RC - 12817 - Sessão: 06/08/2019 às 17:00

RELATÓRIO

CLAUDIO ROBERTO PEREIRA ÁVILA interpõe recurso criminal em face da sentença do Juízo da 71ª Zona Eleitoral (Gravataí/RS), que julgou procedente a denúncia para condená-lo pela prática de difamação eleitoral, consoante com o tipificado no art. 325, c/c art. 327, inc. III, ambos do Código Eleitoral, à pena de três meses e dez dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de dez dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário-mínimo vigente à época do fato (fls. 510-513).

Em suas razões (fls. 522-541), o recorrente suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença por ausência de enfrentamento das teses defensivas de "impossibilidade de tipificação formal do delito" e de "inexpressividade da lesão jurídica do ato". Além disso, alega a inépcia da denúncia por falta de descrição do suposto fato ofensivo à reputação da vítima. No mérito, sustenta a ausência de fins eleitorais na prática da conduta. Argumenta que os fatos descritos na denúncia não se amoldam ao delito de difamação eleitoral. Defende a inexpressividade da lesão do bem jurídico tutelado, a qual possibilitaria a aplicação do princípio da insignificância. Assevera ser necessária a demonstração da potencialidade concreta do meio empregado para a incidência da causa de aumento de pena. Afirma que a imputação deve ser desclassificada para o tipo de injúria eleitoral, com a consequente readequação do quantum condenatório. Sustenta que a sentença não justificou a opção pela pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade, sendo adequada ao caso a pena substitutiva de prestação pecuniária. Requer o acolhimento das preliminares ou, em ordem subsidiária, a absolvição do acusado ou a desclassificação do delito e a diminuição das penas impostas, bem como a substituição da prestação de serviços comunitários pela prestação pecuniária.

Em contrarrazões (fls. 544-549), o Ministério Público Eleitoral postulou a manutenção da sentença.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso e pela execução provisória das penas (fls. 553-558).

(Em manifestação oral, o Procurador Regional Eleitoral retificou o parecer anteriormente oferecido, que opinava pelo desprovimento do recurso. Referiu a ocorrência de julgamento, nesta data, de mais um processo envolvendo o mesmo recorrente. Naquele processo, o parecer ministerial ofertado foi no sentido de que a medida repressiva de prestação de serviços à comunidade possa ser substituída por sanção pecuniária, em razão de tratar-se de pena inferior a seis meses. Como no caso em exame a pena aplicada também foi inferior a seis meses, entendeu o Procurador pela viabilidade, também aqui, de substituição pela prestação pecuniária.

Finalizou reiterando o entendimento pela possibilidade de determinação de execução provisória da pena aplicada por este Tribunal, prestigiando o sistema de precedentes e a estabilização das decisões judiciais. Com esses elementos, o parecer é pelo parcial provimento do recurso, com a determinação da execução provisória da pena aplicada.)

É o relatório.

 

VOTO

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 10 dias (art. 362 do Código Eleitoral), razão pela qual dele conheço.

2. Da nulidade da sentença por ausência de enfrentamento de tese defensiva

Em sede prefacial, o recorrente afirma que a decisão combatida não apreciou as teses de "impossibilidade de tipificação formal do delito" e de "inexpressividade da lesão jurídica do ato". Assim, postula a decretação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, nos termos do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal.

Sem razão no ponto.

O primeiro argumento em questão refere-se à "impossibilidade de tipificação formal do delito de difamação", posto que a denúncia não teria descrito em que consistiria o "fato ofensivo", indispensável à adequação típica.

Em realidade, a defesa alude, em um primeiro aspecto, à inépcia da denúncia, que não conteria a descrição completa do fato, bem como, em segundo, à atipicidade da conduta, uma vez que a narrativa não se amoldaria ao tipo penal eleitoral.

Ambas as questões são suficientemente analisadas na sentença.

Sobre a aptidão da peça inicial, assim se manifestou o magistrado a quo:

Em preliminar de defesa, o réu argui a inépcia da inicial (denúncia), por ausência de descrição dos fatos. Ocorre que, embora sucinta, a denúncia do Ministério Público está completa, uma vez que traz a data do fato, o conteúdo da publicação alegadamente ofensiva e o local (fl. 02), sobretudo porque acompanhada da representação eleitoral das fls. 05/16, na qual constam a aludida imagem extraída da página de Facebook do réu (fl. 06), de modo que rejeito a prefacial.

Por seu turno, o enfrentamento da tipicidade formal do fato narrado na denúncia consta no próprio exame do mérito da ação penal, no qual o julgador sentenciante analisou a autoria e a materialidade da imputação, entendendo pela exata conformação da conduta ao tipo do art. 325 do Código Eleitoral. Destaco o seguinte trecho:

Segundo a denúncia, o acusado incorreu no delito de difamação eleitoral, com causa de aumento de pena de um terço em razão do meio de divulgação, previstos nos artigos 325, caput, e 327, inciso III, ambos do Código Eleitoral, que assim o dispõe:

"Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.   Art. 327. As penas cominadas nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: (...) III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa."

A materialidade do delito restou provada pela imagem de tela (print) da fl. 06, na qual se lê claramente:

"ALBA ÉS O MAIOR SAFADO, ORDINÁRIO E CORRUPTO QUE CONHEÇO. ESTÁ DEMITIDO!."

Igualmente, a autoria está comprovada, porquanto o referido print foi retirado da página pessoal do réu (Cláudio Ávila), que inclusive confessou o fato em juízo, apenas negando a finalidade eleitoreira.

Com efeito, colhe-se do interrogatório do réu (fl. 247):

"Cláudio Roberto Ávila: Isso aí foi uma inauguração às pressas que ele fez da UPA da parada 74, onde aquele vídeo mostrava o sofrimento de várias pessoas, sem atendimento porque foi uma inauguração eleitoreira, ele abriu as portas da UPA sem médicos. E aí, diante dos fatos públicos que são conhecidos do Marco Alba, quando Deputado, indiciado pela Polícia Federal por estelionato, quando Secretário de Estado, está sendo julgado agora dia 18 pelo TRF 4 por corrupção, formação de quadrilha, pra mim foi só mais um que demonstra a conduta que ele exerce pelos cargos por onde passa. Assim como obras, asfálticas, que ficaram paradas e durante o processo eleitoral funcionavam até de madrugada. Então foram fatos que levam à indignação que tu acaba expressando nesses termos algo que (não foi eu que disse), foi o Ministério Público Federal, a Polícia Federal" Eu não era candidato, eu sou um cidadão que venho de uma origem simples, e hoje, graças ao esforço do meu trabalho, consegui adquirir uma condição pessoal privilegiado, e me sinto na obrigação de defender esse tipo de situação, eu acho que 'alguém tem que dar um grito'."

Não obstante, embora o réu negue a intenção com fins eleitorais de seu ato, justificando-o como uma atitude indignada de um cidadão gravataiense, entendo que também está presente a finalidade de `propaganda', elemento nuclear do tipo previsto no artigo 325, acima mencionado, uma vez que o réu é notório adversário político da vítima (Marco Alba), fato confesso, e que pertenciam a grupos partidários antagônicos.

Portanto, a sentença não carece de fundamentação quanto aos argumentos levantados em alegações finais pela defesa, razão pela qual rejeito a prefacial.

3. Da inépcia da denúncia

A segunda preliminar levantada pelo recorrente retoma aspecto da anterior, aludindo que a peça inicial "não descreve de forma devida as circunstâncias do fato ofensivo proferido por Cláudio".

Entretanto, a exordial acusatória descreve a conduta com todas as suas circunstâncias, permitindo o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.

Cabe rememorar que o acusado defende-se dos fatos narrados e não da capitulação penal indicada pelo Ministério Público. Assim, a apreciação quanto ao preenchimento de todos os elementos objetivos e subjetivos contidos no tipo legal do crime diz respeito à própria procedência ou improcedência da pretensão condenatória, devendo ser postergada para momento oportuno.

Portanto, pelas razões expostas, rejeito a presente preliminar.

4. Mérito

Tangente ao mérito, o recorrente foi condenado pela prática de difamação eleitoral, consoante ao tipificado no art. 325, c/c art. 327, inc. III, ambos do Código Eleitoral, à pena de três meses e dez dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de dez dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário-mínimo vigente à época do fato.

A peça acusatória, oferecida pelo Ministério Público Eleitoral de piso, imputa ao recorrente o seguinte fato (fls. 02-03):

No dia 04.03.2017, por volta das 01h35min, na cidade de Gravataí, por meio de uma postagem em sua página pessoal em rede social (Facebook), visando à propaganda eleitoral (negativa), porquanto presidente da bancada partidária oposta à do ofendido, o denunciado CLÁUDIO ROBERTO PEREIRA ÁVILA, presidente municipal do Partido Democrático Trabalhista, difamou, durante a campanha eleitoral, MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, candidato a prefeito do Município de Gravataí à época dos fatos, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Ao agir, o denunciado publicou em seu perfil social ofensas à honra do ofendido, dizendo "ALBA, ÉS O MAIOR SAFADO, ORDINÁRIO E CORRUPTO QUE CONHEÇO. ESTÁ DEMITIDO!", visando fins de propaganda eleitoral, haja vista que o ofendido era então candidato a Prefeito Municipal.

Ocorre que o crime de difamação eleitoral, da mesma forma que o crime de difamação comum previsto no art. 139 do Código Penal, exige, para a sua configuração, a presença da elementar "fato ofensivo", o que não se verifica da narrativa acusatória.

Consoante aos ensinamentos de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, "O fato não é uma qualidade negativa, defeito ou condição, mas ocorrência no mundo fenomênico, identificável por local, tempo, modo e duração," (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 83).

Com efeito, não se depreende da exordial a imputação contra a vítima de um fato ofensivo, compreendido como um acontecimento ou conduta minimamente individualizados no tempo e no espaço, capaz de agredir a honra objetiva de alguém, indispensável à conformação do crime de difamação eleitoral.

O próprio julgador monocrático menciona, como fundamento para o afastamento da exceção da verdade, que "a ofensa foi genérica (safado, ordinário, corrupto), e não relativa a um fato específico relacionado estritamente às suas funções como prefeito, candidato à reeleição" (fl. 512).

Sobre o tema, colaciono, ainda, a doutrina de José Jairo Gomes:

Também é preciso que o fato seja específico e objetivamente determinado quanto aos seus principais contornos. Mas não se requer sua descrição minuciosa, detalhada, exaustiva. É bastante que o relato suscite credibilidade, i. e., que seja crível. Imputações vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes não são hábeis a realizar o delito em exame. (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 139.)

Na mesma linha está a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. PREFEITO. DECISÃO AGRAVADA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO PREFEITO PARA AFASTAR SUA CONDENAÇÃO PELO CRIME DE CALÚNIA, MANTENDO-SE, CONTUDO, A CONDENAÇÃO POR INJÚRIA. AGRAVO INTERNO DO MPE QUE APONTA, NA DECISÃO AGRAVADA, VIOLAÇÃO À SÚMULA 24 DO TSE E EQUÍVOCO QUANTO AO AFASTAMENTO DO CRIME DE CALÚNIA E PUGNA, CASO NÃO RECONHECIDA A CALÚNIA, POR QUE SEJA RECONHECIDA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DIFAMAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DOS ARGUMENTOS DO AGRAVO INTERNO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (") 4. A falta de descrição clara de um fato preciso, determinado e concreto que, no plano objetivo, revele-se infame e desonrado, afasta também o aperfeiçoamento do crime de difamação, motivo pelo qual não merece acolhimento o pedido subsidiário suscitado pelo agravante. Precedentes do STF e do STJ. (...).

(Recurso Especial Eleitoral n. 54168, Acórdão, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 185, Data: 14.9.18, pp. 96-97.)

Entretanto, da leitura dos trechos descritos na exordial acusatória, dando conta de que o denunciado impingiu à vítima um conjunto de adjetivações genéricas, vislumbra-se eventual prática do crime de injúria eleitoral, inscrito no art. 326, caput, do Código Eleitoral.

Ao contrário do que ocorre nos delitos de calúnia e difamação, no de injúria não se imputa fato determinado, mas se formulam juízos de valor, manifestando-se qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio ao ofendido. Calha trazer a lição de Rodrigo López Zilio: "A injúria é o insulto, é a ofensa - que se resume pelo emprego de uma expressão indecorosa ou ultrajante que termine por causar vexame ou constrangimento". (Crimes eleitorais, 3. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017, p. 175.)

Essa é a exata hipótese da denúncia, cuja narrativa resume-se a imputar ao recorrente a divulgação dos epítetos de "safado", "ordinário", "corrupto" em referência ao ofendido.

Assim, impõe-se a desclassificação do crime de difamação, recapitulando-se corretamente a conduta descrita na exordial para o crime do art. 326, caput, do Código Eleitoral - injúria eleitoral.

Para tanto, necessária a utilização subsidiária do Código de Processo Penal, para a aplicação do instituto da emendatio libelli, nos moldes do art. 383 deste Estatuto Processual, conforme o qual, "O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave".

Ademais, o art. 617 do CPP prevê que o tribunal atenderá nas suas decisões ao disposto no arts. 383, adotando-se o instituto da emendatio libelli, ainda que em grau de recurso, não havendo de se cogitar em supressão de instância.

Além disso, não há a mínima modificação dos fatos descritos na exordial. Assim, estão preservados os direitos ao contraditório e à ampla defesa, regularmente exercidos durante a tramitação em primeiro grau, posto que o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia, e não da capitulação jurídica ofertada.

Desse modo, tendo em vista, inclusive, a previsão de pena mais benéfica ao crime de injúria eleitoral (detenção de quinze dias até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa) do que ao de difamação, cumpre acolher o pleito recursal de desclassificação da infração penal para injúria eleitoral.

A partir disso, essencial prosseguir a análise do acervo probatório e do preenchimento dos demais elementos do tipo previsto no art. 326 do Código Eleitoral.

Nesse passo, a autoria e materialidade da conduta estão comprovadas por meio do print de tela, extraído da página pessoal do réu na rede social Facebook (fl. 06), e do seu próprio interrogatório em juízo, no qual confessou espontaneamente a prática da ação (fl. 480):

Isso aí foi uma inauguração às pressas que ele fez da UPA da parada 74, onde aquele vídeo mostrava o sofrimento de várias pessoas, sem atendimento porque foi uma inauguração eleitoreira, ele abriu as portas da UPA sem médicos. E aí, diante dos fatos públicos que são conhecidos do Marco Alba, quando Deputado, indiciado pela Polícia Federal por estelionato, quando Secretário de Estado, está sendo julgado agora dia 18 pelo TRF 4 por corrupção, formação de quadrilha, pra mim foi só mais um que demonstra a conduta que ele exerce pelos cargos por onde passa. Assim como obras, asfálticas, que ficaram paradas e durante o processo eleitoral funcionavam até de madrugada. Então foram fatos que levam à indignação que tu acaba expressando nesses termos algo que (não foi eu que disse), foi o Ministério Público Federal, a Polícia Federal¿ Eu não era candidato, eu sou um cidadão que venho de uma origem simples, e hoje, graças ao esforço do meu trabalho, consegui adquirir uma condição pessoal privilegiado, e me sinto na obrigação de defender esse tipo de situação, eu acho que 'alguém tem que dar um grito'.

Percebe-se, portanto, que o réu, em sua defesa, justificou que o comentário constituiu simples manifestação de opinião pessoal, desvinculada de qualquer conotação eleitoral, tendo em perspectiva dois aspectos da carreira política de Marco Alba: em primeiro, o funcionamento de Unidade de Pronto Atendimento (UPA) inaugurada durante sua gestão na Prefeitura de Gravataí e, por sequência, os processos em tramitação do Tribunal Regional Federal da 4º Região, nos quais responde por acusações de fraude, corrupção passiva e formação de quadrilha no período em que era secretário estadual do Rio Grande do Sul.

Conforme inscrito na sentença (fl. 512), o magistrado, diligentemente, verificou que as aludidas ações criminais de fato existiam e que, em julgamento ocorrido no dia 18.10.2018, o TRF da 4ª Região absolveu Marco Alba de todas as acusações.

Da cópia da publicação, verifica-se, outrossim, que os dizeres foram acompanhados do compartilhamento de um vídeo, publicado inauguralmente por outro perfil da rede social, cujo conteúdo busca expor as más condições de determinada UPA de Gravataí.

Além disso, a postagem ocorreu no perfil pessoal do réu, e não em sítio de campanha ou na página de seu partido político.

Das circunstâncias postas nos autos, os crimes eleitorais contra a honra, em vista de seus elementos especializantes, exigem parâmetros exegéticos diferenciados, que não se confundem com aqueles aplicados na análise dos delitos de mesmas denominações positivados no Código Penal.

Dentre esses, sobressai o bem jurídico tutelado pela norma penal, o qual, nos crimes de calúnia, injúria ou difamação eleitorais, mais do que a proteção legal à honra objetiva ou subjetiva do ofendido, visa à regularidade e legitimidade do próprio debate eleitoral.

Somente a conduta potencialmente capaz de gerar uma insustentável lesão à normalidade da campanha eleitoral, em violação grave ao interesse público, faz jus à adequação típica material aos crimes previstos nos arts. 324 a 326 do Código Eleitoral.

É justamente esse contexto que justifica a natureza pública da ação penal nos crimes eleitorais (art. 355 do Código Eleitoral), a qual, na expressão da doutrina de Luiz Carlos Gonçalves, transformou o Ministério Público Eleitoral em "árbitro da honra alheia" (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 87.).

A propósito do tema, transcrevo trecho do voto do eminente Des. Eleitoral Rafael Da Cás Maffini, no julgamento do RC n. 90-86.2017.6.21.0044, sessão de 1º.7.2019, no qual o Tribunal, por maioria, entendeu pela atipicidade do fato supostamente injurioso, diante da inexistência de relevante lesão aos interesses do eleitorado:

De tudo isso decorre que o principal sujeito passivo desses crimes não é vítima, ofendido direto do crime, mas, sim, o eleitorado, que, dissuadido pelo fato injurioso divulgado contra a honra do candidato durante a propaganda (elemento normativo do tipo), fica exposto a possíveis influências em sua escolha, o que pode alterar o resultado do pleito. Portanto, a exegese que interpreto como correta nos casos de crimes contra a honra eleitorais diferencia-se daquela prevista no Código Penal e parte do seguinte questionamento: a ofensa direcionada ao candidato, durante a propaganda eleitoral, teve o condão de ferir o objeto jurídico tutelado pelo tipo, alcançando o eleitorado e nele projetando um estado mental suficiente a questionar suas próprias escolhas eleitorais?

Nesse quadro, a intervenção penal deve ocorrer com acurada cautela, pautando-se pelo princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade, de forma a penalizar apenas aquelas condutas que transcendem induvidosamente a liberdade de expressão, em agressão grave à honra pessoal do indivíduo, com relevante reflexo sobre o eleitorado.

Vale lembrar, ainda, o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal, que faz com que tal ramo do direito seja a ultima ratio do sistema normativo, devendo intervir apenas quando as demais soluções previstas no ordenamento jurídico (extrapenais, a exemplo da representação por propaganda irregular e do direito de resposta) não forem suficientes a solucionar o conflito.

Sobre o ponto, as Cortes Superiores têm reiteradamente ampliado o conteúdo do direito à liberdade de expressão e comunicação, considerando-a essencial à dialética própria do regime democrático e à construção de uma vontade livre e informada por parte do eleitorado.

Pertinente destacar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, sessão de 21.6.2018, que declarou a inconstitucionalidade das restrições impostas pela legislação eleitoral (Lei n. 9.504/97, art. 45, incs. II e III, segunda parte, e §§ 4º e 5º), assentando-se a ampla liberdade de crítica política, inclusive por meio de recursos humorísticos e da expressão de opiniões incisivas em desfavor de candidatos.

Diante do crivo público a que se submetem os mandatários de cargos eletivos, a liberdade de expressão não abarca somente as opiniões inofensivas ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtorno ou inquietar pessoas, pois a democracia se assenta no pluralismo de ideias e pensamentos (ADI no 4439/DF, rel. Min. Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018).

Fixadas tais premissas, infere-se que o comentário veiculado pelo réu se encontra dentro do contexto em que proferido, não ultrapassando os limites toleráveis para as manifestações individuais nas redes sociais, no contexto da corrida eleitoral.

Ora, ainda que a proteção aos direitos de personalidade seja garantida a todas as pessoas, há certa relativização em relação às pessoas públicas, sujeitas a maiores avaliações e críticas por toda a sociedade, como condição à fiscalização e à liberdade de pensamento democrático.

Justamente por essa razão, depreciar a reputação ou o comportamento das personalidades políticas, especialmente dentro do cenário eleitoral, admite margem de licitude mais flexível do que aquela dirigida às pessoas comuns na vida civil.

No mesmo passo, anota a doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 579.):

Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que os direitos à privacidade, ao segredo, e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela protetiva. Afirmações a apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática.

Especialmente pertinente é a lição de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (Ibidem, p. 89.):

A injúria eleitoral todavia, se situa no ambiente da disputa entre os candidatos, nos quais é enorme o lugar da crítica acerba, da indicação de vícios, defeitos, características ou insuficiências dos adversários, como argumento para pleitear o voto. Dessa forma, há que se mover com extremado cuidado para evitar que, a pretexto proteger a honra subjetiva de alguém, cercear o debate eleitoral imprescindível como instrumento de esclarecimento do eleitorado. Epítetos que facilmente seriam considerados injuriosos em ambiente diverso do eleitoral neste receberão aceitação. Não haverá injúria, por exemplo, se um candidato se referir a outro como sendo "despreparado" ou "incompetente", maneira indireta de chamar indireta de chamar, para si, as qualidades opostas (preparo e competência). Mesmo termos em tese muito ofensivos, como "ladrão", "corrupto", podem encontrar, nesse espaço de debate franco e direto, campo de justificação. O exame do caráter injurioso de alguma imputação deve, portanto, ser feito "cum granus salis".

A jurisprudência tem assumido o mesmo posicionamento, conforme ilustram os seguintes julgados:

RECURSO CRIMINAL. INJÚRIA VISANDO A FINS DE PROPAGANDA. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRELIMINAR AFASTADA. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CARACTERIZADA. POSTAGEM EM REDE SOCIAL. MANIFESTAÇÃO PESSOAL. CRÍTICA A DEPUTADO. AUSENTE A INTENÇÃO DE OFENDER. FATO ATÍPICO. REFORMA DA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO.

Preliminar. O crime de injúria na propaganda eleitoral não admite ação penal pública condicionada à manifestação do ofendido ou de seu representante legal, em razão do interesse público que envolve a matéria, segundo entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Prevalência no Direito Penal Eleitoral da regra de que as ações penais eleitorais são públicas incondicionadas. Afastada a alegada inépcia da inicial por motivo da não recepção pela Constituição Federal do art. 355 do Código Eleitoral.

Mérito. Postagem em rede social, pela denunciada, de texto com conteúdo injurioso à vítima, visando a fins de propaganda eleitoral. Incontroversa a divulgação da mensagem, em período de campanha. Caracterizada, entretanto, manifestação de opinião pessoal, desvinculada de qualquer conotação política, exprimindo seu ponto de vista a respeito do discurso realizado por deputado. Comentário veiculado dentro do contexto em que proferido, não havendo nos autos a comprovação de que o tenha realizado de forma a ofender a honra subjetiva do parlamentar. Ausente o animus difamandi vel injuriandi, ou seja, a intenção deliberada de ofender. Fato criminalmente atípico. Não configurado, assim, o crime do art. 326 do Código Eleitoral. Reforma da sentença para absolver a recorrente.

Provimento.

(TRE-RS, Recurso Criminal n. 613, ACÓRDÃO de 19.12.17, Relator DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 12, Data: 26.01.18, p. 14.)

AÇÃO PENAL. ELEIÇÕES DE 2014. ARTIGOS 324 E 326, AMBOS C.C. O ARTIGO 327, INCISO III, TODOS DO CÓDIGO ELEITORAL. ACUSAÇÃO DE CALÚNIA E INJÚRIA ELEITORAIS. DISCURSO SUPOSTAMENTE OFENSIVO DURANTE ENTREVISTA CONCEDIDA EM PÁGINA ELETRÔNICA DE NOTÍCIAS. CALÚNIA: NÃO RESTOU DEMONSTRADO, COM A CERTEZA NECESSÁRIA, QUE O RÉU TERIA AFIRMADO QUE O NOTICIANTE INDUZIU OUTREM A COMUNICAR FALSAMENTE UM CRIME. INJÚRIA: NO CAMPO DA POLÍTICA, AQUELE QUE SUBMETE OU PRETENDE SUBMETER SEU NOME AO ESCRUTÍNIO ABERTO, COM O OBJETIVO DE RECEBER OU MANTER MANDATO PÚBLICO, NÃO PODE ANGUSTIAR-SE COM TERMOS OU ELEMENTOS DE ORAÇÃO PRÓPRIOS DO ACERBO DEBATE ELEITORAL. CRÍTICAS E INSINUAÇÕES, AINDA QUE RÍSPIDAS E DESAIROSAS, QUE NA VIDA PRIVADA PODERIAM SER CONSIDERADOS INJURIOSOS, PERDEM ESTA NUANCE QUANDO EMPREGADAS NO AMBIENTE ELEITORAL. RESPONSABILIDADE PENAL. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO IMPROCEDENTE. ABSOLVIÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 386, INCISOS VII E III, RESPECTIVAMENTE, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

(TRE-SP, AÇÃO PENAL n. 99207, ACÓRDÃO de 07.11.17, Relatora CLAUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data: 16.11.2017.)

- CRIME ELEITORAL - DENÚNCIA - CRIME CONTRA A HONRA - INJÚRIA (CÓDIGO ELEITORAL, ART. 326) - DENUNCIADA OCUPANTE DO CARGO DE PREFEITO MUNICIPAL - FORO PRIVILEGIADO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL - PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE E DE INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA REJEITADAS - SUPOSTA MANIFESTAÇÃO OFENSIVA À IMAGEM DE ADVERSÁRIO POLÍTICO VEICULADA NO HORÁRIO GRATUITO DA PROPAGANDA ELEITORAL - MERA CRÍTICA AO MODO DE CONDUÇÃO ADMINISTRATIVA DO CANDIDATO À REELEIÇÃO - CONDUTA LEGITIMADA PELA CANDÊNCIA DO EMBATE ELEITORAL - FATOS SEM GRAVIDADE SUFICIENTE PARA DEMANDAR A INTERVENÇÃO DO DIREITO PENAL - IMPROCEDÊNCIA.

A candência do debate eleitoral legitima as críticas ácidas que são dirigidas às ações públicas ou políticas dos candidatos detentores de mandato eletivo, especialmente quando postulam à reeleição, as quais devem ser toleradas ou mesmo contrapostas no espaço próprio do horário eleitoral gratuito, pelo que não justificam a instauração da persecução penal pela prática do crime de injúria (CE, art. 326).

(TRE-SC, PROCESSO CRIME ELEITORAL ORIGINÁRIO n. 29992, ACÓRDÃO n. 30211 de 15.10.14, Relator SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ, Revisor IVORÍ LUIS DA SILVA SCHEFFER, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 186, Data: 20.10.14, pp. 6-7.)

AÇÃO PENAL ELEITORAL. INJÚRIA PRATICADA POR CIDADÃO/JORNALISTA. PUBLICAÇÃO DE TEXTO EM BLOG NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). AUSÊNCIA DE PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. ACUSAÇÃO AO PREFEITO DE FAZER "LAMBANÇA" À FRENTE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. AUSÊNCIA DE OFENSA À DIGNIDADE DO PREFEITO OU AO DECORO. CRÍTICA DESELEGANTE QUE NÃO CONFIGURA CRIME DE INJÚRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 326 DO CÓDIGO ELEITORAL.

(TRE-RJ, RECURSO CRIMINAL n. 414, ACÓRDÃO de 12.02.14, Relator ALEXANDRE DE CARVALHO MESQUITA, Relator designado FLAVIO DE ARAUJO WILLEMAN, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 036, Data: 19.02.14, pp. 58-64.)

Isso posto, entendo que as expressões "safado", "ordinário" e "corrupto", tendo em vista que proferidas em perfil pessoal da rede social Facebook, como críticas particulares acerca de postagem de terceiro, cujo objeto é a responsabilidade do candidato, enquanto homem público, acerca de determinados fatos sob debate, no curso da disputa eleitoral - muito embora limítrofes -, não são aptas a agredir de forma intolerável a honra do político concorrente à reeleição.

Portanto, pelas razões expostas, entendo que o fato narrado na denúncia não configura infração penal contra honra na seara eleitoral, razão pela qual a sentença deve ser reformada, absolvendo-se o recorrente, com fulcro no art. 386, inc. III, do CPP.

ANTE O EXPOSTO, rejeitada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento do recurso, para desclassificar a capitulação para injúria eleitoral e absolver o recorrente em virtude da atipicidade de sua conduta.