RE - 1441 - Sessão: 23/01/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) de VIAMÃO (fls. 128-132) contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, determinando a devolução ao Tesouro Nacional da quantia recebida de fontes vedadas e de origem não identificada, acrescida de multa de 5%, e a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 4 meses (fls. 111-121).

Em suas razões, o recorrente sustenta que as contribuições consideradas de fonte vedada, e impugnadas pelo juízo a quo, foram realizadas espontaneamente por pessoas físicas ao partido, sem comunicação à agremiação. Postula que os recursos sejam considerados regulares. Afirma que não houve dolo no recebimento dos valores. Invoca a alteração trazida pela Lei n. 13.488/17 que, ao modificar a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, passou a admitir contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido. Requer o provimento do recurso, para afastar a devolução da quantia de R$ 4.620,05 e, subsidiariamente, reconhecer como regular o valor de R$ 1.873,00, oriundo de doações realizadas por filiados (fls. 129-132).

O Ministério Público Eleitoral oficiante junto à origem apresentou contrarrazões pelo desprovimento do recurso (fls. 134-135).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo, para que seja mantida a sentença em sua integralidade (fls. 139-146v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, o recorrente teve suas contas partidárias relativas ao exercício de 2017 desaprovadas em razão do reconhecimento de duas irregularidades: a) doações realizadas por ocupantes de cargos de confiança, enquadrados como fontes vedadas de recursos, no valor de R$ 1.873,05; e b) recursos de origem não identificada, no total de 2.747,00. Ainda, o montante foi acrescido de multa de 5%. A sentença também determinou a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 4 meses.

Entretanto, o recurso limita-se à discussão acerca da retroatividade da Lei n. 13.488/17, de modo que entende que as doações feitas por detentores de cargo de confiança devem ser consideradas, conforme o recorrente, regulares.

De acordo com o exame das contas, foram recebidas, no exercício financeiro de 2017, receitas identificadas nos extratos bancários como oriundas de autoridades em exercício de cargo/emprego público, no valor total de R$ 1.873,05.

No ponto, ficou consignado na sentença o reconhecimento das doações, para a agremiação, provenientes de fonte vedada, sem atribuição de efeito suspensivo quanto às inovações trazidas pela Lei n. 13.488/17.

Com acerto a decisão a quo, pelos fundamentos que passo a expor.

É incontroverso que os cargos comissionados ocupados pelos doadores ao tempo das liberalidades inserem-se no conceito de autoridade pública previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, com a redação vigente quando dos fatos, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

XII – autoridades públicas.

(…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(Grifei.)

Realmente, o originário art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 coibia os partidos de receber doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; (Grifei.)

Tal entendimento foi solidificado na Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2017:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(…)

Ainda, quanto à aplicação retroativa das disposições previstas pela Lei n. 13.488/17, é pacífico o entendimento de que as prestações de contas são regidas pela lei vigente à época dos fatos – tempus regit actum, em prol, resumidamente, dos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÕES. INVIÁVEL O PARCELAMENTO MEDIANTE DESCONTOS DOS REPASSES DO FUNDO PARTIDÁRIO. POSSIBILIDADE COM RECURSOS PRÓPRIOS. ART. 44 DA LEI 9.096/95. RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012.

1. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 ao art. 37 da Lei 9.096/95 não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores. A nova redação dada retirou a suspensão de quotas do Fundo Partidário e estabeleceu exclusivamente a imposição de multa de até 20% sobre o valor a ser recolhido. Tratando-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2012, devem ser observadas as normas de direito material previstas na Resolução TSE n. 21.841/04.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17, in casu, por ser processo de exercício anterior a sua vigência. Obediência aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

3. Agremiação condenada a recolher valores ao Fundo Partidário e ao Tesouro Nacional. Possibilidade de parcelamento. Vedado o uso de recursos do Fundo Partidário na medida em que o art. 44 da lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas de sua aplicação.

4. Negado provimento. (TRE-RS, PC n. 6380, Acórdão de 31.01.2018, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS.) (Grifei.)

Na situação dos autos, as doações ocorreram no exercício financeiro de 2017, com data de contribuição entre os meses de janeiro e abril daquele ano, nos termos da tabela da fl. 84-v., receitas identificadas nos extratos bancários relativamente a créditos na conta-corrente n. 59447, da agência 628-9 do Banco do Brasil, quando ainda não estava em vigor a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, iniciada no dia 06.10.2017, a qual revogou a proibição absoluta de doações advindas de autoridades públicas ao incluir o inc. V no art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017) (Grifei.)

Dessarte, sendo contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, observa-se a redação original do art. 31 da Lei n. 9.096/97, bem como os comandos do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, os quais vedavam as contribuições, ainda que oriundas de filiados.

Assim, não cabe aplicar a nova disposição à hipótese, pois ocorrida antes da sua vigência, ainda que no curso do exercício financeiro.

Dessa maneira, assiste total razão à decisão de origem, ao afirmar que “restou caracterizado o recebimento pelo Partido, de recursos provenientes de fontes vedadas [...]” (fl. 117).

Nessa linha de raciocínio, aliás, há precedente deste Tribunal cuja relatoria coube ao d. Des. João Batista Pinto Silveira:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS PROCEDENTES DE FONTES VEDADAS. DETENTORES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS EXERCENTES DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RETIFICAÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DAS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas. É proibido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades. No caso dos autos, identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17. 2.1. Posicionamento, deste Tribunal, pela aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua redação original, devido à irretroatividade de novas disposições legais, ainda que mais benéficas ao prestador de contas, em homenagem aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. 2.2. Duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública, em decorrência da sucessão legislativa. Devido ao fato de a Lei n. 13.488/17 ter entrado em vigor no dia 06.10.2017, cumpre aplicar, em relação às contribuições anteriores a esta data, a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, as quais vedavam as contribuições ainda que provenientes de filiados a partidos políticos. Todavia, as contribuições realizadas a partir de 06.10.2017 devem observar o disposto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

[...]

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 14-74. Relator Des. João Batista Pinto Silveira. Julgado em 04.02.2019, unânime.) (Grifei.)

Ainda, cabe apontar que o recorrente, além de invocar a alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.488/17, conforme acima abordado, alega que as contribuições consideradas de fonte vedada e impugnadas pelo juízo a quo foram feitas espontaneamente e sem dolo por pessoas físicas ao partido, sem comunicação à agremiação.

Ocorre que, diante desse regime jurídico, não cabe indagar o caráter de liberalidade da doação ou qualquer outra circunstância de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Dessa maneira, por correta a decisão de origem, mantenho a sentença pela desaprovação e pela determinação de recolhimento da quantia apontada como irregular.

Neste ponto, quanto à manutenção da determinação de recolhimento, ressalvo que esta Corte Eleitoral já se manifestou sobre o art. 55-D, incluído na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.831, de 19.6.2019, tendo reconhecido, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...)

(...)

(TRE/RS, Incidente de ARguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019.) (Grifei.)

Pelas razões acima elencadas, o art. 55-D da Lei n. 9.096/95 é inconstitucional por instituir hipótese de incidência destoante das normas extraídas da Constituição Federal, devendo ser afastada sua aplicação no caso concreto. Assim, não há falar em anistia.

Finalmente, evidencio que não foi objeto do apelo da grei a matéria relativa ao recebimento de recursos de origem não identificada. De outra sorte, não foi, igualmente, objeto de recurso por parte do Ministério Público de origem item relativo ao aumento do percentual da multa aplicada em 5%, bem como no referente à determinação sentencial de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 04 meses. Assim, entendo preclusas essas questões, sob pena de incorrer em proibida reformatio in pejus.

Ante todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhora Presidente.