RE - 1640 - Sessão: 17/09/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTAS (PP) de Gramado contra a sentença (fls. 437-438v.) do Juízo da 65ª Zona Eleitoral, sediada em Canela, a qual desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 249.665,25, acrescida de multa de 5% sobre tal montante, bem como a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano.

Em seu recurso (fls. 440-446v.), o partido pugna pela (1) inconstitucionalidade da expressão “autoridades públicas” constante no inc. IV do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15; (2) licitude das contribuições, sob os aspectos da alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.488/17 e, também, sob a ótica da conceituação do termo “autoridade pública”; (3) vedação ao enriquecimento sem causa. Apresenta requerimentos, quais sejam, (a) a declaração de inconstitucionalidade da expressão “autoridade pública”, contida na parte inicial do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95; em ordem sucessiva, seja conferida interpretação conforme a Constituição Federal para que o termo não alcance ocupantes de cargos, empregos ou funções demissíveis ad nutum, aprovando-se as contas, ainda que com ressalvas; (b) a aplicação da nova redação do art. 31 da Lei de Partidos Políticos, reproduzida no art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17; (c) seja reconhecido o enriquecimento sem causa do Tesouro Nacional, excluindo-se a determinação feita em sentença ou determinando-se que os valores sejam restituídos aos contribuintes, e (d) acaso mantida a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, seja ela estabelecida no grau mínimo.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e pelo desprovimento do recurso (fls. 502-509).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto em 08.02.2019, três dias após a data de publicação da sentença no DEJERS, 05.02.2019.

Presentes os demais requisitos, merece conhecimento.

No caso dos autos, o recorrente teve suas contas partidárias do exercício de 2016 julgadas desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações realizadas por detentores de cargos demissíveis ad nutum de chefia e direção, no montante de R$ 249.665,25 (duzentos e quarenta e nove mil, seiscentos e sessenta e cinto reais e vinte e cinco centavos).

À análise.

1. Inconstitucionalidade da expressão “autoridades públicas”, constante no art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/2015.

A norma impugnada tem a seguinte redação:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV – autoridades públicas.

E entende a agremiação recorrente que a expressão “autoridades públicas” fere o princípio da isonomia, pois criaria distinção entre brasileiros, em “clara afronta” ao art. 19, inc. III, da Constituição Federal. Destaca, também, que a autonomia dos partidos políticos – art. 17, § 1º – autoriza que as greis possam cobrar contribuições de todos os filiados, indistintamente.

O cerne da discussão é, em termos gerais, o alcance da expressão “autoridade pública”, elemento semântico presente na norma de regência, o original art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, apenas repetido pelo art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

A questão não é nova. Vale esboçar uma breve linha histórica.

A partir da redação transcrita, estabeleceram-se debates acerca do alcance do termo e métodos foram defendidos para que fosse apontado do que se trata a “autoridade pública” referida. Por exemplo, houve defesa de vinculação estrita à denominação do cargo ou, ainda, quem indicasse a necessidade de análise da existência de poder de decisão.

Em 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), o TSE assentou a interpretação ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95. A consulta era a seguinte: “É permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, dos Estados e Municípios?”

E o TSE entendeu inviável a doação por detentores dos cargos demissíveis ad nutum, desde que tenham a condição de autoridades:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22.585 de 6.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CEZAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

Então, os tribunais eleitorais do país passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta entendidos como autoridades públicas:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Exercício de 2010.

Desaprovação pelo julgador originário. Aplicação da pena de suspensão das quotas do Fundo Partidário pelo período de doze meses, bem como o recolhimento de valores, ao mesmo fundo, relativos a recursos recebidos de fonte vedada e de fonte não identificada.

A documentação acostada em grau recursal milita em prejuízo do recorrente, uma vez que comprova o recebimento de valores de autoridade pública e de detentores de cargos em comissão junto ao Executivo Municipal. A maior parte da receita do partido provém de doações de pessoas físicas em condição de autoridade, prática vedada nos termos do art. 31, inc. II e III, da Lei n. 9.096/95. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 4550, Acórdão de 19.11.2013, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 216, Data: 22.11.2013, p. 2.)

Ora, a vedação sempre visou impedir a influência econômica daqueles que tenham ascensão nos órgãos públicos e, ainda, evitar possíveis manipulações da máquina administrativa em benefício de campanhas, conforme a doutrina (AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317), de modo que não pode ser entendida como inconstitucional a diferenciação entre os cidadãos brasileiros ou entre os filiados de partidos políticos.

E a situação é simples: trata-se de posições permeadas por relações de poder, que merecem atenção especial e, portanto, razoável que alguns ônus lhes sejam impostos.

Daí, nesta Corte, restou assentado configurarem recursos de fonte vedada “as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia”, como decidido, por exemplo, no RE n. 60-88.2015.6.21.0022, Rel. a Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, julgado em 30.8.2016, por unanimidade.

O referido precedente, ainda, indicou a exclusão do cargo de assessor, da mesma forma como adequadamente operado pelo juízo a quo (fls. 307v. a 350v.), em que há o registro de repasses financeiros provenientes dos titulares dos cargos de coordenador, supervisor, chefe de gabinete, diretor, diretor-geral, secretário, secretário adjunto, gerente, procurador-geral, procurador adjunto, procurador da fazenda, em um valor total de R$ 249.665,25.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal Regional, há uma série de julgados. Colaciono, a título ilustrativo e a demonstrar a sedimentação do entendimento, um precedente do ano de 2014:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas. Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano. Provimento negado.

(RE 34-80.2012.6.21.0124. Relator Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, julgado em 26.08.2014, unânime.)

Ou seja, a análise da constitucionalidade da expressão “autoridades públicas”, para prestações de contas do exercício como o que ora se analisa, já foi objeto de exame de parte desta Corte e, também, pelo TSE, tribunal superior o qual, inclusive, já exerceu a interpretação conforme a ordem constitucional vigente.

Ademais, não procedem os argumentos de limitação ou afronta à isonomia entre filiados, pois, apenas a título de exemplo, resta permitido àqueles ocupantes de cargos elencados na tabela das fls. 307v.-350v. o pleno apoio ideológico à agremiação à qual são ligados: a militância, o apoio em atividades políticas, eventos e manifestações. Todos os direitos fundamentais podem receber alguma espécie de limite pela legislação, como é cediço.

Saliento que, em matéria de interpretação das normas constitucionais, vige o princípio da unidade da Constituição, que “é uma especificação da interpretação sistemática, impondo ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas jurídicas” (Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 5ª ed., 2015, p. 338).

Assim, a garantia geral de liberdade e a autonomia partidária são conformadas pela legislação infraconstitucional, justamente para garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana, estando em perfeita harmonia com o texto constitucional.

Diga-se, ainda, que as normas legais ostentam presunção de constitucionalidade até pronunciamento do Poder Judiciário em sentido contrário, e a ADI 5494, na qual se arguiu a inconstitucionalidade do termo "autoridade", foi extinta sem resolução do mérito, por perda de objeto, em decisão monocrática publicada em 14.6.2018, em virtude da alteração legislativa posterior que excluiu o termo que motivou o ajuizamento da referida ação.

Vedado, portanto, o repasse de valores sob exame.

2. Da licitude das contribuições: aplicação da Lei n. 13.488/17 e nomenclatura dos cargos tidos como fonte vedada.

No tocante à legislação aplicável à hipótese dos autos, diversamente do pretendido pelo recorrente, as disposições trazidas pela Lei n. 13.488/17 não incidem sobre o caso.

Tratando-se de contas relativas ao ano de 2016, o exame da contabilidade observa as prescrições normativas contidas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigentes ao tempo dos fatos, consoante expressamente estabelece o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015; e

(Grifei.)

Assim, para o exame das contas, deve-se considerar o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95, e seus incisos, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2016, sem a posterior alteração legislativa.

Nesse tocante, observo que este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos mesmo que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na administração direta ou indireta, mediante juízo de ponderação de valores, sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, destaco o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

O TSE adota o mesmo entendimento sobre o tema, no sentido de que, “considerando tratar-se de direito material de natureza não penal e observando-se o princípio da irretroatividade, o dispositivo legal deve ser aplicado aos fatos ocorridos durante a sua vigência, segundo o princípio tempus regit actum, à luz do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 5079, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE: 19.12.2018).

Dessarte, não se aplica ao feito, de forma retroativa, a alteração promovida pela Lei n. 13.488/17, que excluiu do rol de fontes vedadas a doação de filiado, ainda que exercente de função ou cargo público demissível ad nutum.

Fixadas tais premissas, é incontroverso que os cargos comissionados preenchidos pelos doadores constantes nas fls. 307v. a 350v. inserem-se no conceito de autoridade pública previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

IV – autoridades públicas.

(…)

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(Grifei.)

A própria denominação dos cargos ocupados indica de forma segura que seus titulares possuem atribuição de chefia ou direção. Entre os doadores, encontram-se ocupantes de cargos de coordenador, supervisor, chefe de gabinete, diretor, diretor-geral, secretário, secretário adjunto, gerente, procurador-geral, procurador adjunto, procurador da fazenda.

Ora, a posição de chefia e direção conferida por cargos com tal denominação decorre da aplicação das “regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”, as quais devem ser aplicadas pelo juiz nas suas decisões, como estabelece o art. 375 do CPC. Não ocorreu “alargamento do conceito”, pois o TSE, como acima referido, definiu que a vedação incide sobre aqueles cargos que “desempenhem a função de chefia e direção”, e não apenas àqueles em que conste um dos termos mencionados, "chefe" ou "diretor".

Ademais, a parte não apresenta elemento capaz de comprovar suas alegações. Tome-se como exemplo o cargo de procurador, do qual decorre a lógica posição de chefiar a equipe de assessoramento jurídico de uma prefeitura. Ou seja, a mera alegação não é apta a afastar as conclusões do parecer técnico e da sentença.

3. Da vedação ao enriquecimento sem causa.

Sustenta o Progressistas de Gramado que a ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional redundaria em “enriquecimento sem causa”, caracterizando locupletamento ilícito.

Invoca o art. 884 do Código Civil, bem como lições doutrinárias, para afirmar que, como os valores irregulares nunca teriam pertencido à União, seria impossível falar em “devolução”. Cita o art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17.

Sem razão.

O recolhimento ao Tesouro Nacional decorre da prática de ilícito, de modo que a tese do recorrente não merece acolhida.

Ademais, aplica-se ao caso, conforme disposição expressa – art. 65, § 3º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.546/17, a Resolução TSE n. 23.464/15.

E a Resolução TSE n. 23.464/15, em seu art. 14, § 1º, tem redação bem clara no que diz respeito aos valores provenientes de fonte vedada que não sejam estornados até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito (art. 11, § 5º), estabelecendo que devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeito o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Ou seja, quem deu causa ao recolhimento ao Tesouro Nacional foi, exatamente, o Progressistas de Gramado, ao não devolver, no prazo regulamentar, os valores ilegais aos doadores originais.

Dito de outro modo, há causa expressa para o recolhimento do valor de R$ 249.665,25.

4. Da aplicação da anista prevista pelo art. 55-D da Lei n. 9.096/95, em redação dada pela Lei n. 13.831/19.

Após o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, e pouco antes do julgamento, o recorrente requereu a aplicação do novel art. 55-D da Lei n. 9.096/95.

O dispositivo, como é cediço, determina que “ficam anistiadas as devoluções, cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação ou exoneração, desde que filiados a partido político”.

Ocorre, contudo, que na sessão de julgamento do dia 19.8.2019, esta Corte, por unanimidade, entendeu inconstitucional o art. 55-D. Transcrevo a ementa do acórdão, do qual foi redator o Des. Gérson Fischmann, no ponto que importa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (grifo nosso)

Em síntese, o art. 55-D padece de vício de inconstitucionalidade formal e material, na medida em que desacompanhado de estimativa de impacto orçamentário, e afronta os princípios da prestação de contas, da moralidade administrativa e da integridade legislativa.

Indefiro, nesses termos, o pedido de aplicação da anistia.

Das sanções.

Em relação às sanções a serem aplicadas, este Tribunal fixou os critérios a serem observados pelo Judiciário em acórdão que restou assim ementado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. APLICAÇÃO DE MULTA DE 10% SOBRE O VALOR RECEBIDO INDEVIDAMENTE. ART. 37, CAPUT, DA LEI N. 9.096/95. ALEGADA DUPLA PENALIDADE. INEXISTENTE. EXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA SANÇÃO. FIXAÇÃO DAS SANÇÕES MEDIANTE DA ANÁLISE DE PARÂMETROS OBJETIVOS E DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DESPROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. Alegada dupla penalidade, decorrente da determinação de recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional e da multa aplicada. A devolução dos valores oriundos de fonte vedada é apenas consequência da própria irregularidade. As únicas penalidades impostas foram a suspensão do repasse do Fundo Partidário por seis meses e a aplicação da multa proporcional de 10% sobre o valor irregularmente recebido.

2. Necessidade do estabelecimento de parâmetros mínimos para a dosimetria da sanção em prestação de contas, como decorrência da segurança jurídica e isonomia de tratamento. Fixação da penalidade em duas etapas. Em um primeiro momento, a multa é estabelecida entre 0 e 20%, objetivamente, de acordo com o percentual do montante irregular frente ao total de recursos movimentados. Em um segundo momento, a penalidade pode ser majorada ou minorada, sempre mediante fundamentação, a depender das peculiaridades do caso, tais como, natureza da irregularidade, gravidade da falha, grau de prejuízo à transparência, reincidência nas mesmas irregularidades ou evidente boa-fé e empenho do prestador em esclarecer seus gastos. Parâmetros também a serem empregados na fixação da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário entre 01 e 12 meses.

3. Sentença exarada com observância aos parâmetros delineados, proporcional ao volume de irregularidades e às circuntâncias do caso.

4. Provimento negado.

(TRE/RS, RE 25-06, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 11.2.2019.)

No caso sob exame, as receitas irregularmente recebidas somam o montante de R$ 249.665,25 e representam 83,90% do total arrecadado pela agremiação.

No que diz respeito à multa aplicada, como bem asseverou o d. Procurador Regional Eleitoral, não houve recurso para elevação do patamar, fixado pelo juízo de origem em 5% (cinco por cento), de forma que ele deve ser mantido.

Todavia, houve a fixação do tempo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em 1 (um) ano, nível máximo, o qual se mostra incompatível com a espécie. Entendo pela fixação do prazo de 10 (dez) meses, pois mais alinhado ao percentual da irregularidade frente ao total movimentado (83,90%), e não se vislumbram razões no caso concreto para aumentar ou reduzir tal percentual.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o prazo de suspensão de repasses oriundos do Fundo Partidário para 10 (dez) meses, mantendo-se a ordem de devolução, ao Tesouro Nacional, do valor de R$ 249.665,25.