RE - 3409 - Sessão: 03/06/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Santo Antônio do Planalto contra a sentença do Juízo da 15ª Zona Eleitoral (fls. 101-104), que, em razão do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas pela legislação eleitoral, desaprovou as contas da grei partidária referentes à movimentação financeira do exercício de 2017 e, em consequência, determinou o recolhimento de R$ 982,68, ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

Em suas razões (fls. 106-110), o recorrente afirma que a origem de todos os valores está devidamente esclarecida. Sustenta que deve ser aplicada ao caso em análise a nova Resolução TSE n. 23.546/17, pela qual se admite contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados ao partido. Invoca o princípio da retroatividade mais benéfica para que a Lei n. 13.488/17, no ponto em que alterou a redação do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, incida sobre os fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Alega a insignificância dos valores manejados pelo partido no exercício em tela. Requer a aprovação das contas ou, subsidiariamente, o afastamento da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Em parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 115-120v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Ainda preliminarmente, embora as razões recursais contenham alusão à suposta existência de recursos de origem não identificada, depreende-se claramente da sentença combatida o reconhecimento exclusivo da irregularidade concernente à receita proveniente de fontes vedadas.

Como bem apreendido pela douta Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer escrito, houve um mero equívoco material na parte dispositiva da sentença, com o registro da expressão “recursos de fonte vedada e de origem não identificada”, embora somente a primeira espécie de irregularidade tenha fundamentado a desaprovação das contas.

Desse modo, incabível o conhecimento da questão relativa à suposta receita de origem não identificada em razão da ausência de interesse recursal.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em decorrência do recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas, no valor total de R$ 982,68, conforme discriminado nas folhas 77 e 78 dos autos, uma vez que doados por Ângela Roese, quando detentora do cargo comissionado de Coordenadora do CRAS e, posteriormente, Coordenadora da Unidade de Controle Interno, e por Roseli de Oliveira Arendt, enquanto ocupante do cargo de Secretária Municipal de Educação e Cultura.

Cabe destacar que o magistrado sentenciante, diante da prova de regular filiação das doadoras enumeradas durante o período financeiro em apuração (fls. 97-98), considerou lícitas as contribuições realizadas a partir de 06.10.2017, aplicando o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, em sua nova redação, que ressalva a licitude de auxílios pecuniários advindos de detentores de cargos de livre nomeação e exoneração quando filiados ao partido político.

Nesse passo, são passíveis de análise apenas as contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, em relação às quais deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as doações ainda que provenientes de filiados a partidos políticos.

Por outro lado, em suas razões, o recorrente sustenta a aplicação da nova Resolução TSE n. 23.546/17, por força do que estabelece o art. 65, § 1º, do mesmo diploma.

Sem razão. O preceito mencionado é expresso em restringir a aplicação das disposições processuais previstas na nova resolução aos exercícios de 2009 e seguintes que ainda não tenham sido julgados.

Tratando-se de contas relativas ao exercício de 2017, quanto ao mérito, as irregularidades e impropriedades verificadas devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigente ao tempo dos fatos, conforme estipula o inc. III do § 3º do art. 65 da mesma Resolução TSE n. 23.546/17.

Em sequência, o órgão partidário invoca a aplicação retroativa do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, para que, com fundamento no princípio da retroatividade da lei mais benéfica, incida também sobre as doações realizadas anteriormente a 06.10.2017.

Quanto ao tema, observo que este Tribunal se posicionou pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, colaciono o seguinte julgado:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

 

Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem ser aquelas vigentes no momento em que foram arrecadados os recursos.

Fixado o regime jurídico incidente à espécie, é incontroverso que as doadoras aludidas se inserem no conceito de “autoridade pública” previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedava de forma irrestrita os auxílios pecuniários aos diretórios ofertados por pessoas físicas, filiadas ou não a partidos políticos, que exercessem cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, não representa propriamente uma sanção, mas um consectário normativo cujo escopo é garantir a efetividade da proibição de recursos de fontes vedadas, os quais, se recebidos, não devem permanecer no patrimônio da agremiação, razão pela qual não comporta reforma.

Outrossim, em razão de o montante arrecadado de fontes vedadas ser expressivo, representando o percentual de 34,6% do total de recursos arrecadados no exercício (R$ 2.833,56; fl. 15), deve ser mantida a desaprovação das contas, não sendo viável a aplicação dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade.

Em relação ao período de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário, entendo que a sanção comporta redução.

Com efeito, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, empregando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. CONTAS DESAPROVADAS. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. OCUPANTES DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL.

1. É vedado aos partidos políticos receberem contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentem a condição de autoridades.

2. Redução do período de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

3. Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 32-85, Relator Des. Eleitoral Luciano André Losekann, sessão de 22.5.2018.) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, destaco o seguinte precedente do TSE:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 - consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data: 19.9.2013, p. 71.) (Grifei.)

 

Assim, pondero cabível a redução equitativa do prazo aplicado para 4 meses, dosando-se a penalidade, dentro de seus marcos mínimo e máximo, em percentual equivalente ao da irregularidade verificada.

Em desfecho, a sentença recorrida considerou desnecessária a fixação da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, ao fundamento de que a “agremiação em análise não recebe recursos do Fundo Partidário”. Desse modo, inviável o enfrentamento do ponto em recurso exclusivo do partido, sob pena de repudiada reformatio in pejus.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, apenas para reduzir o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para 4 meses.