RE - 1978 - Sessão: 02/05/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de Santo Antônio da Patrulha contra a sentença do Juízo da 46ª Zona Eleitoral (fls. 210-218), que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada e de receitas oriundas de fonte vedada, determinando, por consequência, o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 17.329,35, acrescida de multa de 10% sobre tal montante, bem como a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 meses.

Em seu recurso (fls. 224-228), o partido alega que os valores considerados de origem não identificada são oriundos de doações mensais realizadas por uma “relação de contribuintes”, cujos aportes eram arrecadados e encaminhados ao banco para processamento e depósito. Afirma que, por opção do estabelecimento bancário, o montante mensal era depositado de maneira unificada, sem identificação do específico doador. Assevera que os relatórios mensais que serviram de base para os recolhimentos são suficientes para a identificação das fontes originárias. No tocante aos recursos advindos de fontes vedadas, argumenta que as quantias foram restituídas aos seus doadores, sendo essa providência, ainda que extemporânea, suficiente ao saneamento da falha. Finalmente, entende excessivas as penalidades aplicadas na origem. Requer o recebimento do recurso em seu efeito suspensivo e, no mérito, o seu provimento.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e pelo desprovimento do recurso (fls. 235-245).

É o relatório.

VOTO

O recorrente teve suas contas partidárias relativas ao exercício de 2016 julgadas desaprovadas em razão do reconhecimento de duas irregularidades: a) recursos depositados pelo próprio partido sem a identificação do doador originário nos extratos bancários; e b) doações realizadas por ocupantes dos cargos de Secretária de Governo e de Diretor de Departamento, enquadrados como fontes vedadas de recursos.

Passo à análise dos apontamentos e das razões recursais.

No tocante aos recursos de origem não identificada, os arts. 7º, caput, e 8º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 estipulam que as transações bancárias em favor do prestador de contas devem ser feitas, obrigatoriamente, mediante cheque cruzado ou depósito bancário direto, sempre com identificação do CPF do doador. Transcrevo o teor dos dispositivos em comento:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

O examinador técnico identificou um conjunto de depósitos na conta bancária vinculada ao banco Bradesco (conta n. 96504), relacionados à fl. 169 dos autos, atribuídos ao próprio partido, sem identificação do doador originário dos recursos, perfazendo o total de R$ 16.948,22.

Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência das declarações contábeis.

Nessa linha, colaciono o seguinte julgado de minha relatoria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHAS DE REDUZIDA REPRESENTATIVIDADE FRENTE À MOVIMENTAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido de que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

2. Não é permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta quando detenham a condição de autoridades. Recursos procedentes de ocupantes de cargos de chefia e direção, todos considerados fontes vedadas, enquadrados na proibição do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

3. As receitas obtidas por meio de depósito com a indicação do CNPJ do próprio partido devem ser consideradas como de origem não identificada, uma vez descumprido o preceito do art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. As falhas apuradas totalizam 3,41% do total de recursos arrecadados pela agremiação. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento do valor recebido de forma irregular ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – PC 24-44.2017.6.21.0000, relator Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, julgado em 23.10.2018, unânime.) (Grifei.)

Em sua argumentação recursal, o partido alega que as quantias em evidência eram arrecadadas mensalmente de uma “relação de contribuintes”. Após, o montante era encaminhado pelo próprio partido à instituição bancária para processamento e depósito, o qual ocorria, por equívoco do banco, por meio de um único lançamento, aglutinando todos os valores auferidos em cada período. Isso posto, entende suficientes os relatórios de contribuintes elaborados mensalmente pelo próprio diretório para a comprovação dos valores e origem de cada uma das doações.

Entretanto, na mesma linha da decisão combatida, entendo que a prova é frágil e não confere segurança para se considerar como doadores originários as pessoas físicas indicadas em listagem produzida unilateralmente pelo partido.

Conforme exposto, a sistemática normativa exige que a identificação do contribuinte deve ocorrer na própria operação bancária. Ainda que admitindo outros meios de prova, a jurisprudência exige que a comprovação da origem dos recursos seja efetuado por intermédio de registros bancários, tal como comprovante de depósito ou extrato da conta dos doadores, por exemplo, não bastando a mera declaração consignada em documento de uso interno pelo partido.

A ilustrar referido posicionamento, elenco os seguintes julgados:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DEPÓSITOS SEM A INDICAÇÃO DOS CONTRIBUINTES. FALTA DE CPF NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. MANUTENÇÃO DA REPROVAÇÃO DAS CONTAS. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CORREÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Preliminar afastada. Cabe ao magistrado a avaliação da necessidade ou não da produção probatória, não configurando cerceamento de defesa o indeferimento de prova entendida como prescindível para o deslinde da demanda. 2. Sentença de desaprovação das contas. Aporte de quantia considerada como proveniente de fonte vedada e de origem não identificada. Reforma da decisão nesse ponto. Superado o exame no aspecto da vedação imposta aos doadores exercentes de cargos demissíveis ad nutum. Afastada a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário. 3. Evidenciados depósitos na conta do partido sem identificação dos contribuintes. Ausente o registro dos respectivos números de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF), nos extratos bancários, dos doadores. Rejeitada a tese que atribui responsabilidade ao sistema bancário, haja vista a obrigação de conhecimento e observância das normas vigentes pela grei partidária. Insuficiente a relação de doadores apresentada pela agremiação, por tratar-se de documento produzido internamente pelo recorrente. Exigência legal da identificação do contribuinte por operação bancária. Caracterizado, assim, o emprego de valores de origem não identificada. 4. Mantida a desaprovação das contas. Correção do numerário apontado como irregular, valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. 5. Parcial provimento.

(TRE-RS - RE: 2158 NOVO HAMBURGO - RS, Relatora: MARILENE BONZANINI, Data de Julgamento: 05.11.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 202, Data 07.11.2018, p. 3.) (Grifei.)

Por sua vez, a segunda irregularidade refere-se ao recebimento de doações provenientes de Glória Mariana Martins Terra, no valor de R$ 242,83, e de Sandro Souza dos Santos, de R$ 146,00, ambas realizadas em fevereiro de 2016. Na ocasião, referidos contribuintes eram detentores de cargos demissíveis ad nutum na Prefeitura de Santo Antônio da Patrulha, quais sejam, Secretária de Governo e Diretor Técnico, respectivamente, enquadrados como fontes vedadas de recursos.

É incontroverso que os cargos comissionados ocupados pelos doadores ao tempo das liberalidades inserem-se no conceito de autoridade pública previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9096/95, com a redação vigente ao tempo dos fatos, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

IV – autoridades públicas.

(…)

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(Grifei.)

O prestador de contas alega que a falha foi corrigida mediante restituição espontânea das quantias irregularmente recebidas aos seus doadores originários, acostando, inclusive, cópias de recibos e extratos bancários, de modo a demonstrar as transações efetuadas (fls. 201-206).

De fato, o art. 11, § 5°, c/c art. 14, da Resolução TSE n. 23.464/15 estabelece que o partido pode promover o estorno do valor recebido de fonte vedada para o doador identificado, até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito.

Na hipótese, porém, as providências foram tomadas muito tempo depois de transcorrido o marco normativo: em julho de 2016, em relação a Sandro (cinco meses após a doação), e em fevereiro de 2017, no tocante a Glória (um ano após a doação).

Ultrapassado o prazo, incide a regra insculpida no § 1º do art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15, consoante a qual os recursos provenientes de fontes vedadas e não restituídos aos doadores até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Transcrevo o conteúdo da norma:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

A intempestiva e incorreta destinação da verba irregular para contas particulares impede que se considere superada a falha, persistindo o dever de recolhimento do equivalente aos cofres públicos.

Destaco que o caso sob análise não tem semelhanças com o recentemente decidido por este Tribunal no julgamento do RE n. 45-82.2017.6.21.0044, de relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 20.11.2018, no qual se entendeu pela superação da falha diante da comprovação da devolução dos valores aos doadores originários.

No mencionado precedente, considerou-se o fato de que a magistrada a quo, durante a instrução do feito, concedeu prazo para que a agremiação sanasse a falha e recolhesse os valores indevidamente recebidos. Assim, em nome dos princípios da boa-fé e da cooperação processual, previstos nos arts. 5° e 6° do CPC, foi considerada legítima a conduta da parte que cumpriu a diligência oportunizada pela Justiça Eleitoral.

As circunstâncias concretas da presente espécie são diversas e não justificam a mitigação das disposições normativas quanto aos prazos de restituição ou destinação da verba ilicitamente auferida.

Finalmente, as receitas irregularmente recebidas alcançam a quantia de R$ 17.329,35, correspondente à soma dos recursos de origem não identificada (R$ 16.940,52) com as receitas de fonte vedada (R$ 388,83). A cifra total representa 42,2% do total de recursos arrecadados (R$ 41.023,08), mostrando-se inviável a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade diante do significativo percentual e valor absoluto das irregularidades.

Em relação às sanções aplicadas, entendo que deve ser adotado um critério equitativo, dosando as penalidades, dentro de seus marcos mínimo e máximo, em percentuais equivalentes aos das irregularidades frente ao total de receitas auferidas, o que se mostra adequado, proporcional e suficiente para punir as infrações cometidas.

Destarte, no tocante à sanção contida no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no caso de recebimento de recursos de fonte vedada, os quais alcançaram apenas 0,95% da receita total, pondero que cabível a redução equitativa do patamar fixado para um mês.

Em desfecho, igualmente ponderando a proporcionalidade e considerando a equivalência das quantias irregulares diante da receita final da agremiação no exercício de 2016, entendo que a multa aplicada nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95 deve sofrer redução para o índice de 8% da quantia irregular, resultando no valor de R$ 1.386,34.

De outro lado, nada há que se reparar na sentença quanto à determinação de recolhimento dos valores de origem não identificada e de fonte vedada ao Tesouro Nacional, uma vez que consequência específica da percepção de tais espécies de receitas, como se extrai do art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para um mês, bem como o percentual de multa para o patamar de 8% do montante identificado como irregular, ou seja, R$ 1.386,34.