RC - 9296 - Sessão: 07/05/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença do juízo da 151ª Zona Eleitoral – Barra do Ribeiro/RS – que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia proposta contra LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, absolvendo-o da acusação de incursão na prática do art. 350 do Código Eleitoral, assim descrita na peça acusatória (fls. 258-260):

Nas eleições majoritárias do ano 2012, no município de Barra do Ribeiro, LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, fez inserir informação falsa em sua prestação de contas eleitorais, consistente na apresentação de recibo eleitoral que simula a prática de doação estimável em dinheiro, no montante de R$ 2.500,00, por REJANE ROMANELLI CAMARGO, a qual jamais existiu. Assim agindo o denunciado, de forma livre e consciente, fez incidir o tipo penal do artigo 350 do Código Eleitoral em sua conduta, mediante as seguintes ações que revelam a autoria dolosa, bem como a relevância do falso para o pleito eleitoral:

1) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, alugou (valor do aluguel R$ 500,00 mensais, total pago de R$ 2.500,00), pela interposta pessoa de REJANE ROMANELLI CAMARGO, o imóvel sala comercial localizada na Av. Visconde do Rio Grande, 1401, frente, para ser a sede de seu comitê eleitoral nas eleições municipais de 2012; início da locação 15/05/2012, término em 15/10/2012; REJANE ROMANELLI CAMARGO transferiu o uso do imóvel por meio de comodato ao Partido Social Democrático - PSD na data de 15/05/2012 (informações documentais às folhas 98-106 do Inquérito);

2) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG negociou a locação do imóvel diretamente com JOSÉ ALEXANDRE GUIMARÃES, advogado e representante dos interesses do Sr. Arnaldo Reinert Neto, proprietário do imóvel; LUCIANO é quem indicou a interposta pessoa de REJANE ROMANELLI CAMARGO para constar do contrato, bem como requereu a realização posterior do contrato de comodato, em que REJANE transferiu o uso do imóvel ao comitê eleitoral dele; ambos os contratos foram celebrados no escritório de JOSÉ ALEXANDRE (informações na forma de depoimentos às folhas 26, 177, 192 do Inquérito, corroboradas pelos contracheques de REJANE de folhas 200-209);

3) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, com o objetivo de não demonstrar a realidade dos fatos no plano do processo eleitoral, apresentou o referido gasto, em sua prestação de contas, como doação estimável em dinheiro realizada por REJANE ROMANELLI CAMARGO (informação documental à folha 84 do Inquérito) (...)

Após regular instrução, o juízo de primeiro grau concluiu pela improcedência da denúncia, absolvendo o acusado, com fundamento no art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal (fls. 812-817v.).

Da sentença absolutória, o Ministério Público Eleitoral interpôs o presente apelo, sustentando haver provas suficientes da materialidade e autoria em relação aos fatos (fls. 821-828).

Houve contrarrazões (fls. 838-852).

Nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 860-867).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

Não há preliminares ou nulidades processuais a serem analisadas.

No mérito, o presente recurso envolve o delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, a saber:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Como se percebe, o tipo penal eleitoral estabelece o crime de falsidade eleitoral, à semelhança da falsidade prevista no Código Penal, apenas com a presença específica da finalidade eleitoral, consistente em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa, para fins eleitorais.

Na espécie, Luciano Guimarães Machado Boneberg foi denunciado pela prática do seguinte fato descrito na denúncia (fls. 258-260):

Nas eleições majoritárias do ano 2012, no município de Barra do Ribeiro, LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, fez inserir informação falsa em sua prestação de contas eleitorais, consistente na apresentação de recibo eleitoral que simula a prática de doação estimável em dinheiro, no montante de R$ 2.500,00, por REJANE ROMANELLI CAMARGO, a qual jamais existiu. Assim agindo o denunciado, de forma livre e consciente, fez incidir o tipo penal do artigo 350 do Código Eleitoral em sua conduta, mediante as seguintes ações que revelam a autoria dolosa, bem como a relevância do falso para o pleito eleitoral:

1) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, alugou (valor do aluguel R$ 500,00 mensais, total pago de R$ 2.500,00), pela interposta pessoa de REJANE ROMANELLI CAMARGO, o imóvel sala comercial localizada na Av. Visconde do Rio Grande, 1401, frente, para ser a sede de seu comitê eleitoral nas eleições municipais de 2012; início da locação 15/05/2012, término em 15/10/2012; REJANE ROMANELLI CAMARGO transferiu o uso do imóvel por meio de comodato ao Partido Social Democrático - PSD na data de 15/05/2012 (informações documentais às folhas 98-106 do Inquérito);

2) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG negociou a locação do imóvel diretamente com JOSÉ ALEXANDRE GUIMARÃES, advogado e representante dos interesses do Sr. Arnaldo Reinert Neto, proprietário do imóvel; LUCIANO é quem indicou a interposta pessoa de REJANE ROMANELLI CAMARGO para constar do contrato, bem como requereu a realização posterior do contrato de comodato, em que REJANE transferiu o uso do imóvel ao comitê eleitoral dele; ambos os contratos foram celebrados no escritório de JOSÉ ALEXANDRE (informações na forma de depoimentos às folhas 26, 177, 192 do Inquérito, corroboradas pelos contracheques de REJANE de folhas 200-209);

3) LUCIANO GUIMARÃES MACHADO BONEBERG, com o objetivo de não demonstrar a realidade dos fatos no plano do processo eleitoral, apresentou o referido gasto, em sua prestação de contas, como doação estimável em dinheiro realizada por REJANE ROMANELLI CAMARGO (informação documental à folha 84 do Inquérito) (...)

As razões recursais deduzidas pelo Ministério Público Eleitoral dizem, em síntese, com a suficiência dos elementos probatórios carreados aos autos, incluindo o acervo documental, os depoimentos e a prova testemunhal, para a comprovação da autoria e materialidade da falsidade ideológica eleitoral imputada ao recorrente.

Passo à análise.

Da prestação de contas apresentada pelo candidato Luciano Guimarães Machado Boneberg, relativa às eleições majoritárias no ano de 2012, em que eleito prefeito do município de Barra do Ribeiro (PC n. 462-78), juntada aos autos, constam os seguintes documentos:

a) recibo eleitoral de doação estimável em dinheiro, no valor de R$ 2.500,00, oriunda de Rejane Romanelli Camargo, emitido em 28.09.2012 (fl. 80);

b) contrato de comodato firmado entre Rejane e o Diretório Municipal do Partido Social Democrático (PSD) de Barra do Ribeiro, tendo por objeto “a sala comercial situada na Av. Visc. do Rio Grande, 1401 (frente)”, no período de 15.5.2012 a 15.10.2012 (fl. 94);

c) contrato de locação em que Arnaldo Reinert Neto aluga para Rejane a aludida sala comercial, para o destino de “Comitê de campanha política-partidária”, pelo prazo de 15.5.2012 a 15.10.2012, ao valor mensal de R$ 500,00, destacando-se cláusula pela qual os pagamentos serão efetuados “diretamente ao procurador do locador José Alexandre Guimarães” (fls. 95-97); e 

d) recibos nos quais José Alexandre Guimarães declara ter recebido de Rejane a importância de R$ 500,00, referente ao aluguel da mencionada sala comercial (fls. 98-102).

Este conjunto de documentos foi apresentado por Luciano em sua prestação de contas eleitoral e visa comprovar que Rejane alugou, às suas próprias expensas, sala comercial, a fim de cedê-la, gratuitamente, como doação estimável em dinheiro, ao candidato, para a instalação de seu comitê de campanha.

Como bem apontou a decisão recorrida, examinando-se a materialização dos documentos, não é possível depreender a inveracidade de seus conteúdos. Os recibos e contratos elencados apresentam todos os elementos de forma necessários à produção dos efeitos pretendidos no bojo do processo de contas eleitorais, inclusive as assinaturas das respectivas partes e declarantes, as quais não foram impugnadas ou contestadas por qualquer das partes.

Sequer poderia ser diferente, pois a infração penal imputada não alude aos aspectos formais da declaração, mas exclusivamente à substância ideológica nela veiculada. Na dicção doutrinária de José Jairo Gomes, “Na falsidade intelectual, a estrutura ou o suporte do documento (aspectos externos) é impecável – o documento é autêntico, porém o seu teor não corresponde à verdade, é falso, mentiroso.” (Crimes e processo penal eleitoral. São Paulo: Atlas, 2015, p. 196).

Portanto, é indispensável prescrutar elementos externos à prestação de contas para se concluir pela fidedignidade ou não do que foi consignado nos documentos apresentados pelo prestador de contas.

Nesse trilhar, os pontos relevantes da prova oral produzida foram bem apreendidos pelo magistrado sentenciante, conforme excertos da sentença que transcrevo (fls. 813v.-815v.):

Francisco Guimarães Gutierrez (f. 448) afirmou que, na condição de político da cidade, esteve no subdiretório em certa ocasião para proferir palestra e ouviu da própria Rejane, quando dirigia-se aos presentes, que ela fazia o pagamento dos alugueres da sala onde instalado o subdiretório. A campanha era pobre e não havia dinheiro para custear propaganda eleitoral, e Rejane intercedeu para afirmar que estaria efetuando doação para pagamento da despesa da sala. Rejane pagava porque queria contribuir com o partido. Conversou com Rejane em apenas duas oportunidades.

Rejane Romanelli Camargo (f. 493 a 496), pivô da acusação feita ao réu, declarou ter sido assessora de gabinete quando este era prefeito de Barra do Ribeiro. Na ocasião o réu solicitou-lhe que fosse locatária de um imóvel que viria a servir de sede para o seu partido político. Esse imóvel seria entregue por ela à agremiação em comodato. Documentos foram confeccionados. Todos os meses o acusado lhe entregava dinheiro para pagar o aluguel do referido imóvel. Isso se deu por cinco ou seis meses. Nunca chegou a usar o imóvel, que foi escolhido pelo réu, o qual a orientou a procurar o advogado Alexandre para formalizar a locação. Era esse advogado quem recebia os aluguéis todos os meses e lhe passava recibo, que era entregue ao prefeito. Trabalhou poucos meses no município de Barra do Ribeiro, no período próximo às eleições de 2012. Nunca foi filiada ao PSB, mas participava das reuniões do partido por causa do prefeito. Foi pressionada pelo réu a mentir, a dizer que o dinheiro do pagamento dos aluguéis saia de seu bolso. Descobriu que constava como doadora de campanha do acusado depois de ter sido transferida para uma secretaria municipal. Lá pessoas comentaram a respeito disso, só então ficou sabendo do fato. Confirmou a informação no site do TRE/RS e logo foi ao cartório eleitoral para questionar se poderia ser doadora de campanha sem saber. Tentou falar diversas vezes com o prefeito sobre esse assunto, mas não conseguiu. O vice-prefeito Jorge e a assessora Silvana, irmão do acusado, não sabiam do assunto. Chegou a sofrer pressão de Jairo, adversário do prefeito. Sentiu-se usada pelo acusado.

José Alexandre Guimarães (f. 526) questionado sobre os fatos descritos na denúncia, afirmou que administrava a locação do imóvel em questão, o qual estava desocupado no ano de 2012. Na época recebeu uma ligação telefônica do acusado indagando sobre a disponibilidade do imóvel para locação. Então fez contato com o proprietário, o qual concordou em alugá-lo. Inicialmente o acusado queria receber por empréstimo o imóvel, mas o proprietário não concordou e exigiu pagamento de aluguel. O réu então comentou consigo que a locatária seria uma senhora de nome Rejane, a qual não conhecia e não conhece. Foi combinado o valor do aluguel e o contrato foi celebrado com a Sra. Rejane. Foi ela quem efetuou o pagamento dos aluguéis. Nunca teve contato pessoal com Rejane, ela efetuava os pagamentos à sua secretária. O imóvel foi usado para campanha eleitoral. O réu não comentou porque Rejane seria a locatária do imóvel. O depoente questionou sobre um eventual fiador, mas o réu afirmou que Rejane seria pessoa de confiança, como de fato ficou demonstrado, pois não houve atraso nos pagamentos. Nunca conversou com Rejane.

Jorge Bressan (f. 526) foi candidato a vice-prefeito de Barra do Ribeiro na chapa do acusado. Ficou sabendo que a sala usada como comitê no pleito de 2012 foi doada por Rejane ao Partido. Rejane exercia cargo em comissão (CC) na Prefeitura, era ela quem pagava os aluguéis do prédio. Todos os CC ajudaram na campanha do partido, que era pobre. Jairo Duarte concorreu a prefeito na mesma eleição. Nega tenha doado dinheiro a Rejane para pagar o aluguel do referido imóvel. Acredita que Rejane tenha trocado de lado ao fazer afirmação de que o dinheiro utilizado para pagar os alugueis lhe era repassado pelo réu ou pelo depoente. Não sabe qual era o valor da remuneração de Rejane. Não é verdade tenha se reunido com Rejane para forçá-la a assinar uma declaração de que fora ela quem pagou os alugueis do imóvel.

José Carlos Santa Helena (f. 526) ajudou a fundar o partido em Barra do Ribeiro. Sobre o imóvel usado pelo comitê, afirma que Rejane ficou encarregada de sua locação. Isso foi definido em reunião das pessoas envolvidas com a campanha. Rejane ficou magoada quando foi transferida para a secretaria municipal de obras. Ela acabou se juntando a outros servidores insatisfeitos e prejudicou o bom andamento dos trabalhos na repartição. Nessa época já havia movimento de pessoas interessadas em promover a cassação do mandato do réu. Nega ter ameaçado demitir Rejane, mas acabou efetivamente demitindo-a por ter perdido a confiança. Nunca viu Rejane pagando os locatícios, mas sabe que esse era um encargo dela e a ouviu comentar em certa ocasião que estaria saindo para fazer o pagamento. Não perguntou se os recurso usados por ela para pagar os alugueis eram próprios ou de terceiros, até porque ela tinha muitos empréstimos.

Volnei Porto Sabóia (f. 526) trabalhou com técnico de informática na prefeitura na mesma época em que Rejane e pode afirmar que ela participou ativamente da campanha do prefeito Luciano. Ouviu Rejane comentar que contribuiria com a campanha de Luciano pagando o aluguel da sede do partido. Sabe que ela foi trabalhar na secretaria de obras depois de sair do gabinete do prefeito e que este foi cassado e depois retornou ao cargo. Rejane não aceitou com naturalidade sua transferência para a secretaria de obras, pelo que ouviu falar no ambiente de trabalho.

Dione Cortinaz de Souza (f. 526) afirmou que Rejane trabalhou no município em 2012, vinculada ao prefeito Luciano. Fazia campanha para ele. A depoente questionou Rejane em certa data porque o diretório do partido do prefeito estava fechado e ela mencionou que não sabia a razão. Na mesma oportunidade Rejane declarou-lhe que doava à campanha de Luciano o valor necessário para pagamento do aluguel do diretório.

Pedro Silvestre Rocha Costa (f. 526) aduziu que no ano 2012 elegeu-se vereador de Barra do Ribeiro, em oposição ao então prefeito Luciano. Foi transferido para a secretaria de obras do município na mesma época em que a servidora Rejane lá também foi trabalhar. Esta demonstrou insatisfação com a mudança de setor. Ela queria um cargo de secretária porque ajudou na campanha. Rejane falou que estava chateada e que faria algo para ralar o prefeito. Sabe que ela conversou com o opositor do prefeito nessa época, o candidato Jairo. Rejane falou que teria contribuído com o pagamento do aluguel de um prédio para o partido, por isso ela estava mais chateada. Ela teria ajudado na campanha e queria uma secretaria para ela ou para sua filha.

Joel Ghisio (f. 593) trabalhou como chefe de gabinete do Prefeito Luciano. Rejane foi servidora CC do gabinete por um tempo e depois foi transferida para a secretaria de obras. Ela queria a secretaria de Turismo para si e a de agricultura para a filha dela. Rejane falou com o depoente que havia ajudado a pagar o diretório e que por isso deveria receber uma secretaria. Ela ficou insatisfeita por não ter recebido uma secretaria. Jairo e Rejane são amigos. Na época soube que Jairo ficou bastante irritado com sua chegada ao município, para chefiar o gabinete do prefeito. Ficou sabendo também do assunto do aluguel do prédio no ano seguinte, em 2013, quando foi trabalhar na prefeitura. Rejane comentou consigo o interesse em assumir uma secretaria, usando o argumento de que havia ajudado a pagar o prédio do diretório para obter o acolhimento de seu pleito. O depoente falou que isso não era assunto para ser barganhado em troca de uma secretaria. Por fim Rejane estava trabalhando na secretaria de obras, em auxílio ao secretário Santa Helena. Rejane expressou inconformismo pelo fato de ter sido transferida para a secretaria de obras. O prefeito demitiu Rejane depois de um ano da mudança de função, mas por questão de enxugamento da máquina.

Clisélia Pacheco Alencastro (f. 661) trabalhou na administração do município de Barra do Ribeiro no ano 2012. Conheceu Rejane e sabe que ela trabalhou no gabinete do prefeito. Conversava frequentemente com ela, até porque ambas residiam em Guaíba e costumavam viajar no mesmo ônibus. Havia comentários na prefeitura de que Rejane teria de fato locado o prédio do diretório do partido na campanha de 2012. Ela sentia orgulho por ter alugado o prédio e deixava transparecer esse sentimento. Era comum ela encontrar-se no referido prédio. Em uma ocasião, na rodoviária, Rejane interpelou a depoente e mostrou-lhe um documento da justiça eleitoral em que o seu nome (de Rejane) aparecia como doadora da campanha do prefeito. Ela estava insatisfeita com isso porque sua família não poderia saber que ela estava doando recursos para a campanha. A depoente então a advertiu de que o procedimento estaria correto, pois se houve doação, deveria haver registro do ato. De qualquer modo, Rejane estava muita irritada e mencionou que o prefeito pagaria por isso, pois não era para aparecer o nome dela. Na época já havia muita confusão na prefeitura envolvendo a possibilidade de cassação do prefeito. Por diversas vezes Rejane comentou com a depoente seu desejo de assumir um cargo de secretaria do município. Sabe que ela acabou indo trabalhar na secretaria de obras. Houve muitas denúncias contra supostas irregularidades na administração, que atrapalharam o andamento dos trabalhos. Além disso, houve intensa fiscalização do executivo municipal pelos órgãos competentes.

Luciano Guimarães Machado Bonenberg (f. 661), em seu interrogatório, referiu que a denúncia não retrata a verdade dos fatos. Em resumo, aduz que Rejane pagou pelo aluguel do prédio do diretório do partido, mas posteriormente mudou a versão e negou tivesse efetuado esse pagamento. Sofreu pressão muito grande desde que assumiu a administração do município. Jairo perdeu a eleição e não aceitava o resultado, tanto que passou a trabalhar na câmara municipal, onde fazia oposição ao executivo. Rejane foi contratada para trabalhar bem próximo do prefeito e, atendendo a pedido dela, também foi contratada Andréia, nora de Rejane. Em uma reunião para discutir sobre a sede do diretório, Rejane prontificou-se a pagar o aluguel do prédio. Na época Rejane tinha sua renda da aposentadoria do INSS e mais a remuneração pelo cargo de confiança exercido no município. Ela locou o prédio e assinou um contrato de locação. Também foi feito um contrato de comodato, o qual o interrogando não assinou. Nega seja sua assinatura constante desse contrato. Ela efetuou o pagamento dos aluguéis todos os meses. Em uma ação judicial que tramitou em Barra do Ribeiro (Representação n. 511.22.2012.6.21), Rejane admite em seu depoimento que pagou o aluguel da sala do diretório. Em momento seguinte, na promotoria de justiça, Rejane mudou a versão e disse que não pagou pelo aluguel do prédio. À f. 13 dos autos consta um pedido de Jairo Duarte de que Rejane seja reinquirida sobre o aluguel, e foi a partir daí que ela mudou de versão. Depois que passou a trabalhar na secretaria de obras a insatisfação de Rejane aumentou. Ela chegou a pedir para ela ou para sua nora uma das duas secretarias que vagaram na época, mas não foi atendida. Após os fatos aqui tratados, ela trabalhou como CC na câmara municipal de Guaíba, para partido que fazia oposição ao interrogando. (Grifei.)

Conclui-se, portanto, que apenas as declarações de Rejane Romanelli Camargo conferem base à pretensão condenatória.

Como reforço ao declarado por Rejane, o recorrente destaca os contracheques da testemunha, relativos ao cargo em comissão junto à Prefeitura de Barra do Ribeiro, nos quais se evidencia que seus rendimentos líquidos médios, recebidos de janeiro a outubro de 2012, alcançavam pouco mais de R$ 530,00 (fls. 200-209).

A prova, no entanto, não confirma, por si só, a inviabilidade financeira de Rejane para realizar a doação em análise.

Embora não seja provável que um doador dedique quase a integralidade de seus vencimentos líquidos em prol do candidato de sua preferência, não há nos autos menção cabal de que Rejane não ostentava outros meios de sobrevivência que lhe permitiriam, justamente, dispor da quase totalidade dessa verba salarial para a liberalidade.

Cabe destacar que, nas declarações prestadas à autoridade policial (fl. 192), a depoente qualificou-se como “aposentada”, o que poderia representar fonte de renda concomitante com o cargo em comissão no período da cessão do imóvel.

Ademais, não é incomum que detentores de cargos de livre nomeação e exoneração da administração pública realizem elevados esforços, inclusive financeiros, em apoio a determinadas candidaturas.

Obviamente, essas doações podem resultar de pressões ou coações realizadas pelos mandatários sobre os detentores de cargos comissionados a eles subordinados, hipótese que desnatura a liberalidade da oferta.

Contudo, na maioria das vezes, as contribuições são voluntárias, ligadas tanto à necessidade de preservação da posição funcional, ameaçada pela vitória de um novo grupo político, quanto à esperança de atingir novos patamares funcionais mediante o engajamento com a campanha.

Tal aspecto foi bem pontuado pelo magistrado a quo no seguinte trecho da sentença (fls. 816v.-817):

Realmente, embora possa ser uma prática até censurável, sabe-se que costumeiramente muitos servidores ocupantes de cargos em comissão acabam contribuindo para a campanha dos candidatos à reeleição, seja espontaneamente, seja por coação velada, ora trabalhando ativamente na divulgação da campanha, ora doando parte de sua remuneração para custeio de despesas. Não se está afirmando que foi isso que ocorreu no caso concreto, mas trata-se de uma hipótese possível, que não pode ser descartada.

Por sua vez, o depoimento judicial do advogado José Alexandre Guimarães não tem aptidão para corroborar a descrição contida na denúncia nem ratifica as afirmações de Rejane.

Com efeito, embora assevere que foi buscado pelo então Prefeito Luciano para a intermediação de contrato de locação de imóvel destinado à sede de campanha e que não presenciou Rejane participando das negociações com o locador, declara, igualmente, que Rejane sempre figurou na condição de locatária e que, segundo observou, os pagamentos eram efetivamente realizados por ela, que entregava os valores à sua secretária.

Não está fora de cogitação que o beneficiado pela cessão do imóvel tenha participado de algumas das fases prévias de escolha e contratação e, mesmo, recomendado o profissional para a elaboração e administração do contrato, o que não descaracteriza a doação.

O ponto fulcral para a configuração do crime é a atuação de Rejane como locatária meramente simulada, responsável apenas formalmente pelo adimplemento dos aluguéis, os quais teriam, em realidade, outra fonte de custeio. Essa conclusão, entretanto, não é depreendida das declarações de José Alexandre Guimarães.

As demais testemunhas, todas arroladas pela defesa, apresentam depoimentos assertivos e uniformes no sentido de que Rejane, efetivamente, arcou com o aluguel da sala e a cedeu gratuitamente ao comitê de campanha. A justificativa da liberalidade seria o cargo comissionado que ocupava junto à Administração concorrente à reeleição e a pretensão de uma melhoria funcional. Além disso, mencionam que, após ficar insatisfeita com a sua transferência para outro cargo na Secretaria de Obras, Rejane teria passado a tentar prejudicar Luciano, como forma de retaliação.

As declarações compatibilizam-se com as alegações defensivas de que Rejane contribuiu para a campanha porque almejava o cargo de Secretária de Turismo e Cultura. No entanto, transcorridas as eleições, foi removida da chefia de Gabinete do Prefeito para a Secretaria Municipal de Obras, Trânsito e Planejamento, em 20.02.2013 (fl. 704), para função de menor relevância. Descontente, teria se aproximado do grupo político de oposição ao prefeito reeleito e apresentado a presente versão acusatória, visando prejudicar Luciano em favor de Jairo Alexandre Duarte, concorrente do réu no pleito de 2012 e segundo colocado nas eleições do Executivo Municipal.

De seu turno, a conversa de Rejane com Jairo (fls. 13-17v.) em nada contribui para o deslinde dos fatos. Trata-se de diálogo no qual Rejane informa ao ex-candidato a prefeito que não realizou doação à campanha de Luciano, visando dar base à notitia criminis enviada pelo próprio Jairo ao Ministério Público Eleitoral (fls. 09 e 11), nada acrescentando ao que constou no depoimento judicial de Rejane.

A prova apenas demonstra uma aproximação da testemunha com Jairo, cujo interesse na apuração dos fatos, especialmente se capazes de implicar eventual cassação do prefeito eleito, são evidentes, mas insuficientes para confirmar ou infirmar a materialidade da acusação.

O Ministério Público Eleitoral assevera, ainda, que Rejane, na mesma linha das declarações prestadas em juízo, foi pressionada pelo então prefeito, também seu superior hierárquico à época, a colaborar na realização da falsidade e a mentir às autoridades que realizou a doação estimável em dinheiro em benefício do candidato Luciano.

Novamente, a narrativa encontra amparo exclusivamente nas declarações de Rejane. Nesse ponto, a instauração de processo por improbidade administrativa em face de Luciano, por suposto assédio moral praticado contra Rejane (Processo n. 140/1.16.0001384-90), fornece elementos sobre o desentendimento entre ambos, inclusive em virtude de sua atuação como testemunha acusatória, mas não garante a veracidade dos fatos narrados nos termos da inicial.

Por sua vez, a Procuradoria Regional Eleitoral destaca que este Tribunal, no bojo do Recurso Eleitoral n. 1-72.2013.6.21.0151, que apurou os fatos sob a ótica cível-eleitoral, em representação por captação e gastos ilícitos de recursos financeiros de campanha, já concluiu pela falsidade envolvendo o contrato de locação em questão.

Deveras, o acórdão lavrado naqueles autos, de relatoria do ilustre Des. Eleitoral Ingo Wolfgang Sarlet, transcrevendo excerto da decisão de origem, entendeu que “o candidato se utilizou de um terceiro para firmar o contrato e realizar os pagamentos para, dessa forma, não contabilizar os gastos que, em verdade, tratam-se de gastos de campanha declarados de forma irregular”, concluindo o Tribunal, à unanimidade, pela procedência daquela demanda.

Sobre a alegação, cumpre destacar que a análise da aludida decisão não condiciona idêntica solução na presente espécie, porquanto as instâncias cível-eleitoral e criminal-eleitoral são independentes entre si (TSE: RE 18805, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 05.10.2018; RHC 249-19, rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 16.5.2017, e RE 180-57, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.7.2016).

Ademais, cediço que no processo penal, em razão da gravidade das consequências condenatórias, vigora um critério mais rigoroso na apreciação da prova, pelo qual se exige que os fatos sejam demonstrados por elementos robustos e harmônicos, eliminando a mínima margem de dúvida sobre a autoria e materialidade do fato.

Sobre o tema, destaco o seguinte julgado do TSE:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2014. CRIMES DE CONCUSSÃO E DE DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL NO DIA DA ELEIÇÃO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. (…). 3. Em primeiro lugar, as esferas cível-eleitoral e criminal são independentes. Dessa forma, a improcedência das ações de investigação judicial eleitoral não impõe idêntico resultado no juízo criminal, em razão de seus diferentes objetivos. Precedentes. Além disso, a instrução probatória nos feitos criminais é, em geral, mais abrangente e profunda, podendo levar a diferente resultado. (…).

(Ação Cautelar n. 060077360, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 13.02.2019, Página 70/72.) (Grifei.)

Em acréscimo, a respeito do aludido processo por infringência ao art. 30-A da Lei das Eleições, cumpre mencionar que o TSE, em julgado de 3.11.2015, deu provimento ao Recurso Especial interposto por Luciano e outros, julgando improcedente o pedido formulado na representação. Assim constou na fundamentação do decisum:

Nesse contexto, concluo que os recursos movimentados à margem do sistema legal de controle, por não terem sequer transitado em conta específica, e o fato de o representado haver realizado, de modo precário e inconfiável, a movimentação de recursos e despesas mediante a contabilidade do comitê financeiro da agremiação, embora aptos a implicar a desaprovação de contas, não têm relevância jurídica suficiente para ensejar a gravíssima sanção de cassação de diploma, nos termos da reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral segundo a qual a "cassação do diploma com base no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 há de ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido pela norma" (RO nº 4446-96/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgado em 21.3.2012).

(RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 172, Decisão monocrática de 3.11.2015, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 16.11.2015 - Página 65-78.)

Retomando a análise da prova, conclui-se que apenas as declarações prestadas por Rejane Romanelli Camargo dão base às imputações trazidas na denúncia.

Tratando-se de depoimento único, a sua validade como fundamento ao decreto condenatório demanda a ausência de indícios mínimos capazes de afetar a credibilidade da testemunha.

Por outro lado, as demais testemunhas ouvidas infirmam os fatos narrados ou põem em dúvida a verossimilhança das declarações de Rejane, sendo congruentes com os termos lançados na exposição defensiva.

O acervo documental é escasso e insuficiente para a formação de um juízo firme de convicção sobre as narrativas vertidas nos autos.

Por fim, como razão para a manutenção da absolvição do acusado por insuficiência de provas sobre a existência do fato, valho-me da fundamentação expendida pelo Juiz Eleitoral em sua sentença (fl. 816v.):

Por certo não há como afirmar, com convicção, que Rejane alterou a verdade dos fatos com o propósito de prejudicar o réu, mas da mesma forma, à luz dos depoimentos reunidos nos autos, também não é possível admitir tenha o réu utilizado aquela como interposta pessoa para fraudar o registro das despesas de campanha. Para dizer de outro modo, as provas produzidas não deixam certeza sobre a conduta atribuída ao réu e, havendo dúvida quanto à prática delitiva, há de se instrumentalizar o benefício da dúvida em favor do acusado.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença.