RE - 881 - Sessão: 10/06/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 205-209v.) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença (fls. 195-199v.), que aprovou com ressalvas as contas do partido PROGRESSISTAS DE ITAQUI.

Em suas razões, o Parquet da origem sustenta, em síntese, a ilegalidade das doações realizadas pelos filiados à agremiação partidária ao longo de todo o exercício do ano de 2017, ante a irretroatividade da Lei n. 13.488/17 e as disposições da Resolução TSE n. 23.464/15. Alega serem irregulares as doações recebidas na data de 11.12.2017, na importância de R$ 1.385,55 (mil trezentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e cinco centavos).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 221-228v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

O apelo limita-se à discussão acerca da retroatividade da Lei n. 13.488/17, de modo que as doações feitas por detentores de cargo de confiança, na data de 11.12.2017, devem, conforme o Ministério Público Eleitoral, recorrente, ser consideradas irregulares, ensejando, pois, a desaprovação das contas do partido e o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, conforme o disposto no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

De acordo com o exame das contas, foram recebidos, em 11.12.2017, valores de autoridades em exercício de cargo/emprego público, na importância de R$ 1.385,55 (mil trezentos e oitenta e cinco reais e cinquenta e cinco centavos).

A sentença entendeu regulares os recebimentos, pois ocorridos após a entrada em vigor da Lei n. 13.488, qual seja, 06.10.2017.

De fato, o originário art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 coibia os partidos de recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Tal entendimento foi solidificado na Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2017:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(…)

Ainda, quanto à aplicação retroativa das disposições previstas pela Lei n. 13.488/17, é pacífico o entendimento de que as prestações de contas são regidas pela lei vigente à época dos fatos – tempus regit actum, em prol, resumidamente, dos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÕES. INVIÁVEL O PARCELAMENTO MEDIANTE DESCONTOS DOS REPASSES DO FUNDO PARTIDÁRIO. POSSIBILIDADE COM RECURSOS PRÓPRIOS. ART. 44 DA LEI 9.096/95. RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012.

1. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 ao art. 37 da Lei 9.096/95 não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores. A nova redação dada retirou a suspensão de quotas do Fundo Partidário e estabeleceu exclusivamente a imposição de multa de até 20% sobre o valor a ser recolhido. Tratando-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2012, devem ser observadas as normas de direito material previstas na Resolução TSE n. 21.841/04.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17, in casu, por ser processo de exercício anterior a sua vigência. Obediência aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

3. Agremiação condenada a recolher valores ao Fundo Partidário e ao Tesouro Nacional. Possibilidade de parcelamento. Vedado o uso de recursos do Fundo Partidário na medida em que o art. 44 da lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas de sua aplicação.

4. Negado provimento. (TRE-RS, PC nº 6380, Acórdão de 31.01.2018, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS.) (Grifou-se.)

Contudo, observe-se a peculiaridade do presente caso: as doações ocorreram em 11.12.2017, quando já em vigor a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, iniciada no dia 06.10.2017, a qual revogou a proibição absoluta de doações advindas de autoridades públicas, ao incluir o inc. V no art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017.) (Grifei.)

Dessarte, em relação às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, observa-se a redação original do art. 31 da Lei n. 9.096/97, bem como os comandos do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, os quais vedavam as contribuições, ainda que oriundas de filiados.

Sob aspecto diverso, contudo, se realizadas a partir de 06.10.2017, aplica-se o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, autorizadora de suportes pecuniários, quando advindos de filiados a partidos políticos.

Isso porque, ainda que reconhecida a força normativa da Resolução TSE n. 23.464/15, a Lei n. 13.488/17 veicula previsão legal sob os vieses formal e material, em patamar hierarquicamente superior às resoluções, e traz conteúdo derrogatório de uma restrição de direitos.

Assim, a nova disposição há de ser aplicada direta e integralmente às hipóteses ocorridas a partir da sua vigência, repelindo as cláusulas normativas em sentido contrário, ainda que no curso do exercício financeiro.

Assiste total razão, portanto, à d. Magistrada da origem, ao afirmar: entendo pela plena aplicação da Lei 13.488/2017 aos fatos ocorridos a partir de 06/10/2017 – início de sua vigência-, com fundamento nos princípios da segurança jurídica e do tempus regit actum, considerando, dessarte, regulares as doações recebidas em 11/12/2017 pelo partido em exame [...] (fl. 197v., grifos no original).

Nessa linha de raciocínio, aliás, já há precedente deste Tribunal, cuja relatoria coube ao d. Des. João Batista Pinto Silveira:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS PROCEDENTES DE FONTES VEDADAS. DETENTORES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS EXERCENTES DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RETIFICAÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DAS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas. É proibido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades. No caso dos autos, identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17. 2.1. Posicionamento, deste Tribunal, pela aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua redação original, devido à irretroatividade de novas disposições legais, ainda que mais benéficas ao prestador de contas, em homenagem aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. 2.2. Duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública, em decorrência da sucessão legislativa. Devido ao fato de a Lei n. 13.488/17 ter entrado em vigor no dia 06.10.2017, cumpre aplicar, em relação às contribuições anteriores a esta data, a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, as quais vedavam as contribuições ainda que provenientes de filiados a partidos políticos. Todavia, as contribuições realizadas a partir de 06.10.2017 devem observar o disposto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

[...]

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 14-74. Relator Des. João Batista Pinto Silveira. Julgado em 04.02.2019, unânime.) (Grifou-se.)

Ante todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso do Ministério Público Eleitoral e pela manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.