RE - 2689 - Sessão: 04/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Caxias do Sul contra a sentença do Juízo da 169ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 99.638,20, acrescida de multa de 10%, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 4 meses (fls. 322-334).

Em seu recurso (fls. 331A-342), o partido pugna pela aplicação ao caso da alteração da Lei n. 13.488/17, que passou a admitir a doação de ocupantes de cargos em comissão quando filiados à agremiação beneficiária. Argumenta que não pode ser obrigada a devolver valores doados mediante a livre manifestação política do cidadão e suscita a inconstitucionalidade do termo “autoridade” constante no art. 12, inc. IV, e § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15. Sustenta incoerência na legislação ao vedar a doação de “autoridades” para exercícios financeiros, mas admiti-las para a campanha eleitoral. Aduz que cargos nominados como direção e coordenação são de mero assessoramento, e deveriam ser excluídos da lista de autoridade pública. Requer a reforma da decisão, para a aprovação das contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e pelo desprovimento do recurso (fls. 348-356).

É o relatório.

VOTO

O recorrente teve suas contas partidárias relativas do exercício de 2016 julgadas desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas,  no montante de R$ 99.638,20, consistentes em doações realizadas por detentores de cargos demissíveis ad nutum de chefia e direção.

No tocante à legislação aplicável à hipótese dos autos, diversamente do pretendido pelo recorrente, as disposições trazidas pela Lei n. 13.488/17 não incidem sobre o caso. Tratando-se de contas relativas ao ano de 2016, o exame da contabilidade observa as prescrições normativas contidas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigentes ao tempo dos fatos, consoante expressamente estabelece o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015; e

(Grifei.)

Assim, para o exame das contas, deve-se considerar o texto do art. 31, e seus incisos, da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2016, sem a posterior alteração legislativa acima referida.

Nesse tocante, observo que este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta, mediante juízo de ponderação de valores, sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, destaco o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

O TSE adota o mesmo entendimento sobre o tema, no sentido de que, “considerando tratar-se de direito material de natureza não penal e observando-se o princípio da irretroatividade, o dispositivo legal deve ser aplicado aos fatos ocorridos durante a sua vigência, segundo o princípio tempus regit actum, à luz do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 5079, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE:19.12.2018).

Dessarte, não se aplica ao feito, de forma retroativa, a alteração promovida pela Lei n. 13.488/17, que excluiu do rol de fontes vedadas a doação de filiado, ainda que exercente de função ou cargo público demissível ad nutum.

Fixadas tais premissas, é incontroverso que os cargos comissionados ocupados pelos doadores arrolados nas folhas 276 a 279 inserem-se no conceito de autoridade pública prevista no art. 31, inc. II, da Lei n. 9096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

IV – autoridades públicas.

(…)

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(Grifei.)

A própria denominação dos cargos ocupados indica de forma segura que seus titulares possuem atribuição de chefia ou direção. Entre os doadores, encontram-se ocupantes das funções de secretário municipal, gerente de projetos, coordenador, diretor de departamento, diretor administrativo, diretor-geral, subprefeito e diretor executivo. A posição de chefia e direção conferida por cargos com tal denominação decorre da aplicação das “regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”, as quais devem ser aplicadas pelo juiz nas suas decisões, como estabelece o art. 375 do CPC.

A parte chega a alegar nas suas razões de recurso que os cargos de direção e coordenação indicados no parecer técnico abrigam apenas atribuições de assessoramento. Além de contradizer as regras da experiência comum, a parte não apresenta qualquer elemento apto a comprovar suas alegações, de forma que não é apta a afastar as conclusões do parecer técnico e da sentença.

Também não há que se falar em inconstitucionalidade do termo autoridade, constante no art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, acima transcritos, pois, ao contrário da alegação do recorrente, não contraria o art. 5º, caput e inc. II, art. 17, § 1º, art. 19, inc. III e art. 37, caput, todos da Constituição Federal.

Em matéria de interpretação das normas constitucionais vigora o princípio da unidade da Constituição, que “é uma especificação da interpretação sistemática, impondo ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas jurídicas” (Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 5ªed., 2015, p. 338).

Assim, a garantia geral de liberdade e a autonomia partidária são conformados pela legislação infraconstitucional, justamente para garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana, estando em perfeita harmonia com o texto constitucional.

Diga-se, ainda, que as normas legais ostentam presunção de constitucionalidade até a manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, e a ADI 5494, na qual se arguiu a inconstitucionalidade do termo "autoridade", foi extinta sem resolução do mérito, por perda de objeto, em decisão monocrática publicada em 14.6.2018, em razão da alteração legislativa posterior, que excluiu o termo que motivou o ajuizamento da referida ação.

Por fim, a alegada incompatibilidade legislativa, a qual permite que ocupantes de cargos em comissão realizem doações para a campanha eleitoral, não altera a conclusão do julgamento, pois não se trata de antinomia entre as normas, que cuidam de fatos distintos: uma de exercício financeiro, outra de campanha eleitoral.

Finalmente, as receitas irregularmente recebidas somam o montante de R$ 99.638,20 e representam 36,47% do total arrecadado pela agremiação.

Em relação às sanções a serem aplicadas, este Tribunal fixou os critérios a serem observados pelo Judiciário em acórdão que restou assim ementado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. APLICAÇÃO DE MULTA DE 10% SOBRE O VALOR RECEBIDO INDEVIDAMENTE. ART. 37, CAPUT, DA LEI N. 9.096/95. ALEGADA DUPLA PENALIDADE. INEXISTENTE. EXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA SANÇÃO. FIXAÇÃO DAS SANÇÕES MEDIANTE DA ANÁLISE DE PARÂMETROS OBJETIVOS E DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DESPROVIMENTO.

1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. Alegada dupla penalidade, decorrente da determinação de recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional e da multa aplicada. A devolução dos valores oriundos de fonte vedada é apenas consequência da própria irregularidade. As únicas penalidades impostas foram a suspensão do repasse do Fundo Partidário por seis meses e a aplicação da multa proporcional de 10% sobre o valor irregularmente recebido.

2. Necessidade do estabelecimento de parâmetros mínimos para a dosimetria da sanção em prestação de contas, como decorrência da segurança jurídica e isonomia de tratamento. Fixação da penalidade em duas etapas. Em um primeiro momento, a multa é estabelecida entre 0 e 20%, objetivamente, de acordo com o percentual do montante irregular frente ao total de recursos movimentados. Em um segundo momento, a penalidade pode ser majorada ou minorada, sempre mediante fundamentação, a depender das peculiaridades do caso, tais como, natureza da irregularidade, gravidade da falha, grau de prejuízo à transparência, reincidência nas mesmas irregularidades ou evidente boa-fé e empenho do prestador em esclarecer seus gastos. Parâmetros também a serem empregados na fixação da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário entre 01 e 12 meses.

3. Sentença exarada com observância aos parâmetros delineados, proporcional ao volume de irregularidades e às circunstâncias do caso.

4. Provimento negado.

(TRE/RS, RE 25-06, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 11.02.2019.)

Na hipótese, o juízo de primeiro grau fixou o tempo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em 4 meses, o qual se mostra proporcional ao percentual da irregularidade.

Todavia, o percentual da multa aplicada se mostra incompatível com a irregularidade, pois fixada em 10%, equivalente à metade da sanção passível de aplicação (0 a 20% sobre o valor irregular), sem que a magistrada justificasse o motivo dessa majoração.

Assim, de acordo com o precedente citado, a multa deve ser fixada em 7% sobre o valor irregular, pois é equivalente ao percentual da irregularidade frente ao total movimentado (36,47%) e não se vislumbram razões no caso concreto para aumentar ou reduzir tal percentual.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a pena de multa para 7% sobre o valor irregular.