RC - 1042 - Sessão: 06/05/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por GLEBSON HENRY BRESOLIN contra decisão do Juízo Eleitoral da 103ª Zona, que julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 448-453).

A denúncia descreveu, em síntese, quatro fatos delituosos: 1) No dia 28.9.12, no Município de Santo Expedito do Sul, Jair Mendes (candidato a prefeito) e Orides Antunes (cabo eleitoral de Jair) deram dinheiro (R$ 150,00) ao eleitor Glebson Bresolin em troca da abstenção do voto no adversário político nas eleições de 2012; 2) No dia 04.10.12, novamente Jair e Orides deram R$ 600,00 a Glebson, com a mesma motivação descrita no fato 1, ou seja, obter a abstenção do voto na coligação concorrente; 3) Glebson Bresolin, no dia 28.9.12, recebeu a importância de R$ 150,00 para abster-se de votar no candidato adversário de Jair nas eleições de 2012; 4) Glebson Bresolin, no dia 04.10.2012, recebeu a importância de R$ 600,00, com idêntico propósito.

Após instrução, a sentença julgou parcialmente procedente a denúncia, para absolver o réu JAIR MENDES DA SILVA das imputações referentes ao delito do art. 299 do CE e condenar os réus ORIDES CORRÊA ANTUNES e GLEBSON HENRY BRESOLIN como incursos nas sanções do 299 do CE: a) ORIDES, à pena de 1 ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos – prestação de serviços à comunidade pela mesma duração da pena privativa de liberdade e à multa de 15-dias multa à razão de 1/30 do salário mínimo nacional vigente à época; e b) GLEBSON, à pena de 01 ano e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos – prestação de serviços à comunidade pela mesma duração da pena privativa de liberdade e prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo nacional e multa de 15-dias multa à razão de 1/30 do salário mínimo nacional vigente à época do crime.

Em suas razões recursais, GLEBSON HENRY BRESOLIN, preliminarmente, suscita a inépcia da inicial, sob o argumento de que a denúncia não descreve os fatos com todas as circunstâncias. No mérito, alega a inexistência de qualquer elemento que evidencie ter o réu recebido vantagem com a finalidade de abster-se de votar em candidato adversário, tendo em vista, inclusive, ser militante do partido do candidato que supostamente teria dado a importância. Aduz, ainda, a inconsistência dos depoimentos das testemunhas de acusação. Pede o provimento do apelo (fls. 473-477).

Com as contrarrazões (fls. 482-486), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 501-505v.).

É o relatório.

VOTO

Inépcia da Denúncia

A denúncia descreveu detalhadamente todos os fatos delituosos que caracterizariam o crime definido no art. 299 do Código Eleitoral, especialmente no que se refere ao dolo específico da conduta, ou seja, especial fim de abstenção do voto de GLEBSON HENRY BRESOLIN por parte de ORIDES CORRÊA ANTUNES.

Ademais, a peça acusatória, nos moldes em que oferecida, propiciou o exercício da ampla defesa, de modo até mesmo a ser suscitada a circunstância de que a finalidade da conduta não teria sido demonstrada.

Dessa forma, rejeito a prefacial de inépcia da denúncia.

Mérito

No mérito, o juízo sentenciante condenou Orides Corrêa Antunes e Glebson Henry Bresolin como incursos nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral.

Conforme sentença condenatória, os elementos probatórios, nos autos, demonstram que Glebson aceitou dinheiro de Orides para trocar sua intenção de voto nas eleições municipais de 2012. Assim, Orides teria cometido o crime de corrupção eleitoral ativa e Glebson o de corrupção passiva.

Entretanto, não se encontra evidenciado, nem mesmo por indícios, o necessário elemento subjetivo do tipo, consistente na finalidade específica de obter a abstenção do sufrágio do eleitor em troca de vantagem pecuniária.

A finalidade específica da oferta ou abstenção é expressamente prevista no tipo legal:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

O bem tutelado pela norma é a liberdade de escolha do eleitor, por isso o crime pressupõe que a vantagem seja ofertada em troca do voto ou mesmo de abstenção do sufrágio, maculando, prejudicando a livre opção política da pessoa corrompida.

A presença dessa finalidade específica é exigida pela jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL.1. Se o Tribunal de origem, soberano na análise de fatos e provas, entendeu que não estava comprovada a intenção de obter o voto, a análise do elemento subjetivo do crime de corrupção eleitoral demandaria o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada em sede extraordinária.2. Segundo a jurisprudência do TSE, a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral depende da demonstração, por meio de provas robustas, do dolo específico. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 428243230, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 31, Data: 09.02.18, pp. 132-133.) (Grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO. PREFEITO. PROMESSA. CARGO. VOTO. CABO ELEITORAL. CORRELIGIONÁRIO. COMUNHÃO DE MESMO PROJETO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONEXÃO ENTRE CRIME ELEITORAL E COMUM. AUSÊNCIA. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO.

1. O tratamento penal dispensado à prática do delito de corrupção eleitoral exige que se evidencie o dolo específico de obter o voto mediante oferecimento de vantagem indevida.

2. A promessa de cargo a correligionário em troca de voto não configura a hipótese do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ante a falta de elemento subjetivo do tipo. Precedente: HC nº 812-19/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 20.3.2013.

3. In casu, não é possível presumir que a nomeação do Agravado em cargo na Prefeitura implique, necessariamente, oferta de benefícios aos seus familiares.

4. A pretensa inversão do decisum regional, que concluiu pela atipicidade da conduta delitiva, demandaria o reexame de fatos e provas, óbice plasmado no Enunciado de Súmula nº 24 do TSE.

5. Ausente a conexão entre o crime eleitoral e o crime de concussão imputado (art. 316 do Código Penal), compete ao Tribunal de Justiça do Estado o julgamento do crime comum. Precedente: RHC nº 653/RJ, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJe de 16.8.2012.

6. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 3748, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 237, Data: 15.12.2016, pp. 24-25.) (Grifo nosso)

Assisti aos depoimentos coletados durante a instrução (mídias nas fls. 262 e 282) e NENHUM deles sequer menciona qual teria sido a motivação da entrega da vantagem.

Geni Dias Bresolin, mãe de Glebson, ouvida como informante, afirmou ter visto Orides entregando “algo” para Glebson, sem saber por qual motivo. Referiu que Glebson estava trabalhando para Jair e era identificado como alguém que fazia campanha para ele. Ao depois, disse que Orides teria alcançado a importância de R$ 3.000,00 a seu filho, mas novamente não soube declinar a finalidade dessa entrega.

Miguel Vitalino Bresolin, pai de Glebson, igualmente ouvido como informante, asseverou que Orides é padrinho de seu filho. Disse que viu Orides entregando dinheiro para Glebson, mas não sabe quanto e nem com qual finalidade. Confirmou que Glebson “estava do lado” de Jair, ou seja, apoiava a coligação de Jair, mesmo antes de receber a quantia. Informou que Glebson pegou o dinheiro e “sumiu”, só voltando depois das eleições, não sabendo sequer se ele votou.

Fábio Molin nada soube sobre os fatos.

Anilton Negrini, da mesma forma, nada soube informar sobre os fatos, apenas aduzindo que sabia que Glebson apoiava Jair, sempre o avistando no comitê de campanha.

O recorrente, ao ser ouvido, confirmou ter recebido R$ 600,00 de Jair e R$ 150,00 de Orides, contudo mencionou que foi em troca de serviços prestados à campanha eleitoral, dizendo que sempre apoiou Jair.

Jair, em seu interrogatório, negou a acusação de ter entregue dinheiro a Glebson, mencionando que Geni e Miguel (pais de Glebson) apoiavam a coligação que perdeu as eleições, “inventando essa história”.

Por derradeiro, Orides igualmente negou a imputação de ter entregue dinheiro a Glebson, mas confirmou que este trabalhou na campanha de Jair e informou que os pais de Glebson apoiavam a coligação adversária de Jair.

Como se percebe, as versões trazidas são conflitantes.

Chama a atenção, de um lado, o fato de que os pais de Glebson, ouvidos como informantes, disseram que ele recebera o dinheiro de Orides. Ao mesmo tempo, há nos autos elementos a evidenciar dependência química de Glebson que, à época, estava sem usar drogas, sendo o dinheiro recebido o propulsor de recaída.

De outro lado, Jair e Orides negam ter dado qualquer importância em dinheiro a Glebson e referem que os pais dele “votavam” na coligação adversária.

A única questão uníssona foi no sentido de que Glebson apoiava a candidatura de Jair há muito tempo antes dos fatos delituosos descritos na denúncia.

Assim, a imputação contida na peça acusatória não se sustenta, ou seja, de que foram entregues valores a Glebson para que ele não votasse na coligação adversária do reú Jair.

Ainda, os únicos depoimentos no sentido de que viram Orides entregando dinheiro a Glebson foram relatados por informantes, porque genitores do recorrente, cujo valor probatório deve ser visto com ressalvas, sendo provável que estivessem desgostosos com o fato de Glebson ter voltado a usar drogas.

De qualquer maneira, a questão fundamental é que, quer por informantes ou por testemunhas, não foram trazidos mínimos indícios de que a alegada entrega de dinheiro a Glebson teria sido para que ele se abstivesse de votar no adversário de Jair.

Ao contrário, exsurge da prova que Glebson sempre foi simpatizante do partido pelo qual Jair Mendes da Silva disputava a eleição, ou seja, o Partido Progressista.

Nessa medida, forçoso é o provimento do recurso.

Extensão dos efeitos do recurso

Orides Corrêa Antunes não interpôs apelo.

Contudo, a manutenção da condenação de Orides Antunes como corruptor ativo não se sustenta em face da absolvição de Glebson Bresolin como corruptor passivo, diante da atipicidade do art. 299 do Código Eleitoral.

Além disso, há regra expressa no art. 580 do Código de Processo Penal determinando a extensão dos efeitos do recurso mesmo àquele que não o tenha interposto.

Assim que, de ofício, absolvo igualmente o réu Orides Antunes da condenação que lhe foi imposta pelo delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Por todo o exposto, VOTO pelo provimento do recurso de GLEBSON HENRY BRESOLIN, para julgar improcedentes os pedidos da denúncia, absolvendo-o com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal e, de ofício, estendendo integralmente os efeitos dessa decisão a ORIDES CORRÊA ANTUNES.