RC - 33786 - Sessão: 08/07/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por NARA ELAINE MENDES OLIVEIRA (fls. 77-80) contra decisão do Juízo Eleitoral da 49ª Zona, que condenou a recorrente pela prática do delito de abandono do serviço eleitoral, tipificado no art. 344 do Código Eleitoral, em razão do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 05 de outubro de 2014, por volta das 11h15min, nas dependências da Escola Estadual João Pedro Nunes, localizada nesta cidade de São Gabriel, a denunciada NARA ELAINE MENDES OLIVEIRA abandonou o serviço eleitoral, sem justa causa.

Na ocasião, a denunciada fora convocada para atuar como secretária na seção 99, no município de São Gabriel, tendo, na data referida (em que ocorreu o primeiro turno das eleições gerais de 2014), comparecido no turno da manhã. Ocorre que, por volta das 11h15min, a denunciada após receber o vale alimentação, saiu para o almoço, não mais retornando à seção.

Foi recebida a denúncia no dia 30 de agosto de 2016 (fl. 26).

A acusada foi citada (fl. 30), mas não compareceu aos autos nem constituiu procurador, motivo pelo qual lhe foi nomeado defensor dativo (fl. 35).

Apresentada defesa prévia (fl. 40) e realizada audiência de instrução (fls. 56-58), as partes apresentaram alegações finais (fls. 60-61 e 66-68).

A sentença (fls. 69-73) considerou comprovadas a materialidade e a autoria do delito pelas provas documentais e testemunhais produzidas no processo. Afastou a tese defensiva de incidência em “bis in idem” em razão de anterior condenação à sanção pecuniária administrativa, considerando a independência entre as esferas, bem como a pretendida insignificância da conduta. Julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar a ré à pena de 90 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, e fixou honorários ao defensor dativo no valor de R$ 500,00.

Foram intimados o defensor dativo e a acusada, pessoalmente.

Apresentado recurso (fls. 77-80), a parte alega a atipicidade da conduta pelo princípio da insignificância, pois seu ato não causou prejuízo ao andamento dos trabalhos, nem dano ao erário. Aduz que o Ministério Público não comprovou o abandono dos serviços sem justa causa, pois foi impedida de retornar ao trabalho em virtude da medicação tomada. Argumenta que a acusada já foi condenada administrativamente à pena de multa e que a condenação penal caracteriza “bis in idem”. Requer a absolvição da ré.

Com as contrarrazões (fls. 82-84), nesta instância, os autos foram remetidos em vista ao Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 89-90).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O defensor dativo foi intimado da sentença na data de 29.01.2019 (fl. 75v.), e o recurso foi interposto no dia 04.02.2019 (fl. 77), observando, assim, o prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

No mérito, a recorrente foi condenada pelo delito de abandono do serviço eleitoral, tipificado no art. 344 do Código Eleitoral:

 Art. 344. Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa:

Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Alega, em recurso, (a) não comprovação de abandono do serviço eleitoral sem justa causa; (b) a atipicidade da conduta, pelo princípio da insignificância; e (c) a caracterização de “bis in idem” com o sancionamento administrativo e agora também o penal.

No tocante à prova da materialidade e autoria, está devidamente fundamentado nos autos que a acusada Nara Elaine Mendes Oliveira compareceu à seção eleitoral no início dos trabalhos e, após sair para o almoço, não retornou à sua atividade.

Comprovado documentalmente o seu comparecimento, com a aposição de seu nome entre os integrantes da mesa (fl. 09) e sua rubrica no recibo do auxílio-alimentação (fl. 10).

O abandono também foi registrado pela presidente na ata da mesa receptora, nos seguintes termos: “A secretária convocada compareceu na sessão às 8h30min. Recebeu o vale-alimentação e pediu para sair para o almoço às 11h15min e não retornou mais” (fl. 09v.).

Em juízo, a prova testemunhal, produzida com a oitiva dos demais integrantes da mesa receptora, foi uníssona em confirmar que a acusada saiu para o almoço e não retornou no período da tarde (fl. 57). Lizete Bresolin e Márcia Nunes afirmaram que a ré não apresentou justificativa para a ausência. Neste ponto, divergem do testemunho de Carine Possati, segundo o qual a ré teria dito que tomou um comprimido para dor de cabeça e dormiu. 

O testemunho isolado de Carine não pode ser adotado como justificativa para o abandono do serviço. Primeiro, porque não encontra respaldo nas demais provas dos autos; segundo, porque o motivo – dor de cabeça –, apresentado sem maiores esclarecimentos, não se mostra razoável para justificar tal abandono, quando é de conhecimento público e notório que problemas dessa natureza, ordinariamente, não impedem a atividade, especialmente se controlados com medicamentos de fácil acesso.

Comprovado, assim, o abandono do serviço eleitoral sem justificativa.

Também não prospera a alegação de insignificância da conduta. O egrégio STF estabeleceu vetores para o reconhecimento do aludido princípio, ao assentar que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (RHC 163009 AgR, Relator: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 18-12-2018).

Trata-se de crime formal, cujo bem jurídico tutelado é o bom andamento dos trabalhos eleitorais (Luiz Carlos dos Santos Gonçalves: Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, 2015, p. 106-108). O tipo ocupa-se com a conduta que cause perigo ou risco de prejuízo aos trabalhos eleitorais. Exatamente por isso não se exige que decorra do abandono um efetivo transtorno às atividades da mesa receptora.

Nesses termos, o abandono ao serviço, ainda às 11h15min do dia do pleito – cuja votação somente se encerra às 17h –, provoca inequívoco risco de prejuízo aos trabalhos eleitorais, diante do longo período de tempo em que a seção eleitoral operou desfalcada, não havendo que se falar em mínima ofensividade da conduta ou nenhuma periculosidade social.

Ademais, tratando-se de convocação para auxiliar na realização do pleito, atividade de relevante importância para a democracia e para o exercício do direito fundamental ao voto, o abandono dessa incumbência mostra-se altamente reprovável, desautorizando a incidência do princípio da insignificância.

Por fim, a recorrente alega que a condenação pelo crime do art. 344 do Código Eleitoral caracterizaria “bis in idem”, pois já fora sancionada administrativamente nos termos do art. 124 do Código Eleitoral, cujo teor reproduzo:

 Art. 124. O membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá na multa de 50% (cinqüenta por cento) a 1 (um) salário-mínimo vigente na zona eleitoral cobrada mediante sêlo federal inutilizado no requerimento em que fôr solicitado o arbitramento ou através de executivo fiscal.

Não merece ser acolhida a tese recursal, pois são independentes as searas administrativa e penal, de forma que a aplicação da penalidade de uma natureza não obsta a que ocorra o sancionamento com outra. São inúmeros os exemplos: multa tributária e crime de igual natureza, no caso de sonegação fiscal, ou demissão de servidor na esfera administrativa e sua condenação penal por crime contra a administração.

Na hipótese em comento, a jurisprudência admite a incidência da multa administrativa do art. 124 do Código Eleitoral e a concomitante penalidade do art. 344 do Código Eleitoral:

REMESSA NECESSÁRIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO PARA TRANCAMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL. PROCEDIMENTO INSTAURADO PARA APURAÇÃO DE POSSÍVEL CRIME DE ABANDONO DO SERVIÇO ELEITORAL (ART. 344 DO CE). CONCESSÃO DO HC FUNDAMENTADA NA SANÇÃO ADMINISTRATIVA PREVISTA NA CABEÇA DO ART. 124 DO CÓDIGO ELEITORAL (MESÁRIO FALTOSO). CONDUTA DIVERSA. MANIFESTO ERROR IN PROCEDENDO. JUSTA CAUSA RECONHECIDA. CASSAÇÃO DA DECISÃO A QUO. DETERMINAÇÃO DE CONTINUIDADE DA PERSECUÇÃO PENAL.

1. A conduta do mesário que comparece ao serviço eleitoral e o abandona injustificadamente não se confunde com a hipótese de ausência do mesário ao serviço eleitoral.

2. A imposição da sanção administrativa prevista no art.124, §4º, do Código Eleitoral não impede que o agente responda também pelo crime eleitoral tipificado no art.344 do mesmo diploma. As esferas cível e criminal são independentes entre si e, por definirem requisitos e penalidades diferentes, não configuram bis in idem (Precedente).

3. Concessão do HC cassada para determinar a continuidade da persecução penal.

(TRE/GO, PETIÇÃO n 1656, ACÓRDÃO n 370/2018 de 06.11.2018, Relator MARCELO ARANTES DE MELO BORGES, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 233, Data 09.11.2018, Página 10/12.)

 

RECURSO - MESÁRIO FALTOSO - AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO AFASTADA - INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA PREVISTA NO ART. 124 DO CÓDIGO ELEITORAL - CONFIGURAÇÃO - APLICAÇÃO DE MULTA - POSSIBILIDADE, TAMBÉM, DE O AGENTE RESPONDER PELO CRIME DESCRITO NO ART. 344 DO CÓDIGO ELEITORAL - REMESSA DE PEÇAS À AUTORIDADE POLICIAL, PARA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO - PROVIMENTO.

A imposição da sanção administrativa prevista no art. 124 do Código Eleitoral não impede que o agente responda também pelo crime eleitoral tipificado no art. 344 do mesmo diploma. As esferas cível e criminal são independentes entre si e, por definirem requisitos e penalidades diferentes, não configuram "bis in idem".

(TRE/SC, RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n. 1877, ACÓRDÃO n. 21658 de 07.5.2007, Relator JOAO EDUARDO SOUZA VARELLA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 07.5.2007.)

Dessa forma, não merecem prosperar os argumentos recursais, mantendo-se íntegra a sentença recorrida.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.