RC - 167 - Sessão: 07/08/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto pelos réus PAULO RICARDO ZUCHETTO RAMOS e ALEX VEIGA RAMOS em face da sentença do Juízo da 96ª Zona Eleitoral – Cerro Largo (fls. 213-216v.), que julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, para condenar os referidos réus como incursos nas sanções do art. 301 do Código Eleitoral, na forma descrita na peça acusatória.

Em suas razões, alegaram, preliminarmente, a nulidade do feito, diante da ausência de intimação pessoal para demonstração de interesse quanto à suspensão condicional do processo, e, no mérito, a falta de prova robusta para a condenação, uma vez que evidente o interesse político dos denunciadores. Assim, havendo dúvida, sustentam que se impõe a absolvição (fls. 224-228).

Com contrarrazões (fls. 233-235v.), nesta instância, foi dada vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 244-249).

É o relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

O recurso aviado é tempestivo (intimação pessoal em 31.01.2019 – fl. 223; interposição em 11.02.2018 – fls. 224-228), visto que ofertado dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral; preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

2. Das preliminares

Inicialmente, cabe examinar questão preliminar sustentada pela defesa, consistente na ausência de intimação pessoal para demonstração de interesse quanto à suspensão condicional do processo (fls. 225-226).

Entendo que a razão assiste aos recorrentes.

Percebe-se que a intimação para o referido ato se deu por nota de expediente (fl. 113). Ato contínuo, o juízo de origem atestou nos autos o seguinte termo de audiência (fl. 115):

Aberta a audiência com as formalidades legais, verificada a ausência dos réus, embora devidamente intimados, e tentando contato telefônico com o seu defensor, não se tendo obtido sucesso, entendo que houve interesse em aceitar a proposta de suspensão condicional do processo.

Venham os autos conclusos para designação de audiência de instrução e julgamento.

Presentes intimados.

Nada mais.

Embora o juízo a quo considere a parte ‘devidamente intimada’, a falta de intimação pessoal para a concessão do benefício previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95 pode, de fato, resultar em cerceamento de sua defesa. Desse modo, após a denúncia, faz-se necessária a intimação pessoal do réu para a audiência em que será proposta a suspensão condicional do processo, sob pena de tolhimento da defesa do réu.

Assim, evidente é o prejuízo causado aos réus por erro de procedimento, uma vez que o instituto da suspensão do processo objetiva justamente evitar a sua formação e, consequentemente, a aplicação de pena.

Seguindo entendimento extraído da Súmula n. 523/STF, é certo que a deficiência de defesa, havendo prejuízo ao réu, causa nulidade absoluta do feito, ensejando a anulação da sentença. Assim, in casu, deve ser oportunizada a oitiva do réu para dizer sobre a proposta de suspensão condicional do processo.

Nessa esteira, trago à baila excertos de julgado do Superior Tribunal de Justiça - STJ que bem se amolda ao tema (HABEAS CORPUS N. 17.165 - SP (2001/0075099-1), transcritos abaixo:

(...)

HABEAS CORPUS Nº 17.165 - SP (2001/0075099-1)

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. LEI Nº 9.095/95. SUSPENSAO CONDICIONAL DO PROCESSO. INTIMAÇAO DO ACUSADO. AUSÊNCIA. NULIDADE.

- Da audiência em que se propõe a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei nº 9.095/95, pela sua relevância, pois consubstancia verdadeira transação, deve ser intimado pessoalmente o réu, sob pena de nulidade do mencionado ato processual.

Habeas corpus parcialmente concedido.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Sustenta-se na presente impetração a nulidade da audiência de conciliação em que apresentada a proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, na medida em que ausente a intimação pessoal do acusado, ora paciente, pugnando este pela concessão imediata do benefício.

Tenho que a tese emoldurada no pleito em tela merece parcial acolhimento.

Com efeito, extrai-se dos autos que o paciente, denunciado pela prática de delitos ambientais, não foi intimado pessoalmente da realização da audiência em que se propôs a suspensão condicional do processo, comparecendo a esta apenas seu então defensor, o qual teria rejeitado a proposta de suspensão oferecida pelo Ministério Público.

Ora, a audiência a que se refere o art. 89 da Lei dos Juizados Especiais é ato processual de grande relevância para o réu, não podendo, por isso, prescindir de sua prévia intimação pessoal, sob pena de surgimento de nulidade insanável. É patente o prejuízo que recairá sobre o acusado ao qual não foi oportunizada a manifestação sobre a proposta de sursis processual.

Cabe ressaltar, nesta linha de pensamento, trecho do parecer de lavra da insigne Subprocuradora-Geral da República Dra. Maria das Mercês Gordilho Aras, que assim se manifestou, verbis :

"Na situação sob exame, é inegável a afronta a preceitos da Carta da Republica que asseguram aquelas garantias, de que decorre, portanto, vício insanável, incapaz de ser convalidado.

É sabido que as partes fazem jus a que a marcha do processo criminal seja integralmente cumprida, em conformidade com as prescrições legais, sendo forçoso concluir, in casu, pela ocorrência de inarredável prejuízo para o acusado, ora Paciente, em consequência da falta de sua intimação para comparecer, pessoalmente, na audiência de propositura do sursis processual, a implicar em nulidade absoluta, reparável por meio de habeas corpus, consoante deflui da jurisprudência dessa Augusta Corte Superior adiante reproduzida:

"EMENTA: (parcial) ... A falta de intimação para os atos processuais constitui nulidade por cerceamento de defesa, passível de ser corrigido por meio de habeas corpus. Recurso de habeas corpus que se conhece e se dá provimento, para anular o processo, ab initio."(STJ, - RSTJ 93/356).

Assim sendo, indispensável que se afigura a intimação pessoal do réu para todos os atos processuais, a ausência daquela formalidade e o fato de haver o causídico contratado pelo Paciente praticado ato de cunho personalíssimo, resultaram violações das normas estampadas nos arts. 5o, inciso LIV e LV, da Constituição Federal, preceitos providos de relevância processual capaz de lhes conferir a natureza de normas de garantia, entendidas como regras colocadas pela Lei Maior como forma de assegurar direito indeclinável das partes e a validade do processo.(...)

Nesse passo, cabe destacar da obra "Juizados Especiais Criminais", também, da processualista Ada Pellegrini Grinover e de outros autores, o seguinte trecho, reproduzido, aliás, na inicial do writ.

" Ninguém pode aceitar a suspensão no lugar do acusado, mesmo porque ela tem por fundamento autodisciplina e o sendo de responsabilidade. Nunca será possível tal ato por procurador, ainda que conte com poderes especiais. É o acusado que tem que saber das condições da suspensão e assumi-las. É um ato em que assume a responsabilidade. Nisso há sempre uma carga emocional, que favorece seu êxito. O juiz tem que conversar com o próprio acusado, inclusive para ajustar a dosimetria das condições, tão importante em termos de prevenção geral (intimidação) como especial (ressocialização). Se o acusado revel não comparecer (salvo motivo justo) na audiência de conciliação, torna-se impossível a suspensão."(in obra citados, 3a edição, RT, 1999, p. 297)" (fls. 183/186).

(...)

No corpo do voto condutor, o Ministro Vicente Leal manifestou-se pelo acolhimento da impetração, ao argumento de que “a audiência a que se refere o art. 89 da Lei dos Juizados Especiais é ato processual de grande relevância para o réu, não podendo, por isso, prescindir de sua prévia intimação pessoal, sob pena de surgimento de nulidade insanável. É patente o prejuízo que recairá sobre o acusado ao qual não foi oportunizada a manifestação sobre a proposta de sursis processual”.

O caso assemelha-se muito à hipótese sob exame, visto que os recorrentes sustentaram lesão ao direito inalienável de manifestar seu interesse em aderir, ou não, à proposta de suspensão condicional do processo.

Consequentemente, e com o intuito de formalizar a proposta de suspensão condicional do processo (fl. 112), deveria o magistrado ter intimado os réus pessoalmente, de modo a garantir plena observância do art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal, evitando assim o cerceamento de defesa.

Quanto à alegação do douto Procurador Regional Eleitoral, no sentido de que a ausência de intimação pessoal para ato no qual haverá proposta de suspensão condicional do processo é causa de nulidade relativa, submetendo-se, pois, a prazo preclusivo, com a devida vênia, permito-me dissentir de tal compreensão.

Entendo que o benefício da suspensão condicional do processo configura direito subjetivo do réu, podendo ser pleiteado a qualquer momento, enquanto não transitada em julgado a decisão condenatória, pois se trata de meio conciliatório para a resolução de conflitos no âmbito da justiça criminal, mostrando-se como uma alternativa à persecução penal estatal, motivo pelo qual resta evidenciado o interesse público na aplicação da referida medida.

De igual forma, compreendo que, ao não possibilitar, ou mesmo dificultar, o acesso à proposta de suspensão condicional do processo aos réus, estaríamos compelidos a prosseguir com persecução penal desnecessária, em flagrante contrariedade ao espírito da norma disposta no art. 89 da Lei dos Juizados Especiais, cujo norte foi justamente o de criar uma alternativa a um processo penal prescindível, possibilitando ao acusado – desde que este aceite submeter-se ao cumprimento de determinadas condições pré-estabelecidas – não ser protagonista dos dissabores inerentes ao trâmite de uma ação penal.

Nesse sentido, colaciono ementa de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, julgado na sessão de 18 de dezembro de 2012, de relatoria do Ministro JORGE MUSSI:

HABEAS CORPUS. (...) SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9.099/95. NEGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MOTIVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. 1. Tratando-se a suspensão condicional do processo de um meio conciliatório para a resolução de conflitos no âmbito da Justiça Criminal, mostrando-se como uma alternativa à persecução penal estatal, fica evidenciado o interesse público na aplicação do aludido instituto. 2. Embora o órgão ministerial, na qualidade de titular da ação penal pública, seja ordinariamente legitimado a propor a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95, os fundamentos da recusa da proposta podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário. PROPOSTA NEGADA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O PRÓPRIO TIPO PENAL INCRIMINADOR ATRIBUÍDO AO PACIENTE NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, segundo os quais não se admite a utilização de elementos integrativos do tipo penal para justificar a exacerbação da pena-base, igualmente deve ser vedado o recurso à fundamentação semelhante para, em juízo sumário, negar a suspensão condicional do processo. 2. Na hipótese, o órgão acusatório negou ao paciente a proposta de suspensão condicional do processo, o que foi chancelado tanto pelo juízo monocrático como pelo Tribunal de origem, utilizando-se de elementos que integram a própria descrição abstrata do crime de quadrilha, bem como da suposta gravidade do delito que, pela sua falta de concretude, não atende à garantia constante do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. 3. Ordem parcialmente concedida para deferir ao paciente a suspensão condicional do processo, devendo o magistrado singular estabelecer as condições previstas no artigo 89, § 1º, da Lei n. 9.099/90 como entender de direito.

(STJ - HC: 131.108 RJ 2009/0044973-5, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 18.12.12, Data de Publicação: DJe 04.3.13.) (Grifei.)

Por fim, a título de reforço argumentativo, trago a doutrina de LUIZ FLÁVIO GOMES discorrendo acerca da possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário do direito à suspensão condicional do processo (Suspensão condicional do processo penal: a representação das lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 167):

Nos termos dos princípios da informalidade e da celeridade processual, o juiz, desde que presentes as condições legais, deve, de ofício, suspender o processo. A suspensão provisória da ação penal, assim como o sursis tem natureza de medida alternativa. Se o juiz pode aplicar a suspensão da execução da pena que tem natureza punitiva e sancionatória, mesmo em face da discordância do Ministério Público, o mesmo deve ocorrer na suspensão condicional do processo, forma de despenalização. Se o Juiz pode aplicar de ofício a medida mais grave, seria estranho se não pudesse a mais leve.

Portanto, em relação, especificamente, ao ato de comunicação da proposta de suspensão condicional do processo, a anulação da intimação feita por nota de expediente e respectiva audiência (fls. 113 e 115) merece acolhimento, devendo o presente julgamento ser convertido em diligência, a fim de determinar-se o retorno dos autos à origem para o oferecimento da suspensão condicional do processo aos réus.

A respeito da conversão em diligência, trago a lume os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CRIME. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO NÃO OFERECIDA, QUANDO PREENCHIDOS OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. Impositiva a conversão do julgamento em diligência para regular oferta da proposta de suspensão condicional do processo ao réu, uma vez que esse fazia jus ao benefício despenalizador. Em sendo aceito o benefício, fica desconstituída a sentença condenatória. Em contrário, deverão voltar os autos para o exame do mérito do recurso. DE OFICIO, CONVERTERAM O JULGAMENTO DO FEITO EM DILIGÊNCIA.

(TJ-RS - RC: 71004053286 RS, Relator: Eduardo Ernesto Lucas Almada, Data de Julgamento: 28.01.13, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30.01.13.)

APELAÇÃO CRIME. LESÃO CORPORAL NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 303 DO CTB). NÃO OFERECIMENTO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, QUANDO PREENCHIDOS OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. Necessária de conversão do julgamento em diligência para oferta da proposta de suspensão condicional do processo à que fazia jus o acusado. Em sendo aceito o benefício, fica desconstituída a sentença condenatória. Em contrário, deverão voltar os autos para o exame do mérito do recurso. DE OFICIO, CONVERTERAM O JULGAMENTO DO FEITO EM DILIGENCIA.

(TJ-RS - Recurso Crime n. 71003427978, Relator: Leandro Raul Klippel, Data de Julgamento: 27.02.2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28.02.12.)

Na hipótese de aceitação do benefício, fica desconstituída a sentença condenatória. Do contrário, com a rejeição da oferta, deverão voltar os autos para exame do mérito do recurso.

Dispositivo

Ante o exposto, acolho a prefacial de suspensão condicional do processo suscitada pela defesa e VOTO pela anulação da intimação por nota de expediente e respectiva audiência (fls. 113 e 115), de modo a converter o julgamento em diligência, baixando-se os autos à 96ª Zona Eleitoral a fim de possibilitar aos réus a oferta da suspensão.