RC - 2758 - Sessão: 04/06/2019 às 14:00

RELATÓRIO

SAMARA GONÇALVES MOURA interpõe o presente recurso criminal em face da sentença do Juízo Eleitoral da 142ª Zona (Bagé), que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para o fim de condená-la à pena de seis meses de detenção e multa de 5 mil UFIR, convertida a pena privativa de liberdade em prestação de serviços à comunidade, à razão de 8 (oito) horas semanais, pela prática do delito de “boca de urna” tipificado no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97 (fls. 140-143).

A sentença foi prolatada após revogação, por falta de comparecimento mensal em juízo, do benefício da suspensão condicional do processo inicialmente concedido à recorrente (fl. 83).

Em suas razões, SAMARA GONÇALVES MOURA alega não ter praticado o delito imputado porque, embora possuísse santinhos de campanha eleitoral em seu bolso, não estava distribuindo o material. Afirma não ter sido demonstrada a presença do dolo específico, consistente no aliciamento de eleitores, e aponta que as testemunhas Robson Bispo Barbosa, Ralfi Pereira da Rosa e Marcelo Lucas Filandro não presenciaram o fato imputado, não podendo o decreto condenatório estar amparado nos seus depoimentos. Assevera não ter realizado atos de propaganda na data do pleito e defende que a posse da publicidade, sem a respectiva distribuição, não constitui fato típico. Postula a reforma da sentença e a consequente absolvição (fls. 148-153).

Sem contrarrazões, nesta instância, foram os autos com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso e pela execução provisória da pena invocando precedentes do TSE (fls. 157-159v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso preenche os pressupostos recursais legais, é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a denúncia imputou à acusada a prática do seguinte fato (fl. 02 e v):

No dia 02 de outubro de 2016, por volta das 10 h, na Escola Estadual Luis Maria Ferraz – CIEP-, localizada na Av. José do Patrocínio, s/nº, bairro São Judas, nesta Cidade, a denunciada SAMARA GONÇALVES MOURA realizou propaganda de boca de urna.

Na ocasião, data em que se realizaram as eleições municipais, policiais militares receberam informação, via 190, de que no local acima ocorria “boca de urna” em prol do candidato “Esquerda Carneiro”. Então, uma guarnição da Brigada Militar dirigiu-se à citada escola, presenciando a denunciada, que utilizava um crachá de fiscal da coligação “Unidos para Mudar”, entregando “santinhos” do referido candidato. Durante a abordagem, foram apreendidos 72 (setenta e dois) “santinhos” do referido candidato na posse da denunciada.

De acordo com a acusação, a conduta estaria tipificada no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 – LE:

Art. 39.

A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

O delito imputado à ré exige a distribuição de material de propaganda a eleitores ou a manifestação eleitoral que não seja realizada de forma individual e silenciosa, comportamento ressalvado no caput do art. 39-A da Lei das Eleições.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o crime é de mera conduta, consumando-se com a simples distribuição de material de propaganda política (Recurso em Habeas Corpus n. 45, Acórdão de Relator(a) Min. Carlos Velloso, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Data 06.6.2003, p. 136).

No caso dos autos, a recorrente afirma que a conduta é atípica, por não ter sido comprovada a distribuição dos santinhos, mas apenas a posse do material de propaganda.

Contudo, essa não é a conclusão que se extrai do caderno probatório.

Durante a instrução, foram ouvidas quatro testemunhas de acusação, dentre as quais, duas afirmam ter presenciado a ré distribuindo propaganda a eleitores no dia do pleito (fl. 124).

Destaco que a acusada não foi ouvida, por não ter comparecido ao interrogatório, não obstante devidamente intimada para o ato (fl. 113).

Robson Bispo Barbosa disse que atuou como fiscal, no dia das eleições, e, ao ser informado de que estava ocorrendo boca de urna, deslocou-se até o portão da escola e presenciou o momento em que a denunciada estava distribuindo santinhos do candidato “Esquerda” a eleitores, ocasião na qual tentou aconselhá-la a deixar de praticar a conduta, mas foi surpreendido com a sua recusa, sob o argumento de que necessitava do dinheiro recebido para a distribuição da propaganda.

No mesmo sentido, o depoente Guilherme Vinicius Varga, que igualmente participou das eleições na condição de fiscal, relatou ter presenciado a recorrente, no dia do pleito, conversando com eleitores e distribuindo, sem reservas, material contendo propaganda do candidato “Esquerda”.

Os policiais militares Ralf Pereira da Rosa e Marcelo Filandro, por sua vez, narraram que atenderam ao chamado dos fiscais e, na ocasião da abordagem, apreenderam o material gráfico contendo propaganda do candidato “Esquerda” que a ré portava nos bolsos de seu casaco.

Como se observa da prova colhida, a materialidade do delito e a sua autoria restaram suficientemente demonstradas.

Robson e Guilherme presenciaram a ré distribuindo propaganda no dia das eleições, não sendo possível acolher a argumentação no sentido de que a recorrente apenas estava portando o material.

Por isso, concluo que foram maculados o livre exercício do voto e a lisura do processo de sua obtenção, bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral (Ac. de 3.9.2014 no AgR-AI nº 498122, rel. Min. Luciana Lóssio).

Na ausência de qualquer causa excludente da tipicidade, antijuridicidade ou de culpabilidade, a manutenção da condenação deve prevalecer nos termos postos pelo juízo originário, inclusive em relação à dosimetria da pena, que foi fixada no patamar mínimo, com a conversão da detenção em pena restritiva de direitos.

No particular, penso apenas que o cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade deve ser reduzido para a quantia de 4 (quatro) horas semanais, a fim de não inviabilizar o exercício de atividade laborativa pela recorrente, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Além disso, a multa fixada na sentença e mantida nesta decisão deve ser convertida para moeda corrente, nos termos do art. 85 da Resolução TSE n. 21.538/03, que determina a observância do último valor atribuído a essa unidade fiscal, ou seja, R$ 1,0641, o que alcança a importância de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).

Por fim, relativamente à promoção da Procuradoria Regional Eleitoral pela execução imediata da pena restritiva de direitos, consigno minha convicção pessoal no sentido de que o princípio da inocência, afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, impede a antecipação do juízo condenatório, com o reconhecimento da culpabilidade do réu antes do trânsito em julgado da condenação.

Porém, é certo que o Supremo Tribunal Federal, atualmente, entende que a execução provisória de acórdão penal condenatório, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 17.5.2016, Info 814).

A posição foi acompanhada pelo Superior Tribunal de Justiça (Corte Especial, QO na APn 675-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 26.4.2016, Info 582) que, posteriormente, concluiu que a possibilidade de execução provisória das penas privativas de liberdade, antes do trânsito em julgado da condenação, não se estende à execução das penas restritivas de direitos (AgRg na PetExe no Agravo em Recurso Especial 1213070, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 4.5.2018).

No entanto, essa ressalva foi afastada pelo STF no julgamento do ARE 964.246-RG, sob a sistemática da repercussão geral (Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário Virtual, DJe 25.11.2016, Tema 925), e depois nos autos do AgR no HC 143.041 (Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 16.11.2018), assentando-se que o entendimento alcança também as penas corporais substituídas por restritivas de direitos.

Segundo o STJ, o único óbice ao cumprimento imediato da pena imposta é a pendência de julgamento de embargos de declaração (STJ. 6ª Turma. HC 366.907-PR, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 6.12.2016 - Info 595).

A diretriz foi há pouco tempo reiterada pelo STF no julgamento do RE n. 1.171.240, da relatoria do Min. Edson Fachin, ao sustentar que a decisão do STJ no AgRg na PetExe no Agravo em Recurso Especial 1213070, ao inviabilizar a execução provisória da pena restritiva de direitos, é incompatível com a jurisprudência prevalecente no âmbito da Suprema Corte (DJe de 01.3.2019).

Nada obstante, na sessão de 13.6.2017, já na vigência do CPC de 2015 e do sistema de precedentes por ele instituído, este Tribunal julgou a AP n. 34-25 e decidiu que o cumprimento de sanção penal, ainda que relativa a penas restritivas de direitos, somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado da decisão colegiada, em homenagem ao princípio da presunção de não culpabilidade ou do estado de inocência (Rel. Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS 31.10.2017).

Essa orientação foi reafirmada por esta Corte em 27.2.2018, no julgamento do RC n. 425, da relatoria do Desembargador Jorge Luís Dall'Agnol (DEJERS 2.3.2018), não tendo sido proferida decisão em sentido contrário até o presente momento.

Nos julgados em que indeferiu o pedido ministerial de execução provisória da pena, o TRE-RS defendeu que os precedentes das Cortes Superiores envolvendo a matéria não têm força vinculante.

Ocorre que, pela sistemática da repercussão geral, fixada a tese pelo Supremo, as instâncias anteriores aplicam o entendimento do Tribunal aos demais casos que tratem sobre tema com repercussão geral reconhecida.

A repercussão geral, enquanto requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, refere-se à matéria constitucional que tenha relevância jurídica, econômica, social ou política que ultrapasse o interesse subjetivo da parte envolvida no processo, ou seja, que abranja toda a sociedade.

Com base nesse raciocínio, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu ser compatível com a ordem constitucional a imposição de execução provisória da pena, invocando, entre os argumentos que amparam esse entendimento, o prestígio ao sistema de precedentes e a estabilização das decisões judiciais (HC 060000889, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE em 22.5.2018).

O CPC de 2015 efetivamente explicita a necessidade de uniformização da jurisprudência e de manutenção de sua estabilidade, integridade e coerência (arts. 489, § 1.º, inc. V e VI; 926, 927, 928, 947, § 3°; 985, 1.039).

Registro, inclusive, que recentemente o TSE reformou, por unanimidade, o acórdão deste Regional na AP n. 34-25 “para determinar a execução provisória das penas restritivas de direitos” fixadas na decisão (julgamento conjunto do RESPE 1011 e da AC 060077360, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE 13.02.2019).

Portanto, com a ressalva da minha convicção pessoal, tenho que a matéria deve ser uniformizada, para o fim de alinhar o entendimento desta Corte à orientação jurisprudencial firmada pelos tribunais superiores, acolhendo-se a promoção pelo cumprimento imediato da pena, ainda que provisoriamente.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso criminal para manter a condenação, reduzindo a pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade para 4 (quatro) horas semanais e convertendo os valores expressos em UFIR para a pena de multa em moeda corrente nacional, totalizando o montante de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos), autorizada a execução provisória da pena restritiva de direitos, nos termos da fundamentação.