RE - 4674 - Sessão: 03/06/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por VALTER LUIZ SLAYFER contra a sentença que desaprovou a prestação de contas do exercício de 2016 do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de ALVORADA, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 2.449,28, determinando, solidariamente, ao partido e a seus responsáveis o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10%, e a suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

Nas razões recursais, alega que a agremiação arcou com o pagamento de despesas de consumo, nos seguintes valores: a) R$ 103,17 (energia elétrica); b) R$ 81,62 (água); e c) R$ 201,08 (telefone), e que outros membros do partido custearam gastos partidários no montante de R$ 2.063,41. Afirma que o diretório municipal foi estabelecido após o ingresso de uma ação judicial e que seus integrantes não tiveram acesso às contas bancárias mantidas no nome do partido. Invoca jurisprudência, ausência de má-fé e os princípios da insignificância e da proporcionalidade. Postula a aprovação das contas, o afastamento da determinação de recolhimento de valores ao erário e a redução do prazo de suspensão do Fundo Partidário para três meses (fls. 164-167).

A Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo desprovimento do recurso (fls. 182-186).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Conforme consta dos autos, a partir de informações prestadas pelas empresas CEEE, CORSAN e VIVO, a análise técnica constatou que, durante o exercício de 2016, o PDT de Alvorada/RS teve despesas de R$ 973,82 com o consumo de energia elétrica, de R$ 687,14 com o de água e de R$ 1.174,19 com telefonia.

Porém, na demonstração contábil, o partido afirmou que tais gastos alcançaram valores menores, declarando despesas de R$ 103,17 (CEEE), R$ 81,62 (CORSAN) e R$ 201,08 (VIVO).

A diferença entre a despesa realmente efetuada e a declarada nas contas, no montante de R$ 2.449,28, foi considerada como recursos de origem não identificada e, por essa razão, a sentença concluiu pela desaprovação das contas.

Embora no recurso o presidente da agremiação, Valter Luiz Slayfer, alegue que os valores utilizados para pagamento da diferença partiram de membros da grei, não há como considerar sanada a falha, dada a ausência de prova mínima a corroborar o argumento.

A legislação é clara ao estabelecer que compete ao partido manter em ordem a sua movimentação bancária, devendo receber recursos financeiros obrigatoriamente por intermédio de cheque cruzado ou depósito identificado pelo CPF do doador, nos termos dos arts. 5º, inc. IV ; 7º; 8º, §§ 1º e 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[...]

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

A responsabilidade pelo recebimento de valores por intermédio de depósitos identificados é do partido político, pois as legendas têm o dever de zelar pela transparência e confiabilidade das contas.

O art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15 veda a arrecadação direta ou indireta, sob qualquer forma ou pretexto, de recursos de origem não identificada, classificando, nessa irregularidade, o valor cujo nome ou a razão social, conforme o caso ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte, não tenha sido informado ou seja inválido.

Esse é justamente o caso dos autos, pois não foi demonstrada a origem dos valores utilizados para o custeio das despesas da sede da agremiação, os quais sequer transitaram por conta bancária.

Ademais, não socorre ao recorrente a tese de que a irregularidade foi praticada porque não obteve acesso às contas bancárias mantidas em nome do órgão partidário, pois bastava-lhe proceder à abertura de nova conta bancária para receber a movimentação de recursos financeiros com transparência.

Em caso de recebimento de contribuições de origem não identificada, o art. 14 da citada resolução determina que o órgão partidário recolha o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias, sendo vedada a devolução ao doador originário.

Não se trata de averiguar se a falha foi realizada por má-fé ou na intenção de ocultar receita sob a forma de caixa 2, mas de falta plena e insanável de confiabilidade na escrituração contábil.

Portanto, à míngua de provas minimamente convincentes das alegações recursais, impõe-se a manutenção da conclusão pela desaprovação das contas por força de recebimento de recursos de origem identificada.

O valor constatado como irregular, no total de R$ 2.449,28, corresponde a 53,94% da receita arrecadada se considerarmos que a soma dos recursos declarados, na ordem de R$ 2.091,06, e não declarados totalizam R$ 4.540,34, não havendo amparo a tese de que se trata de quantia insignificante.

Além disso, considerando o percentual de impacto da irregularidade sobre as contas, mostra-se razoável e proporcional a fixação da multa no patamar de 10%, equivalente a R$ 244,92, por representar exatamente a metade da máxima reprimenda prevista no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Tais quantias, de R$ 2.449,28 e de R$ 244,92, somadas, alcançam o montante de R$ 2.694,20, valor que deve ser recolhido ao Tesouro Nacional conforme determina o art. 14 da Res. TSE n. 23.464/15.

Por fim, verifico que, apesar de apontar a existência de recursos de origem não identificada, a sentença recorrida consigna que a irregularidade atrai a incidência do art. 47, inc. I, da Resolução TSE 23.464/15 (art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95), dispositivo que trata da sanção relativa ao recebimento de recursos de fontes vedadas e prevê a suspensão com perda dos repasses do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano.

Assim, deve ser corrigida a norma indicada para o inc. II do art. 47 da Resolução TSE n. 23.464/15, que traz a sanção para o recebimento de recursos de origem não identificada:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12 desta resolução, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 desta resolução, o órgão partidário fica sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano (Lei nº 9.096/95, art. 36, II); e

II – no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei nº 9.096/95, art. 36, I).

Nada obstante, a penalidade merece ser afastada, com o consequente provimento parcial do recurso, considerando que este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a disposição é aplicável “até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito” (RE n. 2357, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS de 23.11.2018), “sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno” (RE n. 2481, da relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, DEJERS de 26.11.2018).

Assim, tendo em vista que o mérito das contas já foi julgado, não há que se falar em suspensão do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos, pois essa justificativa foi apresentada e considerada insuficiente para afastar a falha das contas.

Além disso, apesar de a sentença referir que “antes de acrescer a multa devida, deverá incidir também atualização pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, desde as datas das ocorrências dos fatos geradores”, é certo que a correção monetária prevista no § 1° do art. 60 da Resolução TSE n. 23.546/17 deve incidir apenas após “Transitada em julgado a decisão que julgar as contas do órgão partidário”:

Art. 60. Transitada em julgado a decisão que julgar as contas do órgão partidário ou regularizar a situação do órgão partidário:

(...)

§ 1º Incide atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

Então, deve ser afastada a determinação de incidência do IPCA-E na forma como consignado na decisão recorrida, podendo até o trânsito em julgado ser recolhido o valor nominal da condenação, que totaliza R$ 2.694,20 (R$ 2.449,28 + R$ 244,92).

Por fim, cumpre afastar a responsabilização solidária entre partido e dirigentes imposta na sentença, pois esta Corte tem posição consolidada no sentido de que a responsabilidade pelo adimplemento das sanções impostas em processos de prestação de contas é exclusiva das agremiações:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA INTEMPESTIVAMENTE. PREVISÃO DISPOSTA NO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCONSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. SANADA PARTE DAS IRREGULARIDADES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DOS VALORES FIXADA EXCLUSIVAMENTE À ESFERA PARTIDÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento da documentação apresentada com o recurso, a teor do disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

2. Recebimento de recursos oriundos de origem não identificada. Ainda que o número de inscrição no CPF corresponda ao do doador informado nas razões recursais, não foram apresentadas outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, não sendo possível, sem a adoção dos procedimentos técnicos de exame destinados à verificação das fontes vedadas, atestar a regularidade do recurso arrecadado.

3. Aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é orientada pela ampla admissão dos meios de prova, devendo ser privilegiada a transparência na aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário, possibilitando-se, para tanto, o emprego de qualquer documento idôneo de comprovação. Esclarecidos alguns apontamentos e afastada a imposição de recolhimento ao Erário dos valores respectivos.

4. Falta de informações de destinatários de gastos com combustíveis. Apresentação de documentos de condutores de veículos que teriam sido utilizados na campanha eleitoral do pleito de 2016. A movimentação de recursos no período eleitoral, que envolve tanto a arrecadação de receitas quanto a sua aplicação, deve ser realizada em conta bancária específica e registrada em contabilidade exclusiva para o período de campanha.

5. Penalidades. As irregularidades remanescentes representam 46,35% da receita arrecadada no exercício, impondo a permanência do juízo de reprovação da contabilidade. Reduzido o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Afastada a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário. Mantida a multa fixada na sentença. Responsabilidade exclusiva do órgão partidário pelo adimplemento das sanções impostas.

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 4589, Rel. Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, DEJERS 22.3.2019.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para afastar a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, a incidência de correção monetária antes do trânsito em julgado da decisão e a determinação de responsabilização solidária entre agremiação e dirigentes, mantendo a desaprovação das contas e a determinação de que o partido recolha ao Tesouro Nacional o valor correspondente aos recursos de origem não identificada recebidos, no montante de R$ 2.449,28 (dois mil quatrocentos e quarenta e nove reais e vinte e oito centavos), acrescido de multa de 10%, à razão de R$ 244,92 (duzentos e quarenta e quatro reais e noventa e dois centavos), totalizando R$ 2.694,20 (dois mil e seiscentos e noventa e quatro reais e vinte centavos).