E.Dcl. - 4435 - Sessão: 28/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do acórdão das fls. 536-541v., que, à unanimidade, aprovou com ressalvas as contas relativas ao exercício financeiro de 2016 do Partido Republicano Brasileiro (PRB) e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 8.410,92, sendo R$ 350,00 proveniente de fonte vedada e R$ 8.060,92 de origem não identificada.

Em suas razões (fls. 558-561), o embargante alega omissão e deficiente fundamentação quanto à ausência das sanções previstas nos incs. I e II do art. 36 da Lei n. 9.096/95. Diz que, apesar de ter sido reconhecido o recebimento de recursos de fonte vedada e de origem não identificada, não foi aplicada a suspensão de distribuição ou o repasse do Fundo Partidário. Refere que inexiste precedente que autorize a incidência dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade para afastar a determinação de suspensão das quotas do Fundo Partidário. Suscita omissão no tocante ao assunto à luz dos incs. I e II do art. 36 da Lei 9.096/95.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, regular e comporta conhecimento.

Dispensada a intimação da parte adversa para contrarrazões, por não vislumbrar, de plano, a possibilidade de atribuir efeitos modificativos em caso de eventual acolhimento.

Em relação ao mérito, inicialmente, a Procuradoria Regional Eleitoral argumenta que o aresto foi omisso no pertinente ao afastamento da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, previstas nos incs. I e II do art. 36 da Lei n. 9.096/95, porquanto os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram utilizados tão somente para justificar a aprovação com ressalvas.

Conforme as razões dos embargos, o afastamento da penalidade foi aplicado na forma de corolário lógico e necessário da aprovação com ressalvas das contas, o que, no seu entender, não se coaduna com o texto legal, o qual condiciona a suspensão das quotas do Fundo Partidário ao recebimento de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada, independentemente da sorte do julgamento das contas.

Com essas considerações, sustenta que a decisão restou insuficientemente fundamentada quanto à ausência da referida sanção.

Deveras, trata-se de questão que não encontra uniformidade jurisprudencial entre os tribunais eleitorais. Nesta Corte, inclusive, é possível encontrar precedentes com entendimentos distintos: ora considerando possível a conjugação das prescrições do art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95, com a aprovação com ressalvas das contas (RE n. 11-52.2017.6.21.0127, Relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Bainy, julgado em 22.11.2018), ora se posicionando em sentido contrário (PC n. 45-20.2017.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 08.11.2018; PC n. 49-57.2017.6.21.000, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 08.11.2018).

Diante desse quadro, cabível e necessário aprofundar o enfrentamento do ponto, consoante à fundamentação que passo a expor.

Até o advento da Lei n. 13.165/15, a redação conferida ao art. 37 da Lei n. 9.096/95 previa a penalidade de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário apenas para as hipóteses de falta de prestação de contas ou de sua desaprovação total ou parcial.

Contudo, o texto do mencionado dispositivo foi modificado pela Lei n. 13.165/15, estipulando, agora, que: “A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento)”.

A partir disso, surgiu divergência de entendimento quanto à compatibilidade entre a aprovação com ressalvas das contas e as sanções insculpidas no art. 36, incs. I e II, da Lei dos Partidos Políticos, uma vez que mantida inalterada a redação da aludida norma:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

Nesse panorama, entendo que a mudança legislativa não afeta a intelecção anteriormente consagrada quanto à conjugação do art. 36 com o texto primitivo do art. 37, ambos da Lei n. 9.096/95.

Assim, a suspensão do Fundo Partidário continua representando sancionamento incompatível com a aprovação das contas com ressalvas, não se mostrando adequado equiparar os diferentes juízos, de desaprovação e de aprovação com ressalvas, para efeitos de penalização.

A aprovação com ressalvas é reservada para os casos nos quais verificadas impropriedades de natureza formal, falhas ou ausências irrelevantes, que não prejudicam a regularidade das contas como um todo nem impedem a aplicação dos procedimentos técnicos de fiscalização e exame pela Justiça Eleitoral.

Por outro lado, o julgamento de desaprovação qualifica as contas partidárias em que verificadas irregularidades graves, aptas a afetar a integralidade das contas, ou quando as informações e documentos apresentados forem insuficientes ou destituídos de segurança, impossibilitando o adequado exame da movimentação financeira.

Na linha da remansosa jurisprudência do TSE, não obstante eventual gravidade abstrata do apontamento, é possível a aprovação com ressalvas das contas ante a irrelevância financeira dos vícios apontados, desde que não haja comprometimento da regularidade e transparência dos registros contábeis e não seja demonstrada a má-fé do partido (PC n. 79347, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE de 29.10.2015, Página 58; RESPE n. 724220136210000, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE de 02.5.2017).

A partir dessa premissa, é possível concluir que, se a modicidade da falha não tem o condão de macular a confiabilidade das contas, em tal modo e intensidade que implique a sua equiparação a um mero descompasso formal, a aplicação das medidas sancionatórias apresenta-se, igualmente, destituída de proporção quanto à dimensão dos fatos que censuram.

Ressalto que o art. 36 da Lei n. 9.096/95 é claro ao qualificar como “sanções” as previsões contidas em seus incisos.

Desse modo, a natureza jurídica da suspensão de quotas do Fundo Partidário é diversa da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, sobre a qual a jurisprudência do TSE consolidou o entendimento de que não constitui sanção por infração às obrigações legais, mas “mera decorrência da proibição da utilização de tais recursos” (AgR-REspe n. 1224-43/MS, Relator Min. Henrique Neves, DJE de 5.11.2015).

A proibição temporário de recebimento do Fundo Partidário representa verdadeira penalidade e, como tal, sua aplicação impõe uma atuação decisória, pautada nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo por base os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Convém destacar que, após as sucessivas alterações das regras de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, o Fundo Partidário tornou-se a principal fonte de recursos para a manutenção das agremiações. Por conseguinte, a suspensão do recebimento de tal verba constitui medida assaz gravosa à subsistência do diretório partidário.

Portanto, sendo inexpressivas as irregularidades, o sancionamento legalmente previsto, ainda que aplicado em seu patamar mínimo, mostra-se desnecessário e excessivo, em vista, justamente, da irrelevância das consequências advindas da infração à norma sobre o conjunto das contas, ou seja, das idênticas razões que embasam a aprovação com ressalvas.

De modo análogo ao entendimento aqui esposado, relaciono decisões de outros Tribunais Regionais nas quais, malgrado a verificação de receitas de origem não identificada, não houve o emprego da sanção de suspensão do Fundo Partidário, em razão da incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO. 2014. JULGAMENTO DO MÉRITO DE ACORDO COM AS REGRAS DA RESOLUÇÃO TSE Nº 21.841/2004. IRREGULARIDADES. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DESPESAS PAGAS COM VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA REALIZAÇÃO OU DA RELAÇÃO COM AS ATIVIDADES PARTIDÁRIAS. MONTANTE QUE NÃO COMPROMETE A ANÁLISE DAS CONTAS. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO DOS VALORES ENVOLVIDOS. CONTAS APROVADAS, COM RESSALVAS. 1. As irregularidades e impropriedades referentes ao exercício 2014, ou seja, anterior a 2015, devem ser analisadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE 21.841/2004, vigentes à época por força do art. 65, § 3º, inciso I, da Resolução TSE 23.464/2015. 2. Os recursos oriundos do fundo partidário são para custear as despesas do partido relacionadas com a atividade partidária, devendo restar comprovadas pela documentação pertinente, de forma a permitir o controle pela Justiça Eleitoral. Irregularidades na prestação de contas, eis que à míngua de identificação das despesas, inviável o cotejo dos gastos com as atividades partidárias. 3. Após a análise dos documentos e justificativas apresentados pelo partido, não houve a correta comprovação do montante de R$ 9.513,52, o que corresponde a 3,56% do total dos recursos provenientes do Fundo Partidário distribuído ao PT no ano de 2014. Possibilidade de aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na linha da jurisprudência desta Corte 4. Constatado o recebimento de recursos de orgiem não identificada, impõe-se o seu recolhimento ao erário, consoante disposição contida no artigo 6º da Resolução TSE nº 21.841/2004, podendo ser afastada a sanção de suspensão de cotas do Fundo Partidário, caso se trate de valor relativamente ínfimo, por aplicação do princípio da proporcionalidade. 5. Contas aprovadas, com ressalvas.

(TRE-SE - PC: 7430 ARACAJU - SE, Relator: JOABY GOMES FERREIRA, Data de Julgamento: 20.02.2019, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 37, Data: 25.02.2019, pp. 2-3.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL DE PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. RESOLUÇÃO TSE Nº 23.464/2015. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. SOBRAS FINANCEIRAS DE CAMPANHA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. IRREGULARIDADE QUE NÃO COMPROMETE A CONFIABILIDADE DAS CONTAS. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. - Constatou-se que, dentre os recursos registrados na prestação de contas como receitas advindas de sobras financeiras de campanhas, existem três doações de origem não identificada - A irregularidade subsistente não revela a magnitude necessária para desaprovar as contas, uma vez que não houve comprometimento da confiabilidade das contas apresentadas e que correspondeu a apenas 0,52% do montante de receitas arrecadadas pelo partido no exercício financeiro. Por conseguinte, cabível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade - O recebimento de recursos sem identificação de sua origem sujeita o órgão partidário a recolher o montante recebido indevidamente ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União, sendo vedada a devolução ao doador originário, nos termos do art. 14 da Resolução TSE nº 23.464/2015 - Aprovação das contas com ressalvas.

(TRE-PI - PC: 4941 TERESINA - PI, Relator: PAULO ROBERTO DE ARAÚJO BARROS, Data de Julgamento: 07.12.2018, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 252, Data: 13.12.2018, pp. 4-5.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO. 2013. IRREGULARIDADES REMANESCENTES. VALOR DE POUCA MONTA EM RELAÇÃO AO TOTAL DE DESPESAS. BAIXA MATERIALIDADE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DOAÇÕES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADAS. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO DAS CONTAS, COM RESSALVAS. 1. As irregularidades remanescentes cujo valor corresponda a menos de 2% do total de despesas realizadas são consideradas de pouca monta, enquadrando-se, portanto, na definição de baixa materialidade estabelecida como parâmetro pela Justiça Eleitoral, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; 2. Aprovação das contas, com ressalvas, determinando-se ao promovente o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores referentes a doações de origem não identificadas.

(TRE-BA - PC: 10457 SALVADOR - BA, Relator: EDMILSON JATAHY FONSECA JÚNIOR, Data de Julgamento: 04.4.2018, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data: 09.4.2018.)

A solução também encontra ressonância da jurisprudência do TSE:

PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA (PRP). DIRETÓRIO NACIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PERCENTUAL ÍNFIMO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. A agremiação deve destinar, no mínimo, 5% dos recursos obtidos do Fundo Partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Caso não o faça, deverá recolher, no exercício seguinte, 2,5% a mais dos recursos fixados para esse fim, conforme a redação dada pela Lei nº 12.034/2009, a qual se aplica à espécie, pois vigente à época dos fatos. 2. As faturas de agências de turismo que contenham identificação do número do bilhete aéreo, nome do passageiro, data e destino da viagem devem ser aceitas como meios de prova de gastos com passagens aéreas (PC no 43, rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe de 4.10.2013). Para comprovar despesa com transporte aéreo, devem ser admitidos todos os meios de prova possíveis que demonstrem, sem dúvidas razoáveis, a prestação do serviço a que se refere a respectiva despesa. Precedentes. 3. As inconformidades presentes na prestação de contas constituem percentual mínimo em relação aos recursos movimentados pela agremiação, motivo pelo qual se impõe a aprovação das contas com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme o entendimento deste Tribunal. Precedentes.

(TSE - PC: 00008774820116000000 BRASÍLIA - DF, Relatora: Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Data de Julgamento: 26.4.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 03.6.2016, pp. 34-35.)

Desse modo, não se afigura lógica, sistemática e proporcional a incidência da grave penalidade de suspensão de quotas do Fundo Partidário, em face de máculas reconhecidamente irrisórias e transponíveis, incapazes de comprometer a confiabilidade das declarações financeiras e a regularidade das contas.

Portanto, acolho os embargos quanto ao ponto específico, agregando ao acórdão a fundamentação acima expendida.

Com essas considerações, VOTO pelo conhecimento e parcial acolhimento dos aclaratórios, negando-lhes efeitos infringentes, integrando ao acórdão embargado a fundamentação acima, incapaz, todavia, de modificar as conclusões lá indicadas.