RE - 102 - Sessão: 26/03/2019 às 17:00

VOTO VISTA

Pedi vista dos autos para melhor examinar a prova produzida e, adianto, com a mais respeitosa vênia, encaminho voto divergente para dar provimento ao recurso e absolver Marcelo Saggin.

Como bem assentado pelo eminente relator, o feito envolve a configuração de dois ilícitos eleitorais: a) abuso do poder econômico; b) utilização de recursos ilícitos em campanha eleitoral.

O abuso do poder econômico exige, para sua caracterização, a violação ao bem jurídico protegido, ou seja, está vinculado à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade do pleito.

No que se refere à configuração da utilização de recursos ilícitos em campanha, a doutrina menciona dois requisitos: (1) comprovação da arrecadação ou gasto ilícito e (2) relevância da conduta praticada.

No caso dos autos, o juízo a quo julgou procedentes os pedidos, por entender caracterizado o abuso de poder econômico, em decorrência da aquisição e distribuição de vales-combustível, e comprovada a utilização de recursos ilícitos na campanha eleitoral, diante da omissão de despesas na prestação de contas do candidato.

Cumpre examinar o conjunto probatório.

Inicialmente, observo que os vídeos gravados, na mídia à fl. 30, demonstram apenas o abastecimento de veículos com adesivo de propaganda do recorrente. E, nem mesmo a inquirição dos condutores dos veículos filmados comprovou a irregularidade alegada.

Gilberto Vezaro Maroso, Maurício dos Santos Otero e Lucivani Bueno Gonçalves dos Santos negaram o abastecimento por meio de vales-combustível (fls. 123-124, 586-587v.).

Luis Fernando Rodrigues de Lara, em sentido diverso, confirmou a utilização do vale-combustível, mas alegou que o benefício foi entregue por pessoas que representavam o partido, para franquear a sua participação em carreata em favor de candidatos da agremiação, oportunidade em que teve o seu carro adesivado com propaganda do recorrente e do candidato concorrente ao cargo de prefeito (fl. 582-584).

No que diz respeito aos vales-combustível, apesar das observações quanto às datas de emissão no período eleitoral e a numeração sequencial, não há nenhuma identificação do candidato no material apreendido (Anexo 01), tampouco essa vinculação pode ser extraída após a inquirição dos frentistas (fls. 268-270, 588-590, 591-592v.), dos responsáveis pelos estabelecimentos em que foram realizadas as apreensões (fls. 593-595, 604-605v.) e dos esclarecimentos prestados pelas gráficas oficiadas (fls. 362,364, 372, 399) e postos de combustíveis (fl. 373-379).

No tocante à prova testemunhal, tendo em vista que Fabiana de Lima Santos apresentou versões antagônicas a respeito da origem do vale-combustível que portava por ocasião da apreensão, deixo de atribuir valor probatório ao depoimento prestado em juízo (fls. 578-581v.).

Considerando que o depoimento do servidor da Justiça Eleitoral apenas menciona o abastecimento de carros adesivados com a propaganda do candidato e o pagamento com vales-combustível (fls. 573-575), tenho que as informações prestadas não comprovam a ação ilícita de fornecimento dos vales imputada ao recorrente.

Apenas a versão apresentada por Cristiano Sampaio da Silva e por sua esposa, Simone da Veiga dos Santos (fl. 666), relativamente ao mesmo fato, contempla narrativa favorável à ocorrência da distribuição de vale-combustível pelo candidato Marcelo Saggin.

Ocorre que não se extrai do relato dos depoentes a comprovação segura de que o candidato tenha entregue o benefício.

Prevalece, nessa hipótese, o disposto no art. 368-A do Código Eleitoral, segundo o qual “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Ademais, tenho que as anotações apreendidas não servem para atestar a omissão de gastos eleitorais (fl. 74 - Apenso).

Ainda que se possa extrair dos escritos lançamentos em valores superiores aos escriturados na contabilidade da campanha, o registro efetuado é insuficiente para validar a ocorrência dos aludidos gastos.

O que se verifica a partir do exame do bloco de anotações é a existência de um conjunto de informações atinentes à campanha eleitoral, com a aposição de quantias que retratam uma espécie de expectativa de acontecimentos, com cenários hipotéticos, o que se coaduna com a tese alegada pelo candidato nas suas razões recursais e com os esclarecimentos prestados por Rone Vieira Moreira, ouvido em juízo como informante (fl. 606v.).

Rememoro que esse foi o entendimento adotado por este Tribunal, ao apreciar a contabilidade de campanha do candidato recorrente, conforme se observa da ementa do julgamento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÃO 2016. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. OMISSÃO DE GASTOS DE CAMPANHA NÃO DEMONSTRADA. PROVIMENTO. APROVAÇÃO.

Preliminar de nulidade da sentença afastada. Devidamente oportunizado ao candidato a manifestação sobre a documentação produzida em processo administrativo instaurado pelo Ministério Público.

Alegada omissão de gastos com combustível e de diversas despesas de campanha, verificadas pelas anotações realizadas em documentos apreendidos na casa do candidato. Prova insuficiente para concluir com segurança sobre a utilização de vales-combustível para o abastecimento de veículos em prol da campanha do candidato. Plausibilidade da explicação de que as anotações com eventuais gastos não declarados seriam mero planejamento de campanha, não tendo as referidas despesas se concretizado.

Acolhimento do parecer conclusivo para a aprovação das contas. Provimento.

(RE n. 412-79, Rel. Des. Jamil Andraus Hanna Bannura, DEJERS Tomo 211, Data: 24.11.2017, p. 6). (Grifo nosso)

Esclareço que essa conclusão não resulta de uma observação fragmentada das informações lançadas no bloco apreendido, mas da análise sistemática do seu conteúdo e de todo o caderno probatório.

E nesse ponto específico, entendo pertinente traçar algumas considerações a respeito das provas produzidas.

Não se denota movimentação financeira anormal realizada pelo candidato, mesmo após o cruzamento das suas transações bancárias (Anexo 2).

Não foram localizadas notas fiscais ou recibos de gastos capazes de atestar a ocorrência do abuso de poder econômico, não obstante as medidas cautelares realizadas.

No ponto, destaco que a nota fiscal apreendida no valor R$ 225,74, seja por retratar despesa realizada antes do pleito, seja pela sua baixa expressão financeira, não comprova a omissão dolosa de gastos eleitorais.

Por fim, não foram produzidas provas da existência de financiamento irregular da campanha, mesmo com a realização de diligências destinadas à comprovação da contratação de gastos não registrados na prestação de contas perante as gráficas da localidade e os postos de combustíveis.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de exigir, para a representação por captação e gastos ilícitos de recursos, prova robusta do descumprimento qualificado das normas que regem a arrecadação de receitas e a realização de gastos na campanha, mediante a utilização dolosa de fontes vedadas de financiamento ou mesmo pela omissão grave e intencional de informações no lançamento contábil, conforme se observa dos seguintes arestos:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. DEPUTADO ESTADUAL. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE CAMPANHA. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. FONTE DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ILICITUDE. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. OMISSÃO DE DESPESAS. CABOS ELEITORAIS. NÃO COMPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Na espécie, o Tribunal Regional julgou, por maioria, improcedente a representação por captação e gastos ilícitos de recursos, com fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, em razão da ausência de provas que demonstrassem a origem ilícita da receita de R$ 87.328,14 (oitenta e sete mil, trezentos e vinte e oito reais e catorze centavos), bem como em virtude da fragilidade da prova acerca da suposta contratação de cabos eleitorais.

2. O fato de o Tribunal Regional declarar determinada receita como fonte de origem não identificada, nos autos da prestação de contas de campanha do candidato, não induz à presunção de que esse montante seja proveniente de fonte vedada pela legislação eleitoral. Para a incidência do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, exige-se a comprovação do ato qualificado de obtenção ilícita de recursos para financiamento de campanha ou a prática de `caixa dois", o que não restou evidenciado nos autos.

[...]

4. Esta Corte Superior já assentou que “para a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si”(AgR-RO nº 2745-56/RR, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 9.11.2012).

5. Nesse contexto, ainda que ocorrida a omissão de despesas não declaradas relativas à contratação de cabos eleitorais, na prestação de contas de candidato, tal fato por si só não traduz a gravidade apta a ensejar a cassação de diploma, porquanto não comprovada a utilização de recursos de fontes vedadas ou a prática de “caixa dois” (AgR-REspe nº 3-85/MA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 11.12.2014).

6. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(RO n. 12-33/TO, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 21.3.2017.)

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

[...]

4. Conquanto as irregularidades tenham repercussão no âmbito da prestação de contas, não ensejam procedência do pedido da representação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997. Não há no caso concreto a mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 da Lei nº 9.504/1997. Tampouco é possível concluir que se tratava de caixa dois de campanha, pois os valores arrecadados a maior na campanha (R$6.216,01) estão devidamente comprovados por recibos eleitorais, enquanto as despesas que não constaram na prestação final (R$5.898,09) também foram demonstradas, o que, longe de revelar algo orquestrado, com evidente má-fé, demonstra uma clara desorganização contábil da campanha, compreensível em municípios de pequeno porte do nosso país.

5. A tipificação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, à semelhança do abuso de poder, leva “em conta elementos e requisitos diferentes daqueles observados no julgamento das contas”(RO nº 780/SP, rel. Min. Fernando Neves, julgado em 8.6.2004), razão pela qual a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE.

6. Agravo regimental desprovido. Ação Cautelar nº 1363-28/RS prejudicada.

(AgR-REspe n. 1-72/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 03.02.2017.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ARRECADAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ABUSO DE PODER." CAIXA DOIS ". CONFIGURAÇÃO

[...]

3. A prática de “caixa dois” constitui motivo bastante para incidência das sanções, eis que a fraude escritural de omissão de valores recebidos e de falta de esclarecimento de sua origem inviabiliza o controle, por esta Justiça Especializada, de aporte financeiro em favor de candidatos, partidos políticos e coligações. Precedentes, em especial o AgR-REspe 235-54/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.10.2015.

4. Não se cuida, na espécie, de simples falha de natureza estritamente contábil, mas sim de uso de recursos financeiros não declarados, sem trânsito por conta bancária específica e sem comprovação de sua origem, sendo inequívoco o “caixa dois”.

[...]

7. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 760-64/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 29.9.2016).

A sanção legal prevista para a ofensa ao art. 30-A é a perda do mandato, motivo pelo qual não basta o simples desrespeito à norma alusiva aos recursos e gastos de campanha. O fato deve ter gravidade suficiente capaz de guardar proporcionalidade com a severa penalidade imposta, como já definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Na espécie, ainda que os gastos contabilizados com combustíveis na prestação de contas não tenham sido elevados, as exaustivas diligências realizadas não redundaram em provas inequívocas da aplicação irregular de recursos, tampouco da existência de abuso de poder econômico.

O Ministério Público Eleitoral não se desincumbiu de provar a existência de aplicação de recursos oriundos de fonte vedada, fruto de caixa dois ou de má-fé do candidato, devendo ser prestigiada a soberania popular.

Ademais, o envolvimento do candidato no fornecimento de vales-combustível não deve ser presumido. A participação do candidato deve estar seguramente demonstrada em evidências robustas, o que não se verificou nesses autos.

Dessa forma, à míngua de outros elementos de prova, considero que a sentença recorrida merece ser reformada.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente a ação, afastando as condenações impostas.