, entre 10 a 12 pessoas, que estavam na locadora devolvendo veículos; que receberam um almoço e não sabe quem acertou o restaurante; que para a testemunha o responsável por seu almoço era o padrasto; que depois, na cidade, houve boatos que referidos veículos tinham sido utilizados na campanha e para transporte de eleitores; que nada sabe sobre isso, pois na época da eleição estava no exército, em Cachoeira do Sul; que Marcus Vinícius trabalhava na prefeitura; não sabe se o carro estava com o seu padrasto no final de semana; que não conversou com o seu padastro a respeito do carro.

Luciano França de Brito (CD da fl. 1.208), compromissado, aduziu ser o Chefe do Cartório Eleitoral da 50ª Zona Eleitoral e que não houve, até o dia das eleições, denúncia de transporte de eleitor; mesmo após as eleições, não houve protocolo de denúncia de transporte, tampouco compareceram pessoas denunciando transporte; pelo que sabe a denúncia de transporte de eleitores objeto da presente ação penal foi originada de uma Representação Eleitoral 1-84 referente a locação dos veículos, não declarados na campanha.

Evandro Lucas dos Santos (CD da fl. 1.208), declarou ser filiado ao Partido Solidariedade, atual partido do réu Fabiano e, diante disso, foi ouvido como informante; que no Dia das Eleições de 2012 não presenciou transporte de eleitores; que no dia das eleições serviu de motorista do réu Fabiano pela parte da manhã; não era filiado nas eleições de 2012, se filiou porque é pré-candidato a vereador e Fabiano é précandidato a prefeito.

Danilo Chagas (CD da fl. 1.208), compromissado, aduziu que nas Eleições de 2012 era Coordenador de Comitê; que o réu Amaro trabalhava para o candidato a vereador Severo, que era do PT; que Severo era da mesma coligação do réu Marcelo (PP) e Fabiano (PT); que nunca houve reunião no comitê sobre locação de carros; que só ficou sabendo dos carros, “quando chegaram lá”; não sabe quantos carros eram; não sabe quem locou e como foram devolvidos; que os carros foram utilizados nas passeatas e carreatas.

Tairone Laurent da Rosa (CD da fl. 1.208), filiado ao PMDB e declarou ser amigo do réu Kassius, foi ouvido como informante, aduzindo que Kassius trabalhava na campanha eleitoral de 2012 para Marcelo e Fabiano, e abonou a conduta social do Réu; que durante o dia das eleições viu Kassius no restaurante, ao meio dia, depois a tarde na frente do comitê; que atualmente Kassius é Secretário de Planejamento do governo de Marcelo.

Marcelo Vinício Souza de Farias (CD da fl. 1.208), Secretário do Desporto e Lazer, cargo em comissão na administração do Prefeito Marcelo, declarou-se amigo de Valdir, foi ouvido como informante, aduziu que nas eleições de 2012 era um dos delegados de partido, e viu o réu Valdir na seção eleitoral da escola IEE; não sabe sobre transporte eleitoral; que no mandato passado do réu Marcelo, Valdir era secretário; que viu algumas vezes Valdir fazendo campanha para Marcelo nas eleições de 2012.

Dilto Ademar da Silva (CD da fl. 1.208), filiado ao PP, vereador, assumindo a Secretaria de Agricultura da administração do Prefeito Marcelo, foi ouvido como informante, esclareceu que trabalhou na campanha de 2012 e no Distrito de Quitéria, recebeu material para os fiscais trabalharem na mesa de votação, crachás…; desconhece transporte de eleitor na localidade de Quitéria, no interior de São Jerônimo.

Rogério Marques Marins (CD da fl. 1.208), compromissado, aduziu que foi até Porto Alegre buscar um veículo para um amigo, Eri “Lair” Duarte, em uma locadora, depois devolvendo-o; que Eri lhe disse que o seu veículo Gol estava muito ruim, e pediu que fosse buscar outro veículo; que Eri não dirige em Porto Alegre e foi por isso que lhe pediu; que no dia das eleições não ouviu sobre transporte de eleitores; só depois das eleições; que buscou o veículo na quinta, sexta-feira antes do dia da eleição; não sabe se Eri fazia campanha; que o depoente não se envolveu nas eleições.

(Grifei)

Verifica-se, assim, que nenhuma das testemunhas, perante a autoridade judicial, reconhece os fatos que deram ensejo à denúncia.

Quanto aos interrogatórios, cabe trasladar o depoimento colhido em sede judicial de AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, salientando que foi o único acusado que reconheceu a conduta delituosa (fls. 1376v.-1378):

Amaro Rafael da Cruz Almeida (CD da fl. 1.208), confirmou que foi até Porto Alegre, com mais 10 motoristas e foi informado que os carros seriam utilizados na campanha; confirmou que transportou eleitores para o vereador Severo para quem trabalhava e para o “Marcelo”; que “recebia ordens de Marcelo” e no comitê; que foi pago para trabalhar para o vereador Severo; que “foi-lhe prometido um cargo” por trabalhar na campanha, que não foi dito qual seria o cargo; que trabalhou com a intenção de receber um “cargo” e depois da vitória das eleições, não “ganhou” o referido cargo; que foi contratado para trabalhar como motorista no domingo e para o “Marcelo”; que depois das eleições ficou sabendo por Rafael Santos que “Marcelo disse que iria entrar com um processo” porque a testemunha tinha transportado eleitores e daí foi procurar a Promotoria de Charqueadas e denunciou o transporte; que não foi até lá acompanhado de candidato; que hoje tem relação de amizade com o candidato da oposição Evandro; indagado sobre ter ido até o Cartório Eleitoral antes da audiência com o candidato Evandro, esclareceu que queria saber se tinham “localizado as testemunhas no Alegrete” e então ligou para Evandro para poder olhar o processo; indagado o motivo pelo qual não entrou em contato com os seus advogados, disse que ligou para Evandro, porque este é seu amigo, confirmando que Evandro é o adversário político do Réu Marcelo; que dirigiu um Prisma cinza e o utilizou na carreata; que a sua contratação ocorreu no gabinete de Marcelo, momento no qual estava presente o vereador Severo, e “vários outros vereadores” que não soube dizer os nomes; que foram buscar os veículos de van; que não pagou a van; não sabe quem pagou o seu veículo; sabe que Valdir deu um cheque caução; que depois de entregarem o veículo na segunda feira, retornaram de van e almoçaram no “Rei dos Camarões”; que para o combustível o réu Kassiuis entregou tickets e depois “davam dinheiro”; que no domingo das eleições “trabalhou bastante puxando gente” e alegou que foi para Marcelo e indagado se também não transportou para o seu candidato a vereador e contratante, Severo, admitiu que sim; que não tinha um “modus operandi”; que pegava gente inclusive em parada de ônibus; suscitado pelo juízo como assim procedeu, diante do acirramento da referida eleição, disse que nunca deixou eleitor na frente da seção eleitoral; afirmou que pegava as pessoas sem qualquer controle, inclusive corria o risco de pegar eleitor do candidato opositor, o que de fato ocorreu, e era educado com as pessoas; que citou como pessoas conhecidas que transportou, Ricardo, Bibiana e uma vizinha e seu filho; disse que “desconhecia” que transportar eleitores era crime, pois era a sua primeira eleição; que estudou até o primeiro ano do ensino médio e trabalha como mecânico; que viu Rafael Santos, genro de Valdir, “transportando bastante gente”; viu também, acha que um Prisma, que foi locado por Paulo Nelson, conduzido por este e depois por outro condutor; foi feita uma reunião em frente ao comitê, na qual estava presente Marcelo, e foi deliberado que era para “circularem com aos carros domingo”; que não foi delimitado uma zona para cada um; indagado sobre o combustível, disse que os tickets tinham um carimbo da prefeitura, “vale gasolina no valor de R$50,00”, e assinatura e era aceito no posto de Cláudio Marcolim; depois retificou dizendo que o carimbo não era da prefeitura e esclareceu que recebeu apenas “um ticket”; depois abasteceu só com dinheiro, fornecido por “Cafu” (Kassius) no comitê, umas duas, três vezes, também por Severo, que lhe forneceu R$ 100,00 no dia da carreata, que também utilizou no domingo, e Rolim lhe entregou R$ 250,00 na sua casa, no domingo; indagado, novamente, sobre quando resolveu contar sobre o transporte, agora informou que Rafael Santos contou para Evandro que houve transporte ilícito e disse que “iriam denunciar todo mundo que foi buscar os carros”; daí se informou com o seu tio Cassetel, vice presidente do PMDB, que lhe orientou em ir na Promotoria de Justiça e foi até lá com o seu irmão Diego; que Marcelo lhe ofendeu na rádio São Jerônimo e por isso lhe processou e desconhece que Marcelo tenha registrado ocorrência de ameaça contra si e seu irmão; confirmou a acusação, uma vez que transportou eleitores no Dia das Eleições; que a reunião com Marcelo foi na quinta-feira, junto com Severo, agora aduzindo que foi em frente ao comitê, e na presença de Paulo Nelson, e Kassius e Valdir estavam em frente ao comitê, “tinha muita gente”; que na locadora estavam presente Valdir, Luciano e Kassius; abordava as pessoas perguntando se iriam votar e se respondiam positivamente, perguntava se queriam uma carona, e durante o transporte indicava Severo e Marcelo; que transportou o casal Doraldino, esposa e filha; que foi procurado pelo Delegado da Polícia Federal Rafael e este disse que precisava de 10 eleitores que teria transportado no Dia das Eleições e deu os nomes; ratificou que Marcelo lhe pediu que fizessem o transporte de eleitores no domingo; que estava presente na sessão plenária do TRE quando do julgamento da Representação Eleitoral proposta contra Marcelo, acompanhado do vereador Amaro da Maré, porque tinha interesse no julgamento, uma vez que foi quem denunciou, porque o “rumo que tomaria isso aí poderia ir preso”; que quem lhe levou até a Polícia Federal para prestar depoimento foi o candidato a oposição Evandro; procurou ele, dizendo que não tinha dinheiro e não tinha como ir, e este lhe levou; que Evandro não lhe indicou testemunhas; que quando prestou depoimento em juízo, na Representação Eleitoral, confirmou que não indicou nomes de eleitores que transportou quando perguntado pela juíza eleitoral, porque não lembrava, porque já havia “passado mais de um ano da eleição”; esclareceu que lembou depois, porque “via as pessoas falando” e daí “vai se lembrando das coisas que acontecem”; aduziu que quando foi a primeira vez na Promotoria de Justiça e não indicou nomes, o Promotor disse que precisava, no mínimo, de nomes de 10% das pessoas que transportou; daí quando foi na Promotoria de Justiça em uma segunda vez, correu atrás e deu os nomes; indagado pela Defesa se os nomes dos eleitores só surgirem após a absolvição de Marcelo na Justiça Eleitoral, referindo a Ministra que no depoimento de Amaro, este não indicou nomes, a testemunha confirmou que só “lembrou” dos nomes depois; não lembra se estava na casa da namorada no domingo pela manhã, ou na casa da mãe, mas confirma que Rolim lhe entregou o dinheiro na casa da mãe; que transportou eleitores da localidade de Porto do Conde para São Jerônimo, em número de 07, 08 eleitores; segundo a defesa no depoimento anterior, teria afirmado que foram 10; indagado porque eleitores do Porto do Conde que tem seção própria – pois bairro distante da cidade - votariam em São Jerônimo, disse que “eram amigos de futebol” e que sabiam que votavam na sede de São Jerônimo, e indagado o porquê que não deu o nome dos referidos amigos, já que conhecidos, disse que não lembrava dos nomes; que abasteceu o carro umas seis, sete vezes, em todo o período que permaneceu com o carro; não sabe a quilometragem que utilizou do seu veículo; que sabe que transportar excesso de pessoas em um veículo é proibido; que Josiane e seu primo Eduardo foram conduzidos no seu veículo e faziam campanha para o vereador Severo; que falava no domingo da eleição com Severo; que também ia no comitê; transportou Doralino, a esposa e filha da Vila de Pinto até o Ginásio, acha que pela manhã, que não foi até a casa deles para fazer levantamento de telhas; o “gabinete” que se referiu é o diretório, comitê do partido; que foi colocado no seu Facebook, no dia da cassação, por Claiton, que trabalha para Rodrigo Marcolim, vereador, “quero comer pato com massa”; acha que seu tio Cassetel na época da eleição era oposição a Marcelo.

(Grifei.)

Embora o Ministério Público Eleitoral tenha procurado demonstrar no apelo que depoimentos prestados na etapa investigatória confirmam os fatos narrados por AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA e que a falta de evidência de coação das testemunhas comprova o esquema estruturado pelo corréu MARCELO LUIZ SCHREINERT para transportar eleitores na data do pleito, tal entendimento não merece prosperar, porquanto a prova hábil a ensejar condenação criminal deve, necessariamente, ser concebida em um processo dialético, asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa, não podendo ser utilizados depoimentos tomados perante a autoridade policial, não confirmados em juízo, como único meio de prova para lastrear decreto condenatório.

O Supremo Tribunal Federal assim se pronunciou quanto à impossibilidade de condenação amparada exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase pré-processual:

PENAL E PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO FUNDADA SOMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL NÃO CORROBORADOS EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. 1. A presunção de inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova. 2. Inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu. 3. Improcedência da ação penal.

(STF, Ação Penal n. 883/DF, Relator Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, Julgamento: 20.3.2018.)

E o fato de não haver prova de que as testemunhas tenham sofrido qualquer coação por ocasião de seu depoimento na etapa investigatória não torna possível que os elementos dali extraídos sejam utilizados como única fonte de condenação.

Nesse sentido, colaciono, abaixo, precedente do Pretório Excelso:

I. Habeas corpus: falta de justa causa: inteligência. 1. A previsão legal de cabimento de habeas corpus quando não houver "justa causa" para a coação alcança tanto a instauração de processo penal, quanto, com maior razão, a condenação, sob pena de contrariar a Constituição. 2. Padece de falta de justa causa a condenação que se funda exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial.

II. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação.

(STF – RE n. 287.658, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 03.10.2003.)

Em razão de os únicos elementos de prova constarem nos depoimentos testemunhais colhidos na etapa inquisitorial, não corroborados em juízo, e nas declarações do réu AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, cuja credibilidade restou negativamente afetada pelo que exsurgiu dos autos – inimizade com o corréu MARCELO LUIZ SCHREINERT e vínculo de amizade com o adversário político derrotado no pleito, Evandro Heberle –, inviável a reforma da sentença de primeiro grau para condenar os acusados.

E como razão para manter especificamente a absolvição do acusado confesso AMARO RAFAEL DA CRUZ DE ALMEIDA, valho-me da fundamentação expendida pela juíza eleitoral em sua sentença, verbis (fl. 1384):

Já quanto ao Réu Amaro Rafael, este confessou o crime, afirmando que passou o domingo inteiro das eleições municipais de 2012 transportando eleitores, o que o fez com cerca de 180 pessoas, conduzindo o veículo locado; aduziu que assim agiu, não só porque ganharia um cargo político em troca, mas também porque desconhecia o ilícito da sua conduta, não era sabedor que se tratava de crime, pois era sua primeira eleição, e trouxe a defesa técnica que as propagandas institucionais do Tribunal Eleitoral da época, não divulgaram tal ilícito.

Todavia, não é porque não se fez propaganda a respeito, que se poderá alegar desconhecimento da lei, até porque – dos seus seis depoimentos prestados - verifica-se que o Réu é pessoa de bom entendimento, articulado, estudou até o ensino médio, tem uma profissão, ou seja, em nada leva a concluir que deveria supor que sua conduta era permitida e que agiu sem consciência da ilicitude, pois tudo leva a crer que podia e devia ter essa consciência, portanto, agindo de forma culpável.

Entretanto, não entendo que seja o caso de condenação pois o seu depoimento, “confissão”, não foi suficiente para, conjuntamente com as demais provas, ensejar a condenação dos corréus, portanto, por si só, também não pode lhe levar à condenação e assim dispõe o artigo 197, do Código Penal:

Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Portanto, considerando que a “confissão” restou isolada nos autos, confrontando-a com tudo o que foi produzido, a absolvição ao réu Amaro Rafael, também se impõe, por insuficiência probatória.

Nesses termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela improcedência da ação.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença recorrida.

É como voto, senhor Presidente.